Namorados para sempre
Namorados desavisados não sucumbam a falsa idéia do título brasileiro do filme de Derek Cianfrance. Blue Valentine é um filme prelúdio, mas também epílogo de amor. O roteiro do filme é composto por dois momentos que caminham em paralelo, o começo e o fim que se entrelaçam nos dando poucas esperanças de que algo realmente termine bem. Até porque fica claro desde o início as diferenças entre Cindy e Dean. Talvez a história sirva como exemplo do que não deve ser feito. Mas, com certeza, você não sairá do cinema empolgado.
Cindy é a típica adolescente norte-americana, terminando a high school, sonhando com a faculdade de Medicina, namorando o atleta bonitão da escola e fazendo experiências. Dean é o cara comum, que não terminou a escola e trabalha para sobreviver. Ele se apaixona por Cindy à primeira vista e faz de tudo para conquistá-la. No presente, eles estão casados, com uma filha pequena e sem sombras de um conto de fadas. Talvez por isso, a cena do casamento seja sempre o final da história com a clássica: e foram felizes para sempre. Mas, é visível a irritação mútua, as diferenças de estilo e a maneira de cada um encarar a vida.
O mais louco é que, em meio à crise, a solução de Dean seja uma noite em um motel. A simbologia do quarto do futuro e sua frase - "Faça as malas, nós vamos para o futuro" - mostra o quanto o presente não está funcionando. Talvez ali seja o limbo entre uma promessa de amor no passado e uma esperança de resolução no futuro. O fato é que os pequenos gestos demonstram o desgaste. O que dizer daquela tentativa de dança da música "You and Me"? Michelle Williams demonstra em sua expressão corporal a dificuldade de intimidade com o próprio marido. Já Ryan Gosling parece uma sombra do rapaz que vemos nas cenas em paralelo, com tanta energia para tomar a atitude.
Isso fica ainda mais claro quando vemos a cena que está no trailer dos dois brincando em frente a uma loja. Ali há uma entrega completa, sem medo do ridículo. Cindy dança o seu sapateado desajeitado, enquanto Dean toca e canta de forma engraçada. O clima descontraído empolga tanto que nem nos damos conta do recado que a letra da música já nos passa. A gente sempre magoa aqueles que mais ama. Faz parte de nossa incongruência enquanto seres humanos. Quanto mais próximos, mais nos sentimos seguros para ferir o outro. Isso é de dar nó na cabeça de qualquer um. Temos cuidado ao falar com o estranho, medimos as palavras, mas aquele que está ao nosso lado nos ouve falar sem pensar a todo momento.
O resumo da relação de Cindy e Dean, no entanto, não é essa. Montando o quebra-cabeças, conseguimos perceber tudo que está errado. A paixão fugaz dele, a âncora que representa para ela, a diferença de mundos. Não por acaso, as cenas do passado começam relacionadas a pessoas mais velhas. Uma pista do fim que os espera, principalmente na forma de encarar as relações familiares. O contraste já fica claro nas primeiras cenas. Ele sempre brincalhão com a filha, ela cansada, sem paciência para cenas de faz de conta. A atitude com relação ao cachorro sumido também demonstra que apesar de Dean ser brincalhão, ele tem responsabilidade e sabe ser sensível, enquanto que Cindy apesar de rígida parece se preocupar tanto com os detalhes que deixa passar o essencial.
Derek Cianfrance é forte, dando a Namorados para sempre uma capacidade de nos deixar ainda mais próximos do casal. Abusando dos big closes, ficamos sufocados em determidadas cenas, pensando naquela relação que poderia ser muito mais. A montagem e o roteiro também são bastante felizes ao conduzir passado e presente de forma harmônica, fazendo o link perfeito das situações. Quer coisa mais poética que a junção da cena do quarto do velho Walter com o cachorro no colo de Dean? Temos também sempre a expectativa construída, como Cindy na estrada, sua expressão que muda, para só depois abrir a cena para vermos o que ela encontrou. Logo depois, ela chega ao auditório onde a filha se apresenta e só pela expressão Dean percebe o que aconteceu.
Claro que tudo isso seria impossível sem o esforço de Michelle Williams e Ryan Gosling. A construção de personagens de ambos, tanto jovens quanto mais maduros, e suas interpretações a cada momento difícil ou alegre nos faz crer naquela história de uma forma completa. Conhecemos os dois, nos tornamos íntimos. Acompanhamos e sofremos com a situação que vivem. E é interessante como eles passam seus medos de repetição de script familiar. Cindy, que não suportou viver em uma família onde os pais brigavam feito loucos, acha que a separação pode ser uma boa solução. Enquanto Dean, que foi abandonado pela mãe, acha que a família unida apesar de tudo é a melhor escolha.
Namorados para sempre nos conduz em uma história de amor triste, mas contada de uma forma bela e poética. O que acontece e principalmente como acontece, só assistindo para sentir melhor. Mas, deixo a dica, não levante antes dos créditos, a composição de fogos de artifícios é a melhor metáfora dessa narrativa. O amor é como esses fogos, lindo, encantador, explosivo no início, mas efêmero. Logo vira apenas um risco no céu, uma lembrança. Definitivamente, um blue valentine.
Namorados para sempre (Blue Valentine: 2010 / EUA)
Direção: Derek Cianfrance
Roteiro: Derek Cianfrance, Joey Curtis e Cami Delavigne
Com: Ryan Gosling, Michelle Williams, Faith Wladyka, John Doman.
Duração: 114 min
Cindy é a típica adolescente norte-americana, terminando a high school, sonhando com a faculdade de Medicina, namorando o atleta bonitão da escola e fazendo experiências. Dean é o cara comum, que não terminou a escola e trabalha para sobreviver. Ele se apaixona por Cindy à primeira vista e faz de tudo para conquistá-la. No presente, eles estão casados, com uma filha pequena e sem sombras de um conto de fadas. Talvez por isso, a cena do casamento seja sempre o final da história com a clássica: e foram felizes para sempre. Mas, é visível a irritação mútua, as diferenças de estilo e a maneira de cada um encarar a vida.
O mais louco é que, em meio à crise, a solução de Dean seja uma noite em um motel. A simbologia do quarto do futuro e sua frase - "Faça as malas, nós vamos para o futuro" - mostra o quanto o presente não está funcionando. Talvez ali seja o limbo entre uma promessa de amor no passado e uma esperança de resolução no futuro. O fato é que os pequenos gestos demonstram o desgaste. O que dizer daquela tentativa de dança da música "You and Me"? Michelle Williams demonstra em sua expressão corporal a dificuldade de intimidade com o próprio marido. Já Ryan Gosling parece uma sombra do rapaz que vemos nas cenas em paralelo, com tanta energia para tomar a atitude.
Isso fica ainda mais claro quando vemos a cena que está no trailer dos dois brincando em frente a uma loja. Ali há uma entrega completa, sem medo do ridículo. Cindy dança o seu sapateado desajeitado, enquanto Dean toca e canta de forma engraçada. O clima descontraído empolga tanto que nem nos damos conta do recado que a letra da música já nos passa. A gente sempre magoa aqueles que mais ama. Faz parte de nossa incongruência enquanto seres humanos. Quanto mais próximos, mais nos sentimos seguros para ferir o outro. Isso é de dar nó na cabeça de qualquer um. Temos cuidado ao falar com o estranho, medimos as palavras, mas aquele que está ao nosso lado nos ouve falar sem pensar a todo momento.
O resumo da relação de Cindy e Dean, no entanto, não é essa. Montando o quebra-cabeças, conseguimos perceber tudo que está errado. A paixão fugaz dele, a âncora que representa para ela, a diferença de mundos. Não por acaso, as cenas do passado começam relacionadas a pessoas mais velhas. Uma pista do fim que os espera, principalmente na forma de encarar as relações familiares. O contraste já fica claro nas primeiras cenas. Ele sempre brincalhão com a filha, ela cansada, sem paciência para cenas de faz de conta. A atitude com relação ao cachorro sumido também demonstra que apesar de Dean ser brincalhão, ele tem responsabilidade e sabe ser sensível, enquanto que Cindy apesar de rígida parece se preocupar tanto com os detalhes que deixa passar o essencial.
Derek Cianfrance é forte, dando a Namorados para sempre uma capacidade de nos deixar ainda mais próximos do casal. Abusando dos big closes, ficamos sufocados em determidadas cenas, pensando naquela relação que poderia ser muito mais. A montagem e o roteiro também são bastante felizes ao conduzir passado e presente de forma harmônica, fazendo o link perfeito das situações. Quer coisa mais poética que a junção da cena do quarto do velho Walter com o cachorro no colo de Dean? Temos também sempre a expectativa construída, como Cindy na estrada, sua expressão que muda, para só depois abrir a cena para vermos o que ela encontrou. Logo depois, ela chega ao auditório onde a filha se apresenta e só pela expressão Dean percebe o que aconteceu.
Claro que tudo isso seria impossível sem o esforço de Michelle Williams e Ryan Gosling. A construção de personagens de ambos, tanto jovens quanto mais maduros, e suas interpretações a cada momento difícil ou alegre nos faz crer naquela história de uma forma completa. Conhecemos os dois, nos tornamos íntimos. Acompanhamos e sofremos com a situação que vivem. E é interessante como eles passam seus medos de repetição de script familiar. Cindy, que não suportou viver em uma família onde os pais brigavam feito loucos, acha que a separação pode ser uma boa solução. Enquanto Dean, que foi abandonado pela mãe, acha que a família unida apesar de tudo é a melhor escolha.
Namorados para sempre nos conduz em uma história de amor triste, mas contada de uma forma bela e poética. O que acontece e principalmente como acontece, só assistindo para sentir melhor. Mas, deixo a dica, não levante antes dos créditos, a composição de fogos de artifícios é a melhor metáfora dessa narrativa. O amor é como esses fogos, lindo, encantador, explosivo no início, mas efêmero. Logo vira apenas um risco no céu, uma lembrança. Definitivamente, um blue valentine.
Namorados para sempre (Blue Valentine: 2010 / EUA)
Direção: Derek Cianfrance
Roteiro: Derek Cianfrance, Joey Curtis e Cami Delavigne
Com: Ryan Gosling, Michelle Williams, Faith Wladyka, John Doman.
Duração: 114 min
Amanda Aouad
Crítica afiliada à Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema), é doutora em Comunicação e Cultura Contemporâneas (Poscom / UFBA) e especialista em Cinema pela UCSal. Roteirista profissional desde 2005, é co-criadora do projeto A Guardiã, além da equipe do Núcleo Anima Bahia sendo roteirista de séries como "Turma da Harmonia", "Bill, o Touro" e "Tadinha". É ainda professora dos cursos de Jornalismo e Publicidade e Propaganda da Unifacs e da Uniceusa. Atualmente, faz parte da diretoria da Abraccine como secretária geral.
Namorados para sempre
2011-06-14T08:16:00-03:00
Amanda Aouad
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