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João Jardim
Júlia Lemmertz
Lília Cabral
Amor?
Amor?
Para falar amores violentos que expõem dores e desejos diversos sem estereótipos, julgamentos ou clichês, João Jardim ouviu mais de 60 depoimentos de pessoas diversas. Escolheu oito para compor o roteiro de seu filme, mas percebeu que o tema era por demais íntimo e doloroso para expor assim na tela. Como essas pessoas se sentiriam? E seus parceiros citados? E os filhos deles? Até que ponto um documentário tem direito de desnudar pessoas e o quão elas podem se arrepender ou não? Foi assim que veio a idéia de encenar o documentário e construir um adorável hibrido que não busca questionar o limite do documentário e da ficção como Jogo de Cena de Eduardo Coutinho, mas nos traz experiências ímpares sobre a capacidade de amar e os limites das relações.
Oito pessoas, oito experiências de vida, nove atores conhecidos, uns mais outros menos, mas todos claramente atores. Não há dúvidas ao telespectador de que estamos vendo uma encenação da vida real. A forma como o enquadramento é construído, repetindo passo-a-passo da entrevista, colocando inclusive as interferências do entrevistador em alguns momentos nos dão a sensação exata de vida real exposta. Não há, então, maniqueísmo. São seres humanos com lados sombrios e luz, contando o que têm de mais íntimo dentro de si. A simulação chega a detalhes como na entrevista do personagem de Eduardo Moscovis ter uma interrupção para atender o celular que fica ligado o resto da entrevista. E o lettering ainda reforça que aquilo realmente aconteceu. Temos também na entrevista da personagem de Júlia Lemmertz o sublime momento pós-fala, quando a câmera ainda está ligada e a entrevistada fica ali, acuada, constrangida. É a pausa para ver se algo mais acontece, técnica clara de documentário. Tudo muito bem feito.
Intercalando esses depoimentos, João Jardim nos brinda com inserts poéticos. São todos simbólicos, emocionais, não cognitivos que demonstram corpos se unindo, casais brincando no mar, pulos, saltos e água, muita água. Seja de mar, de piscina, de chuveiro. Aquela que lava a alma, mas pode sufocar. É interessante reparar a sensação que traz no descanso entre um depoimento ou outro. Todos fortes, carregados, densos. Tudo isso costurado por versões instrumentais de significativas músicas brasileiras sobre o tema. As versões são comandadas pelo músico Lenine que as toca no violão acompanhado de outros músicos. Como são todas músicas conhecidas, ao ouvir os acordes, nosso cérebro cantarola a letra e a mensagem é passada de forma bela.
O fato de saber que um ator servirá de máscara daquela história tira os pudores de contar tudo e o entrevistado fica à vontade. Da mesma forma, os atores sabem que estão encenando, por mais que seja uma encenação da vida real e se vestem daquele personagem sem julgamentos, apenas sendo. Compor um monólogo expondo a vida de uma pessoa real é, sem dúvidas, uma missão complicada. Vemos isso na personagem Júlia que é interpretada por duas atrizes diferentes. O cenário, o figurino e a forma como cada uma expõe aquele história é completamente diferente, apesar de serem as mesmas palavras. Silvia Lourenco é mais sofrida, parece que ainda não superou a história, que a ferida ainda está aberta. Já Fabíula Nascimento nos dá a sensação de uma pessoa mais endurecida, que já cicatrizou a ferida e que se fechou ao amor pela experiência dolorosa.
Os cenários de cada um também expõem um pouco o tom do depoimento. Lília Cabral está no meio da rua, apesar do foco estar apenas nela, vislumbramos um caminho atrás dela. Nada é tão dolorido. Já Júlia Lemmertz está encostada em uma parede, literalmente, em pé, acuada. Assim também está Ângelo Antônio, só que ele está sentado, apesar de nos parecer preso, há um pouco mais de conforto que Júlia. E é interessante reparar também que o roteiro constrói uma gradação dessa agonia. O depoimento de Lilia Cabral é o primeiro, seguido de Eduardo Moscovis que está confortavelmente sentado em uma cadeira de sua sala aparentemente ampla e bem iluminada. Ele está tão tranquilo e dono da situação que termina a entrevista perguntando: "Acabou? É isso?"
Amor? é daqueles filmes que podemos rever algumas vezes sem cansar. Que nos faz pensar, refletir, recriar. Não traz respostas, apenas mais perguntas. Ele quer apenas desabafar toda essa angústia de relações tão complexas que fazem mal, mas viciam. Aquela necessidade doentia do outro que não se explica, só quem viveu compreende. Sempre temos um caso na família, entre os amigos ou nosso mesmo para lembrar. Sem julgamentos, sem rótulos. Apenas os fatos expostos da forma mais honesta possível.
Amor? (Amor? : 2011 / Brasil)
Direção: João Jardim
Roteiro: João Jardim, com a colaboração de Renée Castelo Branco
Com: Lilia Cabral, Eduardo Moscovis, Letícia Collin, Cláudio Jaborandy, Silvia Lourenço, Fabíula Nascimento, Mariana Lima, Ângelo Antônio e Júlia Lemmertz.
Dureção: 100 min.
Oito pessoas, oito experiências de vida, nove atores conhecidos, uns mais outros menos, mas todos claramente atores. Não há dúvidas ao telespectador de que estamos vendo uma encenação da vida real. A forma como o enquadramento é construído, repetindo passo-a-passo da entrevista, colocando inclusive as interferências do entrevistador em alguns momentos nos dão a sensação exata de vida real exposta. Não há, então, maniqueísmo. São seres humanos com lados sombrios e luz, contando o que têm de mais íntimo dentro de si. A simulação chega a detalhes como na entrevista do personagem de Eduardo Moscovis ter uma interrupção para atender o celular que fica ligado o resto da entrevista. E o lettering ainda reforça que aquilo realmente aconteceu. Temos também na entrevista da personagem de Júlia Lemmertz o sublime momento pós-fala, quando a câmera ainda está ligada e a entrevistada fica ali, acuada, constrangida. É a pausa para ver se algo mais acontece, técnica clara de documentário. Tudo muito bem feito.
Intercalando esses depoimentos, João Jardim nos brinda com inserts poéticos. São todos simbólicos, emocionais, não cognitivos que demonstram corpos se unindo, casais brincando no mar, pulos, saltos e água, muita água. Seja de mar, de piscina, de chuveiro. Aquela que lava a alma, mas pode sufocar. É interessante reparar a sensação que traz no descanso entre um depoimento ou outro. Todos fortes, carregados, densos. Tudo isso costurado por versões instrumentais de significativas músicas brasileiras sobre o tema. As versões são comandadas pelo músico Lenine que as toca no violão acompanhado de outros músicos. Como são todas músicas conhecidas, ao ouvir os acordes, nosso cérebro cantarola a letra e a mensagem é passada de forma bela.
O fato de saber que um ator servirá de máscara daquela história tira os pudores de contar tudo e o entrevistado fica à vontade. Da mesma forma, os atores sabem que estão encenando, por mais que seja uma encenação da vida real e se vestem daquele personagem sem julgamentos, apenas sendo. Compor um monólogo expondo a vida de uma pessoa real é, sem dúvidas, uma missão complicada. Vemos isso na personagem Júlia que é interpretada por duas atrizes diferentes. O cenário, o figurino e a forma como cada uma expõe aquele história é completamente diferente, apesar de serem as mesmas palavras. Silvia Lourenco é mais sofrida, parece que ainda não superou a história, que a ferida ainda está aberta. Já Fabíula Nascimento nos dá a sensação de uma pessoa mais endurecida, que já cicatrizou a ferida e que se fechou ao amor pela experiência dolorosa.
Os cenários de cada um também expõem um pouco o tom do depoimento. Lília Cabral está no meio da rua, apesar do foco estar apenas nela, vislumbramos um caminho atrás dela. Nada é tão dolorido. Já Júlia Lemmertz está encostada em uma parede, literalmente, em pé, acuada. Assim também está Ângelo Antônio, só que ele está sentado, apesar de nos parecer preso, há um pouco mais de conforto que Júlia. E é interessante reparar também que o roteiro constrói uma gradação dessa agonia. O depoimento de Lilia Cabral é o primeiro, seguido de Eduardo Moscovis que está confortavelmente sentado em uma cadeira de sua sala aparentemente ampla e bem iluminada. Ele está tão tranquilo e dono da situação que termina a entrevista perguntando: "Acabou? É isso?"
Amor? é daqueles filmes que podemos rever algumas vezes sem cansar. Que nos faz pensar, refletir, recriar. Não traz respostas, apenas mais perguntas. Ele quer apenas desabafar toda essa angústia de relações tão complexas que fazem mal, mas viciam. Aquela necessidade doentia do outro que não se explica, só quem viveu compreende. Sempre temos um caso na família, entre os amigos ou nosso mesmo para lembrar. Sem julgamentos, sem rótulos. Apenas os fatos expostos da forma mais honesta possível.
Amor? (Amor? : 2011 / Brasil)
Direção: João Jardim
Roteiro: João Jardim, com a colaboração de Renée Castelo Branco
Com: Lilia Cabral, Eduardo Moscovis, Letícia Collin, Cláudio Jaborandy, Silvia Lourenço, Fabíula Nascimento, Mariana Lima, Ângelo Antônio e Júlia Lemmertz.
Dureção: 100 min.
Amanda Aouad
Crítica afiliada à Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema), é doutora em Comunicação e Cultura Contemporâneas (Poscom / UFBA) e especialista em Cinema pela UCSal. Roteirista profissional desde 2005, é co-criadora do projeto A Guardiã, além da equipe do Núcleo Anima Bahia sendo roteirista de séries como "Turma da Harmonia", "Bill, o Touro" e "Tadinha". É ainda professora dos cursos de Jornalismo e Publicidade e Propaganda da Unifacs e da Uniceusa. Atualmente, faz parte da diretoria da Abraccine como secretária geral.
Amor?
2011-04-25T08:35:00-03:00
Amanda Aouad
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