O Pequeno Buda
Depois de encantar o mundo com cultura chinesa, Bernardo Bertolucci resolveu contar a história de Buda em um filme controverso. Há quem ame e há quem odeie, ainda mais com Keanu Reeves no papel de Siddhartha. Mas, como a própria filosofia do budismo diz, não devemos pensar em extremos: "se apertar a corda ela parte, se afrouxar demais ela não tocará".
O pequeno Buda é um filme com altos e baixos. A história do príncipe Siddhartha que largou toda a fortuna para encontrar o caminho da iluminação é bonita. Toda a filosofia da religião budista é fascinante, na verdade. Eles conseguem uma entrega, uma abnegação, que poucos ocidentais tem sequer idéia. Se o filme fosse apenas sobre ele, mesmo com Keanu Reeves, seria uma linda história. O problema do roteiro é que ele tenta trazer para muito perto de nossa realidade e acaba construindo uma trama com pouca verossimilhança. Afinal, um casal materialista de Seattle, receber monges em sua casa dizendo que seu filho é a reencarnação de um mestre deles e precisa ir a Butão, não deixa de soar estranho. O casal aceitar isso quase naturalmente, mesmo com a desculpa de uma tragédia recente e embarcar na viagem é menos crível ainda. Isso pode acabar afastando boa parte do público e gerar mais perguntas em relação a isso do que em relação ao verdadeiro propósito de entrega.
Ainda assim, o roteiro tenta construir essa trama de busca pela reencarnação do Mestre Lama Dorje de uma forma harmônica. A história de Buda vai sendo contada em partes para o menino através de um livro ilustrado. A forma como intercala presente e passado é interessante, mas em determinado momento o livro é quase esquecido. A história de Siddhartha começa a intercalar cada vez mais sem preparação, chegando até a um momento em que as duas tramas se irmanam de uma forma interessante. O filme vai nos conduzindo na crença de que Jesse é mesmo a reencarnação do mestre budista até pela aceitação e curiosidade do menino, mas aí surgem outros dois candidatos, deixando o roteiro ainda mais complexo. A resolução pode até ter algum sentido, principalmente ao deixar claro que é raro, mas não deixa de ser manhosa.
Agora, se o roteiro tem seus altos e baixos, as imagens nos conquistam, ainda que tenham alguns efeitos datados. Tudo é muito plástico, visual e bem realizado por Bertolucci. Algumas sequências nos encantam como a da iluminação de Siddhartha, que se mistura com o presente, criando um efeito muito interessante. Aliás, as imagens da história de Buda estão sempre com um cuidado maior tanto na direção de arte, quanto na fotografia ou na própria direção. Os cenários são grandiosos, e conseguimos ver o cuidado em detalhes como no nascimento do príncipe na floresta, com o pano amarelo batendo na árvore criando um belo efeito. A cena em que ele medita protegido pela chuva por uma cobra naja também é de grande impacto visual. Não que com isso, o presente seja descuidado, há preocupações até em uma cena em Seattle quando Jesse e o pai estão em uma ponte e vemos os carros abaixo formando um pano de fundo interessante, mas no geral, o cuidado com o passado é maior.
Aliás, há até um exagero na construção dessa forma mítica de Buda. Até mesmo a pele de Keanu Reeves não parece real. Ela brilha como se fosse plástico. Mesmo quando está na floresta jejuando, ele não deixa de ter algo estranho. Agora, uma coisa que ajuda ao ator que não é mesmo de grandes interpretações é que por esse cuidado sobrenatural, Siddhartha é um personagem atípico. Ele quase não tem falas, quase não interage com as pessoas, quase não tem que expressar emoções. Digo quase, porque no início ele tem algumas cenas onde é um pouco mais exigido. Porém, em suas meditações na floresta ele só precisa se manter equilibrado. Acabamos acreditando naquele ser iluminado que está ali, sem se afetar com nada. Nem mesmo com a tentação de Mahra. Aliás, a cena do espelho é uma das mais bonitas do filme.
O resto do elenco também não traz grandes destaques só a presença de Bridget Fonda, que tem mais força pelo nome da família que por sua própria carreira, já que é filha de Peter Fonda, neta de Henry Fonda e sobrinha de Jane Fonda. Mas, isso não significa que não tenha conseguido destaque por si só, principalmente em Jackie Brown, de Quentin Tarantino. O fato é que aqui, como mãe de Jesse ela tem pouca chance de mostrar uma boa interpretação. Já Chris Isaak não consegue defender bem seu personagem e faz um pai mais esquemático que qualquer outra coisa. Não conseguindo nem mesmo demonstrar emoção nas cenas finais que pediam um pouco mais de interpretação. O garoto Alex Wiesendanger, que faz Jesse e a terceira candidata também não ajudam muito, soando artificial. Agora, os monges Ruocheng Ying e Sogyal Rinpoche estão ótimos assim como o garotinho que faz o segundo candidato.
O pequeno Buda não é dos melhores filmes existentes, mas impressiona em seu visual e nos envolve na filosofia budista. É uma construção de uma forma de vida bastante diferente da que estamos acostumados em nossa fórmula individualista ocidental. É bonito, emociona, só não é perfeito. Mas, não é mesmo preciso atingir a perfeição, apenas o equilíbrio.
O Pequeno Buda (Little Buddha: 1993 /França, Liechtenstein, Inglaterra)
Direção: Bernardo Bertolucci
Roteiro: Rudy Wurlitzer e Mark Peploe
Com: Keanu Reeves, Ruocheng Ying, Chris Isaak, Bridget Fonda, Alex Wiesendanger.
Duração: 140 min.
O pequeno Buda é um filme com altos e baixos. A história do príncipe Siddhartha que largou toda a fortuna para encontrar o caminho da iluminação é bonita. Toda a filosofia da religião budista é fascinante, na verdade. Eles conseguem uma entrega, uma abnegação, que poucos ocidentais tem sequer idéia. Se o filme fosse apenas sobre ele, mesmo com Keanu Reeves, seria uma linda história. O problema do roteiro é que ele tenta trazer para muito perto de nossa realidade e acaba construindo uma trama com pouca verossimilhança. Afinal, um casal materialista de Seattle, receber monges em sua casa dizendo que seu filho é a reencarnação de um mestre deles e precisa ir a Butão, não deixa de soar estranho. O casal aceitar isso quase naturalmente, mesmo com a desculpa de uma tragédia recente e embarcar na viagem é menos crível ainda. Isso pode acabar afastando boa parte do público e gerar mais perguntas em relação a isso do que em relação ao verdadeiro propósito de entrega.
Ainda assim, o roteiro tenta construir essa trama de busca pela reencarnação do Mestre Lama Dorje de uma forma harmônica. A história de Buda vai sendo contada em partes para o menino através de um livro ilustrado. A forma como intercala presente e passado é interessante, mas em determinado momento o livro é quase esquecido. A história de Siddhartha começa a intercalar cada vez mais sem preparação, chegando até a um momento em que as duas tramas se irmanam de uma forma interessante. O filme vai nos conduzindo na crença de que Jesse é mesmo a reencarnação do mestre budista até pela aceitação e curiosidade do menino, mas aí surgem outros dois candidatos, deixando o roteiro ainda mais complexo. A resolução pode até ter algum sentido, principalmente ao deixar claro que é raro, mas não deixa de ser manhosa.
Agora, se o roteiro tem seus altos e baixos, as imagens nos conquistam, ainda que tenham alguns efeitos datados. Tudo é muito plástico, visual e bem realizado por Bertolucci. Algumas sequências nos encantam como a da iluminação de Siddhartha, que se mistura com o presente, criando um efeito muito interessante. Aliás, as imagens da história de Buda estão sempre com um cuidado maior tanto na direção de arte, quanto na fotografia ou na própria direção. Os cenários são grandiosos, e conseguimos ver o cuidado em detalhes como no nascimento do príncipe na floresta, com o pano amarelo batendo na árvore criando um belo efeito. A cena em que ele medita protegido pela chuva por uma cobra naja também é de grande impacto visual. Não que com isso, o presente seja descuidado, há preocupações até em uma cena em Seattle quando Jesse e o pai estão em uma ponte e vemos os carros abaixo formando um pano de fundo interessante, mas no geral, o cuidado com o passado é maior.
Aliás, há até um exagero na construção dessa forma mítica de Buda. Até mesmo a pele de Keanu Reeves não parece real. Ela brilha como se fosse plástico. Mesmo quando está na floresta jejuando, ele não deixa de ter algo estranho. Agora, uma coisa que ajuda ao ator que não é mesmo de grandes interpretações é que por esse cuidado sobrenatural, Siddhartha é um personagem atípico. Ele quase não tem falas, quase não interage com as pessoas, quase não tem que expressar emoções. Digo quase, porque no início ele tem algumas cenas onde é um pouco mais exigido. Porém, em suas meditações na floresta ele só precisa se manter equilibrado. Acabamos acreditando naquele ser iluminado que está ali, sem se afetar com nada. Nem mesmo com a tentação de Mahra. Aliás, a cena do espelho é uma das mais bonitas do filme.
O resto do elenco também não traz grandes destaques só a presença de Bridget Fonda, que tem mais força pelo nome da família que por sua própria carreira, já que é filha de Peter Fonda, neta de Henry Fonda e sobrinha de Jane Fonda. Mas, isso não significa que não tenha conseguido destaque por si só, principalmente em Jackie Brown, de Quentin Tarantino. O fato é que aqui, como mãe de Jesse ela tem pouca chance de mostrar uma boa interpretação. Já Chris Isaak não consegue defender bem seu personagem e faz um pai mais esquemático que qualquer outra coisa. Não conseguindo nem mesmo demonstrar emoção nas cenas finais que pediam um pouco mais de interpretação. O garoto Alex Wiesendanger, que faz Jesse e a terceira candidata também não ajudam muito, soando artificial. Agora, os monges Ruocheng Ying e Sogyal Rinpoche estão ótimos assim como o garotinho que faz o segundo candidato.
O pequeno Buda não é dos melhores filmes existentes, mas impressiona em seu visual e nos envolve na filosofia budista. É uma construção de uma forma de vida bastante diferente da que estamos acostumados em nossa fórmula individualista ocidental. É bonito, emociona, só não é perfeito. Mas, não é mesmo preciso atingir a perfeição, apenas o equilíbrio.
O Pequeno Buda (Little Buddha: 1993 /França, Liechtenstein, Inglaterra)
Direção: Bernardo Bertolucci
Roteiro: Rudy Wurlitzer e Mark Peploe
Com: Keanu Reeves, Ruocheng Ying, Chris Isaak, Bridget Fonda, Alex Wiesendanger.
Duração: 140 min.
Amanda Aouad
Crítica afiliada à Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema), é doutora em Comunicação e Cultura Contemporâneas (Poscom / UFBA) e especialista em Cinema pela UCSal. Roteirista profissional desde 2005, é co-criadora do projeto A Guardiã, além da equipe do Núcleo Anima Bahia sendo roteirista de séries como "Turma da Harmonia", "Bill, o Touro" e "Tadinha". É ainda professora dos cursos de Jornalismo e Publicidade e Propaganda da Unifacs e da Uniceusa. Atualmente, faz parte da diretoria da Abraccine como secretária geral.
O Pequeno Buda
2011-07-24T09:36:00-03:00
Amanda Aouad
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