Justiça
Bom, hoje é dia de cinema nacional e pela primeira vez vou comentar um documentário. Temos excelentes filmes no gênero no país, a começar pelas grandes obras de Eduardo Coutinho. Mas, o filme de Maria Augusta Ramos me tocou profundamente. Ele mostra o porquê de eu nunca ter pensado em fazer faculdade de Direito na vida. A justiça em nosso país é algo obscuro para a maioria da população, poucas pessoas já entraram em um tribunal de justiça e o que temos como idéia de julgamento é o modelo americano mostrado nos filmes, ou mesmo, em nossas telenovelas. Desta maneira, Maria Augusta Ramos pousa sua câmera no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro e faz um documentário que retrata uma realidade incômoda, desigual, que foi um grande sucesso em todos os festivais que passou.
Brasileira, Maria Augusta Ramos viveu muito tempo fora, principalmente na Holanda, onde iniciou sua carreira como diretora. De volta ao Brasil, vem se dedicando ao estilo documental, sempre com uma busca reflexiva sobre o tema, sem pré-julgamentos ou teses a serem comprovadas, conforme ela própria afirma. Seu trabalho chega com um diferencial entre os documentários brasileiros, que a exemplo do estilo de Coutinho, tendem a recorrer aos moldes do cinema verdade, com entrevistas e depoimentos diretamente para câmera. Ramos foge disso, fazendo com que a situação ocorra independente de sua presença lá.
O argumento do filme é bastante simples, acompanhar o dia a dia do tribunal de justiça, acompanhando de perto dois casos, o de Carlos Eduardo e o de Alan. Assim, conhecer um pouco também das pessoas que fazem a justiça desse país, como a defensora pública Maria Ignez e os juízes Geraldo e Fátima.
A idéia é fazer um retrato do processo jurídico do país, tendo como recorte o tribunal do Rio de Janeiro, sem interferir na realidade. Apenas demonstrando o que acontece desde que o acusado chega até a definição de sua sentença. O universo do filme é, principalmente, o Tribunal de Justiça, na sala de interrogatório, mas também passeia pela penitenciária municipal e a casa de alguns personagens. A escolha é por uma realidade limpa, sem apelação, nem imagens chocantes. Apenas a constatação da realidade do sistema burocrático e a incapacidade dos detentos de se defender adequadamente.
Quem assiste ao filme de Maria Augusta Ramos sem nunca ter estado no Brasil tende a tirar uma conclusão equivocada: De que marginal aqui é sempre negro e pobre. Parece que o branco, rico, é sempre honesto e está em um patamar superior. Em alguns momentos há pistas de que algo está errado como na conversa na casa de Maria Ignez, onde ela reclama que só prendem “ladrão de galinha”, mas em sua maioria, transcorre a discrepância de classes. Não que seja correto deixar os pequenos furtos impunes, mas poderia haver algumas penas alternativas. Porém, esta é uma reflexão posterior, do espectador, a construção do documentário nos demonstra apenas a realidade vivida naquele local.
O efeito dominante é a reflexão. O documentário funciona apenas como um observador, sem nenhuma tendência a julgar ou comprovar que algo está certo ou errado. A informação é passada e o espectador tira suas próprias conclusões. O próprio recorte não é tendencioso, no momento em que acompanha todos os lados: juiz, defensor e réu, sem interferir ou questionar, apenas observando e mostrando a realidade como ela é.
É interessante observar a opção da linguagem cinematográfica feita por Maria Augusta Ramos, que coloca a câmera parada o tempo inteiro. Há cortes secos, mas nenhum movimento de câmera. O ritmo é ditado pelos planos longos e curtos, intercalados em momentos diferentes, porém não há travelling, zoom, pan, câmera na mão. É muito interessante como isso é seguido a risca mesmo em momentos mais dinâmicos como as visitas ao presídio.
O som também é totalmente ambiente, não há nenhuma trilha musical, nem mesmo de ruídos. Apenas o real exposto na tela, sem máscaras, nem maquiagens. E a história é tão instigante e dinâmica que não fica monótono em nenhum momento. É o silêncio nos ajudando a refletir.
Não é a toa que ganhou seis prêmios internacionais como o de Melhor Filme no Festival Internacional de Documentário ´Visions du Réel´ em Nyon, Suíça, maio/2004.
Brasileira, Maria Augusta Ramos viveu muito tempo fora, principalmente na Holanda, onde iniciou sua carreira como diretora. De volta ao Brasil, vem se dedicando ao estilo documental, sempre com uma busca reflexiva sobre o tema, sem pré-julgamentos ou teses a serem comprovadas, conforme ela própria afirma. Seu trabalho chega com um diferencial entre os documentários brasileiros, que a exemplo do estilo de Coutinho, tendem a recorrer aos moldes do cinema verdade, com entrevistas e depoimentos diretamente para câmera. Ramos foge disso, fazendo com que a situação ocorra independente de sua presença lá.
O argumento do filme é bastante simples, acompanhar o dia a dia do tribunal de justiça, acompanhando de perto dois casos, o de Carlos Eduardo e o de Alan. Assim, conhecer um pouco também das pessoas que fazem a justiça desse país, como a defensora pública Maria Ignez e os juízes Geraldo e Fátima.
A idéia é fazer um retrato do processo jurídico do país, tendo como recorte o tribunal do Rio de Janeiro, sem interferir na realidade. Apenas demonstrando o que acontece desde que o acusado chega até a definição de sua sentença. O universo do filme é, principalmente, o Tribunal de Justiça, na sala de interrogatório, mas também passeia pela penitenciária municipal e a casa de alguns personagens. A escolha é por uma realidade limpa, sem apelação, nem imagens chocantes. Apenas a constatação da realidade do sistema burocrático e a incapacidade dos detentos de se defender adequadamente.
Quem assiste ao filme de Maria Augusta Ramos sem nunca ter estado no Brasil tende a tirar uma conclusão equivocada: De que marginal aqui é sempre negro e pobre. Parece que o branco, rico, é sempre honesto e está em um patamar superior. Em alguns momentos há pistas de que algo está errado como na conversa na casa de Maria Ignez, onde ela reclama que só prendem “ladrão de galinha”, mas em sua maioria, transcorre a discrepância de classes. Não que seja correto deixar os pequenos furtos impunes, mas poderia haver algumas penas alternativas. Porém, esta é uma reflexão posterior, do espectador, a construção do documentário nos demonstra apenas a realidade vivida naquele local.
O efeito dominante é a reflexão. O documentário funciona apenas como um observador, sem nenhuma tendência a julgar ou comprovar que algo está certo ou errado. A informação é passada e o espectador tira suas próprias conclusões. O próprio recorte não é tendencioso, no momento em que acompanha todos os lados: juiz, defensor e réu, sem interferir ou questionar, apenas observando e mostrando a realidade como ela é.
É interessante observar a opção da linguagem cinematográfica feita por Maria Augusta Ramos, que coloca a câmera parada o tempo inteiro. Há cortes secos, mas nenhum movimento de câmera. O ritmo é ditado pelos planos longos e curtos, intercalados em momentos diferentes, porém não há travelling, zoom, pan, câmera na mão. É muito interessante como isso é seguido a risca mesmo em momentos mais dinâmicos como as visitas ao presídio.
O som também é totalmente ambiente, não há nenhuma trilha musical, nem mesmo de ruídos. Apenas o real exposto na tela, sem máscaras, nem maquiagens. E a história é tão instigante e dinâmica que não fica monótono em nenhum momento. É o silêncio nos ajudando a refletir.
Não é a toa que ganhou seis prêmios internacionais como o de Melhor Filme no Festival Internacional de Documentário ´Visions du Réel´ em Nyon, Suíça, maio/2004.
Amanda Aouad
Crítica afiliada à Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema), é doutora em Comunicação e Cultura Contemporâneas (Poscom / UFBA) e especialista em Cinema pela UCSal. Roteirista profissional desde 2005, é co-criadora do projeto A Guardiã, além da equipe do Núcleo Anima Bahia sendo roteirista de séries como "Turma da Harmonia", "Bill, o Touro" e "Tadinha". É ainda professora dos cursos de Jornalismo e Publicidade e Propaganda da Unifacs e da Uniceusa. Atualmente, faz parte da diretoria da Abraccine como secretária geral.
Justiça
2009-05-04T16:23:00-03:00
Amanda Aouad
cinema brasileiro|critica|documentario|filme brasileiro|
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