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Uma noite em 67
Uma noite em 67
Cresci ouvindo minha mãe falar sobre o Festival da Canção de 67. Fã da MPB, ela desfila a eclosão de boas músicas naquele ano e lamenta que Roda Vida tenha ficado apenas em terceiro lugar. Ela é apaixonada por Chico Buarque. Já eu, não entendia como Alegria, Alegria foi apenas quarto, já que era a música mais conhecida da minha geração. Depois ouvindo com atenção, devo dizer que Ponteio é mesmo a minha favorita. O fato é que não faltou boas canções naquele ano, por isso Renato Terra e Ricardo Calil revolveram resgatar esse momento no documentário Uma noite em 67.
O filme é necessário, devo definir. Em um país que pouco cultiva sua história é importante resgatar momentos como esses. Os festivais da canção, não apenas o de 67, merecem edições especiais. Como não lembrar de Elis Regina surgindo com Arrastão, ou A Banda e Disparada empatando em primeiro lugar. Devo citar ainda, momentos históricos como Cinara e Cibele cantando Sabiá debaixo das vaias que queriam Caminhando de Geraldo Vandré campeã? Ou o discurso de Caetano Veloso em É Proibido Proibir? Era um momento de efervescência criativa, política e musical.
O filme de Terra e Calil não tem nenhuma grande novidade cinematográfica. Eles pegaram imagens de arquivo dos bastidores, entrevistaram de forma tradicional os personagens daquela noite e colocaram na íntegra a apresentação das cinco canções finalista. Acertaram nas três opções. Primeiro, ver os bastidores é interessante para compor o clima do momento, ver o nervosismo dos artistas, conhecer o que está por trás dos mitos. Os depoimentos atuais é um contraste interessantíssimo. Podemos comparar as ideologias, o amadurecimento, a visão atual daquele momento e o quando as músicas ficaram para trás para alguns. A definição de Caetano Veloso para Alegria, alegria é engraçadíssima. Chico Buarque dizendo o quanto era ruim ser o "mocinho" também. Assim como Roberto Carlos dizendo que não sabia da organização de vaias contra ele. E as apresentações aparecerem na íntegra. É um presente para o público mesmo que a qualidade das imagens não esteja perfeita.
Aquele 67 era um momento-chave para música popular brasileira. A auto-afirmação, as letras de protesto, o rock vs a brasilidade. E nas cinco canções finalistas estava a representação de todas as classes. Roberto Carlos, a figura máxima da jovem guarda cantando um samba já era uma mistura única. Edu Lobo e Chico Buarque de Holanda eram os representantes da esquerda radical, digamos assim. Eram os "mocinhos" com músicas de protesto, genuinamente brasileiras, sem instrumentos estrangeiros. Não por acaso são os que tem o nome gritado em coro pela platéia. Caetano Veloso e Gilberto Gil eram os "rebeldes". Representantes da MPB que começavam a flertar com o rock e introduzir a guitarra elétrica nas músicas. Ambos se apresentaram com um conjunto de rock iniciando a mistura que se acentuaria com o movimento Tropicalista. Detalhe que o conjunto de rock que se apresentou com Gil, foi Os Mutantes, na época ilustres desconhecidos. Rita Lee com um coração pintado na bochecha era uma afronta aos que ainda cantavam vestidos de smoking.
Um detalhe que achei interessantíssimo foi o depoimento dos integrantes do MPB4 falando do que foi a revolução tropicalista a partir dali. Eles contam da experiência de um show de Caetano Veloso em uma boate, onde ele gritava, se jogava no chão, fazendo todas as liberdades artísticas que conhecemos posteriormente. Magro afirma que "não estava entendendo nada", e encontrou Erasmo Carlos no banheiro e o representante da jovem guarda também confessou que "não estava entendendo nada". Achei isso interessante, porque na fatídica apresentação de Caetano Veloso em É Proibido Proibir, o que ela mais berrava para a platéia enfurecida era "Vocês não estão entendendo nada". Pelo visto Caetano tinha razão, ninguém entendeu nada.
Além das cinco finalistas, o documentário dá atenção a apresentação de Sérgio Ricardo com sua música Beto Bom de Bola. As vaias da platéia eram tantas que o cantor e compositor perdeu a cabeça, quebrando o seu violão e atirando no público. A cena ficou marcada na memória de todos e fez com que a música fosse desclassificada do festival. Mas, ele não foi o único vaiado naquela noite. Roberto Carlos foi vaiado, Caetano Veloso foi vaiado e Elis Regina foi vaiada. Só ele não soube reverter e conquistar a platéia cantando.
E por falar em Elis, estava incomodada com o esquecimento de O Cantador, música defendida pela cantora que lhe deu o prêmio de melhor intérprete naquele festival. Afinal, apesar de não ter ficado entre as finalistas, é uma bela música e um dos seus autores, Nelson Mota, está nos depoimentos falando daquele momento. Quando surgem os créditos, fui brindada com a apresentação original da canção, sem imagem, é verdade, mas o som dá a perfeita sensação do momento. Elis começa cantando tímida debaixo de vaias, vai voltando a voz e as pessoas vão sendo vencidas, começam a cantar junto, e no final estão ovacionando a estrela. É lindo. Pena que a maioria das pessoas no cinema, não entendeu que aquilo fazia parte do filme e saiu antes do fim. Se você gosta de música popular brasileira e foi conhecer ou rever as canções que fizeram história naquela noite, por favor, fique sentado ouvindo esse presente nos créditos.
Músicas finalistas:
Maria, Carnaval e Cinzas (Luiz Carlos Paraná)- intérprete Roberto Carlos
Alegria, Alegria (Caetano Veloso) - intérprete Caetano Veloso
Roda Viva (Chico Buarque) - intérpretes Chico Buarque e MPB4
Domingo no Parque (Gilberto Gil) - intérpretes Gilberto Gil e os Mutantes
Ponteio (Edu Lobo e Capinam) - intérpretes Edu Lobo e Marília Medalha.
Aqui, a apresentação de Elis que não está no filme
O filme é necessário, devo definir. Em um país que pouco cultiva sua história é importante resgatar momentos como esses. Os festivais da canção, não apenas o de 67, merecem edições especiais. Como não lembrar de Elis Regina surgindo com Arrastão, ou A Banda e Disparada empatando em primeiro lugar. Devo citar ainda, momentos históricos como Cinara e Cibele cantando Sabiá debaixo das vaias que queriam Caminhando de Geraldo Vandré campeã? Ou o discurso de Caetano Veloso em É Proibido Proibir? Era um momento de efervescência criativa, política e musical.
O filme de Terra e Calil não tem nenhuma grande novidade cinematográfica. Eles pegaram imagens de arquivo dos bastidores, entrevistaram de forma tradicional os personagens daquela noite e colocaram na íntegra a apresentação das cinco canções finalista. Acertaram nas três opções. Primeiro, ver os bastidores é interessante para compor o clima do momento, ver o nervosismo dos artistas, conhecer o que está por trás dos mitos. Os depoimentos atuais é um contraste interessantíssimo. Podemos comparar as ideologias, o amadurecimento, a visão atual daquele momento e o quando as músicas ficaram para trás para alguns. A definição de Caetano Veloso para Alegria, alegria é engraçadíssima. Chico Buarque dizendo o quanto era ruim ser o "mocinho" também. Assim como Roberto Carlos dizendo que não sabia da organização de vaias contra ele. E as apresentações aparecerem na íntegra. É um presente para o público mesmo que a qualidade das imagens não esteja perfeita.
Aquele 67 era um momento-chave para música popular brasileira. A auto-afirmação, as letras de protesto, o rock vs a brasilidade. E nas cinco canções finalistas estava a representação de todas as classes. Roberto Carlos, a figura máxima da jovem guarda cantando um samba já era uma mistura única. Edu Lobo e Chico Buarque de Holanda eram os representantes da esquerda radical, digamos assim. Eram os "mocinhos" com músicas de protesto, genuinamente brasileiras, sem instrumentos estrangeiros. Não por acaso são os que tem o nome gritado em coro pela platéia. Caetano Veloso e Gilberto Gil eram os "rebeldes". Representantes da MPB que começavam a flertar com o rock e introduzir a guitarra elétrica nas músicas. Ambos se apresentaram com um conjunto de rock iniciando a mistura que se acentuaria com o movimento Tropicalista. Detalhe que o conjunto de rock que se apresentou com Gil, foi Os Mutantes, na época ilustres desconhecidos. Rita Lee com um coração pintado na bochecha era uma afronta aos que ainda cantavam vestidos de smoking.
Um detalhe que achei interessantíssimo foi o depoimento dos integrantes do MPB4 falando do que foi a revolução tropicalista a partir dali. Eles contam da experiência de um show de Caetano Veloso em uma boate, onde ele gritava, se jogava no chão, fazendo todas as liberdades artísticas que conhecemos posteriormente. Magro afirma que "não estava entendendo nada", e encontrou Erasmo Carlos no banheiro e o representante da jovem guarda também confessou que "não estava entendendo nada". Achei isso interessante, porque na fatídica apresentação de Caetano Veloso em É Proibido Proibir, o que ela mais berrava para a platéia enfurecida era "Vocês não estão entendendo nada". Pelo visto Caetano tinha razão, ninguém entendeu nada.
Além das cinco finalistas, o documentário dá atenção a apresentação de Sérgio Ricardo com sua música Beto Bom de Bola. As vaias da platéia eram tantas que o cantor e compositor perdeu a cabeça, quebrando o seu violão e atirando no público. A cena ficou marcada na memória de todos e fez com que a música fosse desclassificada do festival. Mas, ele não foi o único vaiado naquela noite. Roberto Carlos foi vaiado, Caetano Veloso foi vaiado e Elis Regina foi vaiada. Só ele não soube reverter e conquistar a platéia cantando.
E por falar em Elis, estava incomodada com o esquecimento de O Cantador, música defendida pela cantora que lhe deu o prêmio de melhor intérprete naquele festival. Afinal, apesar de não ter ficado entre as finalistas, é uma bela música e um dos seus autores, Nelson Mota, está nos depoimentos falando daquele momento. Quando surgem os créditos, fui brindada com a apresentação original da canção, sem imagem, é verdade, mas o som dá a perfeita sensação do momento. Elis começa cantando tímida debaixo de vaias, vai voltando a voz e as pessoas vão sendo vencidas, começam a cantar junto, e no final estão ovacionando a estrela. É lindo. Pena que a maioria das pessoas no cinema, não entendeu que aquilo fazia parte do filme e saiu antes do fim. Se você gosta de música popular brasileira e foi conhecer ou rever as canções que fizeram história naquela noite, por favor, fique sentado ouvindo esse presente nos créditos.
Músicas finalistas:
Maria, Carnaval e Cinzas (Luiz Carlos Paraná)- intérprete Roberto Carlos
Alegria, Alegria (Caetano Veloso) - intérprete Caetano Veloso
Roda Viva (Chico Buarque) - intérpretes Chico Buarque e MPB4
Domingo no Parque (Gilberto Gil) - intérpretes Gilberto Gil e os Mutantes
Ponteio (Edu Lobo e Capinam) - intérpretes Edu Lobo e Marília Medalha.
Aqui, a apresentação de Elis que não está no filme
Amanda Aouad
Crítica afiliada à Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema), é doutora em Comunicação e Cultura Contemporâneas (Poscom / UFBA) e especialista em Cinema pela UCSal. Roteirista profissional desde 2005, é co-criadora do projeto A Guardiã, além da equipe do Núcleo Anima Bahia sendo roteirista de séries como "Turma da Harmonia", "Bill, o Touro" e "Tadinha". É ainda professora dos cursos de Jornalismo e Publicidade e Propaganda da Unifacs e da Uniceusa. Atualmente, faz parte da diretoria da Abraccine como secretária geral.
Uma noite em 67
2010-08-09T08:37:00-03:00
Amanda Aouad
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