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Grandes Cenas: Os outros (com spoilers)

Nicole KidmanComo se faz um filme de suspense? Criando estratégias de expectativa, medo, tensão. Mais do que dar susto no espectador, é necessário despertar sua ansiedade.

A grande sacada do filmeOs outros” de Alejandro Amenábar é o ponto de vista. E ATENÇÃO QUE JÁ AQUI VEM O SPOILER. Ele coloca o espectador sob a ótica de três personagens e o que eles crêem é o que nós cremos. O espectador vê com os olhos desses personagens e no final do filme descobrimos que passamos cento e quatro minutos tendo medo e nos sentindo ameaçados, não por fantasmas como supúnhamos, e sim pelos vivos. E que os fantasmas, que tanto tememos, eram aqueles simpáticos personagens que estávamos acompanhando e por quem torcíamos.

O que nos fez torcer e sofrer com os mortos? E o que nos fez temer os vivos como almas do outro mundo? Como já foi dito, o ponto de vista. Além de recursos conhecidos dos espectadores, símbolos clássicos do suspense que levam a quem assiste pensar estar vendo mais um filme que aborda o sobrenatural. Isso, pelo menos até metade do filme. Na metade final, Amenábar vai preparando o espectador com pequenas estranhezas e progressivamente desvendando a brincadeira que ele pregou. Todas as cenas são criadas com muito cuidado, nesse sentido.

Dentre todas, destaco aqui a cena em que a personagem Grace ouve o piano tocando. É o ponto alto do suspense na trama e o clima de tensão é mantido apesar da música ser clássica e alegre. É a chamada música intra-diegética, ou seja, está dentro da cena. O intruso está tocando o seu piano e esse som é ouvido. O fato é que o ponto de vista continua em Grace, ela ouve o piano tocando sozinho, abre a porta da sala e vê o piano aberto e ninguém dentro da sala, no momento em que Grace abre a porta o som para e apenas sua respiração e seus passos são ouvidos. Isso torna a cena ainda mais angustiante, é como se o espectador estivesse lá, procurando o intruso. Grace fecha e tranca o piano, dirige-se à porta e começa a observar se ela fecha sozinha, a música de suspense começa baixa e vai subindo até o momento em que Grace é jogada da sala pela força da porta que se fecha. Assustada, com a música nas alturas ela consegue destrancar porta e ao olhar para o piano ele está novamente aberto. Aí ela se dá conta que não é imaginação de sua filha, há algo de sobrenatural naquela casa. E a música ajuda a compor isso, desviando a atenção do espectador da realidade.

Grace ouve um piano tocando. Assustada, vai em direção à sala de música. PV de Grace olhando a porta, depois a câmera foca Grace assustada. Detalhe da mão de Grace abrindo a porta, o piano pára, silêncio, não há música. Visão de dentro da sala vazia, Grace entra, a porta fecha. A música de suspense começa. Grace tranca o piano, câmera gira com Grace, ela sai, a porta fecha. Zoom e close em Grace abrindo e fechando a porta, testando se ela poderia fechar sozinha. A porta fecha violentamente e arremessa Grace no chão. A música sobe, Grace levanta assustada, Sra. Mills vem ajudá-la. Elas abrem a porta e o salão continua vazio, mas o piano está aberto. Close em Grace assustada.

O grande mérito desse filme é colocar o outro lado, a outra versão induzindo o espectador através do olhar da câmera a conhecer uma história diferente do que ele pensava ver, mas gerando os mesmos efeitos de medo e expectativa que qualquer filme de suspense bem sucedido. O problema é que ela só funciona da primeira vez. Rever essa cena, por exemplo, sabendo que é na verdade um fantasma com medo de um vivo, torna-se engraçado e não assustador como da primeira vez. Ainda assim é muito bem feito e merece destaque.

Não achei a cena no Youtube separada, mas ela está no final dessa sequência com versão japonesa.

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