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Ato Noturno
Ato Noturno
Em Ato Noturno, Filipe Matzembacher e Marcio Reolon constroem uma narrativa sobre personagens que vivem da performance. Não apenas no palco, mas sobretudo na vida. Dois homens, dois projetos de poder e reconhecimento social, e um desejo que precisa permanecer nas sombras para que esses projetos sigam de pé. Fingir ser algo que não se é torna-se, aqui, não uma exceção, mas uma regra de sobrevivência.
De um lado, um ator aspirante a galã de uma série, moldado para o olhar público, para o aplauso e para a imagem idealizada. Do outro, um candidato a prefeito da cidade, figura máxima da moralidade institucional, representante de uma ordem que exige coerência, estabilidade e, sobretudo, heteronormatividade. A relação entre eles se constrói nesse espaço de tensão constante entre o que se deseja e o que se pode demonstrar. O filme entende essa impossibilidade de ser o que se é, como uma estrutura social que organiza trajetórias, discursos e silêncios.
A intensidade de Ato Noturno está em todos os detalhes. O que realmente pulsa é o jogo de cena: olhares que se sustentam mais do que deveriam, gestos calculados, pausas carregadas de sentido. Há uma encenação permanente do eu, em que cada personagem parece sempre consciente do papel que precisa desempenhar. Nesse sentido, o teatro não é apenas um cenário, mas um eixo central da narrativa.
O texto da peça encenada por Matias funciona como espelho e comentário da própria história vivida pelos protagonistas. Enquanto a vida exige repressão e cálculo, o teatro permite a exposição do conflito e a possibilidade, ainda que momentânea, de autenticidade. A guerra por sobrevivência no palco é uma tradução metafórica da luta de ambos pela própria vida que explode nas cenas de sexo em ambos, muitas vezes com fetiches da quase exposição.
A fotografia é outro elemento fundamental na construção desse universo. Com uma paleta que alterna sombras densas e luzes artificiais, Ato Noturno cria uma atmosfera de constante vigilância, onde os corpos parecem sempre observados, mesmo nos momentos de intimidade. A câmera valoriza a proximidade, o toque e a textura da pele, mas nunca abandona a sensação de risco, como se o desejo estivesse sempre prestes a ser descoberto.
As atuações de Gabriel Faryas e Cirilo Luna sustentam o filme com bastante entrega. Juntos, os atores criam uma dinâmica intensa, marcada por atração, medo e dependência mútua. A maneira como Matias, personagem de Gabriel vai se transformando de uma simplicidade quase ingênua para a compreensão de como o mundo se move é notável. Assm como a frieza de Rafael, interpretado por Cirilo vai sendo quebrada pelo desejo crescente, tornando-o, muitas vezes, irresponsável.
Ato Noturno é, acima de tudo, um filme sobre os custos da adequação. Sobre o quanto se perde ao transformar a própria vida em espetáculo controlado. Ao articular desejo, poder e representação, os diretores reafirmam um cinema interessado menos em provocar pelo choque e mais em tensionar estruturas, expondo a violência silenciosa de uma sociedade que ainda exige máscaras para conceder pertencimento.
Filme visto no 20º Fest Aruanda 2025.
Ato Noturno (Brasil, 2025)
Direção: Filipe Matzembacher e Marcio Reolon
Roteiro: Filipe Matzembacher e Marcio Reolon
Com: Gabriel Faryas, Cirilo Luna, Henrique Barreira, Ivo Müler, Kaya Rodrigues
Duração: 119 min.
Amanda Aouad
Crítica afiliada à Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema), é doutora em Comunicação e Cultura Contemporâneas (Poscom / UFBA) e especialista em Cinema pela UCSal. Roteirista profissional desde 2005, é co-criadora do projeto A Guardiã, além da equipe do Núcleo Anima Bahia sendo roteirista de séries como "Turma da Harmonia", "Bill, o Touro" e "Tadinha". É ainda professora dos cursos de Jornalismo e Publicidade e Propaganda da Unifacs e da Uniceusa. Atualmente, faz parte da diretoria da Abraccine como secretária geral.
Ato Noturno
2025-12-22T18:30:00-03:00
Amanda Aouad
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