Margaret Thatcher é um símbolo
político, independente de nossas convicções. A mulher que quebrou tabus, governou o
Reino Unido com pulso forte por 11 anos e bem ou mal, manteve seu país como uma das principais potências mundiais. Nem tudo foram flores durante esse tempo e a
Dama de Ferro sofreu críticas e apoio de todos os lados.
Phyllida Lloyd consegue passar essa sensação em seu
filme, mas falha em quase todo o resto, construindo uma trama frágil que só se salva pela fenomenal performance de
Meryl Streep.
A escolha de
Lloyd e da roteirista
Abi Morgan incomodou a família e tem uma certa razão, afinal, boa parte do
filme se sustenta na situação atual da
ex-primeira-ministra, que encontra-se doente em casa, conversando com seu finado marido e incapaz de discernir muita coisa. Em nenhum momento, o
filme ridiculariza sua imagem, é verdade, mostra o quão forte foi aquela mulher e o quanto ela mudou na
política de seu país. Mas, a escolha acaba transformando
A Dama de Ferro em um
filme nostálgico, sobre a jornada frágil de um ser humano que pode ter sido tudo, mas sempre se rende à velhice e suas fragilidades. O foco acaba sendo esse, o que foi essa
mulher e no que ela se transformou. Sua dor, sua solidão, a pena e sofrimento daqueles que o cercam. A
primeira-ministra, a
Inglaterra e a História ficam completamente em segundo lugar.

A escolha de começar pelo fim e construir o roteiro nas lembranças da velha
Thatcher servem apenas para uma coisa, deixar
Meryl Streep brilhar por mais tempo. A construção corporal da
atriz, a dificuldade de se movimentar, os problemas de lapso de memória, os traços senis, tudo é composto de uma maneira única e impressionam. O sotaque britânico é outro mérito da
atriz, assim como a diferença de entonação de voz no início da carreira e depois dos exercícios vocais. É incrível perceber as nuanças que
Streep constrói em cada detalhe de sua interpretação. Começar pelo fim nos deixa mais próximos dessa
mulher e dessa
atriz, assim não nos importamos quando
Alexandra Roach aparece na tela interpretando a jovem
Margaret, por exemplo, esperando pacientemente que
Meryl Streep volte a campo. Se o roteiro fosse linear, por exemplo, teríamos que esperar bastante até poder apreciar a estrela maior do
filme.
No entanto, nessa preocupação com a
mulher por trás do cargo, e principalmente a
mulher em sua situação atual, doente e solitária, diretora e roteirista esquecem de conduzir a história, tornando
A Dama de Ferro um
filme para inglês ver. E inglês que saiba um pouco sobre os acontecimentos nas décadas de 70, 80 e 90 de seu país. O
filme passa para nós como
flashs. Os
flashs de memória da velha
Thatcher, sem muitas explicações, sem muitos detalhes, são momentos pontuais, jogados na tela de uma forma quase desleixada. Isso prejudica a apreciação do espectador comum que só ouviu falar de algumas dessas crises e discussões parlamentares por alto nas notícias internacionais.
Phyllida Lloyd, no entanto, parece mais preocupada em nos passar um contraste de uma
mulher em um mundo masculino do que uma aula de história propriamente dita. E é uma escolha válida, só que poderia nos deixar um pouco mais contextualizados. A todo momento ela constrói imagens que demonstram o peixe fora d´água que
Margaret Thatcher parece aos olhos alheios. Como um
travelling pelos pés dos parlamentares prestes a entrar no trabalho, todos com calças e sapatos masculinos e um salto alto perdido entre eles. Ou uma câmera de cima, mostrando os ternos pretos e o vestido azul com chapeuzinho parecendo um ponto estranho andando no meio. Há ainda a preparação para se tornar a líder dos conservadores e assim,
primeira-ministra, e sua posição no centro daqueles homens, sempre forte e decidida. Isso sem falar no bom plano dela em contra-luz de braços abertos, comemorando a vitória nas eleições e o discurso pós posse, onde um
plongée a mostra no centro das discussões.
Phyllida Lloyd e
Abi Morgan também pecam em não se posicionar, ou melhor, em não dar subsídios para o público se posicionar politicamente. Os assuntos são jogados na tela sem muita força, a montagem junta momentos em que o povo britânico ama e odeia
Margaret Thatcher em um jogo não muito claro. Além de transformar o partido liberal em um simples joguete dos conservadores, criticando a mulher de voz fina e depois se calando quando ela se apresenta a impostar a voz. Não há informações de porque o IRA cometeu um atentado a sua vida, por exemplo. Ou porque o partido começou um complô para tirá-la da liderança, nem sua admiração bastante criticada por
Ronald Reagan. Isso aliás, se resumiu a uma lamentável cena de dança em meio a tantos
flashbacks.
A Dama de Ferro é um filme que não funciona. Possui um roteiro confuso com escolhas de direção questionáveis, tornando tudo um emaranhado de informações frouxas. Uma pena, poderia ter muito mais nesse imenso balaio. Seu valor está mesmo na interpretação de uma grande
atriz, que se preparou como nunca para um papel tão difícil. Talvez fosse melhor vê-la em um monólogo sobre essa controversa personagem da nossa história recente.
A Dama de Ferro (The Iron Lady: 2012 / Reino Unido)
Direção: Phyllida Lloyd
Roteiro: Abi Morgan
Com: Meryl Streep, Jim Broadbent, Richard E. Grant, Anthony Head.
Duração: 105 min.