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Por que e para que fazer cinema

CineFuturo 2011Cinema não é jogo. Essa é apenas uma das frases que fica do premiado filme cubano Memórias do Desenvolvimento. E que representa bem o clima do primeiro dia do CineFuturo em Salvador. Uma obra complexa com vários estilos, onde a montagem e foto colagem chamam a atenção de imediato. Como disse o próprio diretor Miguel Coyula é um filme visual. A revolução cubana, o imperialismo norte-americano, as mulheres da vida de um homem, a guerra do Vietnã, o ataque às torres gêmeas, são assuntos que vão saltando na tela de forma aparentemente desconecta, mas que nos prendem em vários aspectos, seja emocional, político, intelectual ou ideológico.

Mas, afinal, por que ele seria uma boa representação do primeiro dia do CineFuturo? Porque este foi o clima que reinou desde a abertura às 14hs da segunda-feira. Cinema comercial vs cinema de arte, o lugar do público, as questões que regem o nosso cinema e a dominação de Hollywood. O evento já começou inovando, em vez de uma mesa de abertura, tivemos vídeos. Assim, a platéia que foi ao Teatro Castro Alves pode se conectar com os patrocinadores do evento, a Embaixadora Francesa, o Secretário de Cultura da Bahia, o idealizador do evento Walter Lima e, principalmente, Bernardo Bertolucci direto da Itália em um lindo depoimento.

CineFuturo 2011Walter Lima falou da intenção do evento que é formar e informar as pessoas de uma maneira mais profunda. Segundo o idealizador do CineFuturo, um evento é um vento que passa, mas a idéia é deixar algumas sementes na mente das pessoas. Já o diretor italiano começou falando do quanto sentia não poder estar pessoalmente na Bahia e pediu para dedicarem sua mostra ao amigo Gustavo Dahl, recém falecido, fato que o deixa muito triste. Falou também sobre sua vida, sua carreira e a paixão que tem pela Bahia. Relembrando o passado, Bertolucci falou de sua amizade com Gláuber Rocha, as comparações de seus filmes na época do Cinema Novo com o touro miúra, fechado ao entendimento gera e sua vontade de se comunicar cada vez mais com o público.

Pegando carona no depoimento de Bertolucci, a organização do evento trouxe uma homenagem à Gustavo Dahl, mostrando uma compilação de depoimentos do cineasta argentino, quase baiano, em diversas edições do seminário de cinema. Em seguida, o cineasta Zelito Viana fez uma rápida apresentação do seu filme: Augusto Boal e o teatro do oprimido, um documentário intenso sobre esse pensador brasileiro que criou uma nova forma de fazer teatro. O filme traz uma retrospectiva de todo seu trabalho, em depoimentos, imagens fotográficas e em vídeo. Além de mostrar toda a repercussão mundial desse formato.


Após a exibição do documentário, pudemos participar de um diálogo empolgante com o próprio Zelito Viana e Maria do Rosário Caetano. A discussão transcendeu o Teatro do Oprimido e a carreira de Zelito Viana para discutir o cinema brasileiro em geral. Refletir é a palavra do Teatro do Oprimido, que mexe com segmentos esquecidos. Inspirados em Augusto Boal que buscava fazer a platéia pensar, muitos pensamentos acalorados surgiram em prol do cinema de arte. Foi interessante acompanhar os depoimentos, perguntas e visões diversas desde estudantes sonhando com a faculdade de cinema, críticos, blogueiros, estudantes de cinema, a profissionais conhecidos como Bertrand Duarte, que perguntou sobre a dificuldade de distribuição a o ator Pisit Mota que levantou a questão de dificuldade de conseguir trabalho no cinema, já que pelo baixo orçamento é mais fácil pagar não atores ou atores já consagrados.

CineFuturo 2011O balanço geral da discussão é a dificuldade do cinema nacional em vários níveis e aspectos, principalmente na distribuição, que continua na mão das grandes majores. O interessante é percebermos que reclamamos da falta de espaço do cinema nacional, enquanto os Estados Unidos reclamam que nosso país é um dos mais difíceis, pois briga pela reserva de mercado. Não por acaso, as grandes distribuidoras americanas começam a distribuir os filmes nacionais. Aproveitando a ligação familiar de Zelito Viana, irmão de Chico Anysio e pai de Marcos Palmeira, discutiu-se muito o papel da Rede Globo em suas diversas empresas, principalmente a Globo Filmes com seus filmes de gênero.


Zelito Viana defendeu o cinema independente, mas ressaltou que a Rede Globo é a única emissora que bem ou mal exibe filmes nacionais, e que fitas como Se Eu Fosse Você, Cilada.com, entre outros, acabam cumprindo um papel no cenário. O que não deixa de ser verdade. Como o próprio cineasta disse: Cadê a Band Filmes, o SBT Filmes? E obras nacionais sendo exibidas nesses canais? Maria do Rosário lembrou ainda da importância do Canal Brasil, outro produto da Rede Globo, e que infelizmente só aparece no pacote mais caro das TVs a cabo. Outro ponto importante a ser ressaltado na conversa, foi o fato da Globo Filmes ter melhorado a imagem do cinema nacional para o grande público que acreditava que filme brasileiro só tinha pornografia.

Após a discussão proveitosa, à noite, aconteceu a exibição de três curtas da Mostra Competitiva, destaque para o curta baiano A morte de D.J. em Paris, de Igor Penna, baseado no romance de Roberto Dummond e o belo A Mula Teimosa e o Controle Remoto, do paulista Hélio Vilella Nunes, que quase sem palavras soube passar muito. Além do longametragem Memórias do Desenvolvimento, cujo diretor Miguel Coyula participará de uma mesa na sexta-feira, houve a exibição ainda do espanhol Finisterrae, em um estilo surreal experimental, onde dois simpáticos fantasmas faziam sua jornada de auto-descobrimento. Destaque para a belíssima fotografia e para o inusitado dos créditos finais em áudio.


CineFuturo 2011O resumo do dia é esse: Falta distribuição para o nosso cinema, é verdade. Os filmes baianos, por exemplo, raramente chegam ao circuito. Por isso, Filhos de João foi tão comemorado semana passada. Falta espaço para diversos filmes que ficam apenas no circuito de festivais, e não conseguem nem mesmo chegar ao DVD. E cinema é para ser visto. É na fruição que o filme acontece. Como disse Zelito Viana, os Estados Unidos ganharam essa guerra. É fato, mas nem por isso, precisamos torná-lo o grande vilão, apenas souberam organizar sua indústria, e hoje apresentam grandes produtos, assim como também grandes lixos que temos que consumir diariamente. Da mesma forma como a Globo Filmes está construindo o seu espaço. O que precisa, é o cinema alternativo se organizar e procurar outras formas de chegar ao seu público. Henrique Dantas é o maior exemplo disso, nove anos para finalizar o seu documentário, depois dois anos de Festival a Festival, mostrando a aceitação do filme, para finalmente na sexta-feira passada chegar ao circuito nacional. Torçamos para que esteja conquistando um público razoável e que continue em cartaz.

Fotos por João Veríssimo do SaladaCultural.

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