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Problemas na adaptação: As Brumas de Avalon
Problemas na adaptação: As Brumas de Avalon
Há exatos 13 anos, falecia a escritora norte-americana Marion Zimmer Bradley. Entre os diversos livros de sua extensa carreira está o best seller As Brumas de Avalon que gerou diversas prequelas como Senhora de Avalon e A Casa da Floresta, além de uma péssima adaptação, em um filme produzido pela HBO.
As Brumas de Avalon traz a história da lenda do Rei Artur pela visão feminina. E, com isso, reconstrói a imagem de muitas das coisas que o maniqueísmo judaico-cristão construiu em nossa mente. Nessa história não há bem e mal. Apenas visões diferentes de uma mesma história. Visões principalmente de algumas personagens-chaves: Morgana, Viviane, Igraine, Morgause e Gwenwyfar. Cada uma, a seu modo, errou e acertou buscando defender aquilo em que acreditava.
Mas, o mais interessante do livro é que Marion Zimmer Bradley constrói essa nova visão, sem destruir a lenda. Pelo contrário, em vários momentos da história, ela vai montando a forma como a visão deturpada foi sendo construída. Como quando Morgana briga com Artur porque ele está se tornando cada vez mais cristão e assim começa a ser vista pelo reino como uma irmã má, uma bruxa. E tudo baseado em um princípio histórico básico: a Igreja Católica perseguiu as mulheres, principalmente as adeptas das religiões antigas com dons considerados perigosos. Os druidas foram poupados, mas as sacerdotisas eram bruxas a serem caçadas.
O problema é que ao transpor essa história tão bem embasada para as telas, o roteirista Gavin Scott e o diretor Uli Edel não compreenderam essa premissa básica das diversas visões. E reduziu toda a história a mais uma trama rasa entre o bem e o mal. Como Morgana é a protagonista do livro, ela não poderia ser a vilã de sempre, então, elegeram Morgause, sua tia ambiciosa, como a representante de todo o mal. Viviane, interpretada por Anjelica Huston chega a gritar em determinado momento: "Minha irmã é uma feiticeira má". Quem leu o livro sabe que Viviane jamais diria isso, pois não existe para ela esse conceito de pessoa má.
Eles acabam poupando também os personagens que consideraram como os mocinhos. A própria Morgana se torna incapaz de qualquer deslize, o que não é verdade no livro. Ela erra feio várias vezes e chega realmente a planejar a morte de Artur, mas isso é quando ela percebe que Avalon e tudo o que a antiga magia representa estão ameaçadas. Ela é, naquele momento, a última representante da Deusa, uma sacerdotisa que precisa cumprir o papel que Viviane lhe deixou. Mas, isso não chega a ser abordado no filme.
A própria Viviane se torna menos dura com Morgana no filme, quase a mimando e sendo menos incisiva na defesa de Avalon e seus mistérios. Assim, Morgana parece muitas vezes uma tola sendo manipulada por todos. Até mesmo por Lancelot que a engana quando visita Avalon já adulto. No livro, é Morgana que, utilizando os treinamentos de sacerdotisa, engana o primo. Isso pode parecer um preciosismo de leitora fã, mas na verdade demonstra a deturpação do caráter da personagem. Ela é a sacerdotisa sendo treinada nos mistérios da magia, ela tem a visão, não poderia nunca ser enganada de uma forma tão boba, achando que Lancelot fosse Artur.
Apesar disso, Julianna Margulies consegue construir uma boa Morgana. Da mesma forma que Anjelica Huston encarna perfeitamente Viviane. E Joan Allen está bem como Morgause. Já Caroline Goodall fica devendo um pouco como Igraine, que na realidade perde muito de sua força no filme. Além de mãe de Morgana e Artur, ela também era uma sacerdotisa de Avalon e teve sua importância na história, que no filme foi reduzida ao amor por Uther. Samantha Mathis, no entanto, faz uma Gwenwyfar tola como deveria ser, apesar de sua importância na transformação de Artur, que trai Avalon para se tornar cristão, ter sido atenuada.
A verdade é que, no filme, Camelot vira um circo mal contado. Fica difícil compreender as sutilezas criadas por Marion Zimmer Bradley, tornando-se apenas uma história que muda a lenda. Ainda assim, há belas cenas como Morgana na barca, seu reencontro com Viviane, o desenlace com Artur e a cena final na igreja. Isso sem falar no cuidado com a direção de arte e reconstituição dos cenários. Apesar da frustração por ver a obra deturpada, foi o mais próximo que se conseguiu chegar da obra da renomada escritora.
As Brumas de Avalon (The Mists of Avalon, 2001 / EUA)
Direção: Uli Edel
Roteiro: Gavin Scott
Com: Anjelica Huston, Julianna Margulies e Joan Allen
Duração: 183 min
As Brumas de Avalon traz a história da lenda do Rei Artur pela visão feminina. E, com isso, reconstrói a imagem de muitas das coisas que o maniqueísmo judaico-cristão construiu em nossa mente. Nessa história não há bem e mal. Apenas visões diferentes de uma mesma história. Visões principalmente de algumas personagens-chaves: Morgana, Viviane, Igraine, Morgause e Gwenwyfar. Cada uma, a seu modo, errou e acertou buscando defender aquilo em que acreditava.
Mas, o mais interessante do livro é que Marion Zimmer Bradley constrói essa nova visão, sem destruir a lenda. Pelo contrário, em vários momentos da história, ela vai montando a forma como a visão deturpada foi sendo construída. Como quando Morgana briga com Artur porque ele está se tornando cada vez mais cristão e assim começa a ser vista pelo reino como uma irmã má, uma bruxa. E tudo baseado em um princípio histórico básico: a Igreja Católica perseguiu as mulheres, principalmente as adeptas das religiões antigas com dons considerados perigosos. Os druidas foram poupados, mas as sacerdotisas eram bruxas a serem caçadas.
O problema é que ao transpor essa história tão bem embasada para as telas, o roteirista Gavin Scott e o diretor Uli Edel não compreenderam essa premissa básica das diversas visões. E reduziu toda a história a mais uma trama rasa entre o bem e o mal. Como Morgana é a protagonista do livro, ela não poderia ser a vilã de sempre, então, elegeram Morgause, sua tia ambiciosa, como a representante de todo o mal. Viviane, interpretada por Anjelica Huston chega a gritar em determinado momento: "Minha irmã é uma feiticeira má". Quem leu o livro sabe que Viviane jamais diria isso, pois não existe para ela esse conceito de pessoa má.
Eles acabam poupando também os personagens que consideraram como os mocinhos. A própria Morgana se torna incapaz de qualquer deslize, o que não é verdade no livro. Ela erra feio várias vezes e chega realmente a planejar a morte de Artur, mas isso é quando ela percebe que Avalon e tudo o que a antiga magia representa estão ameaçadas. Ela é, naquele momento, a última representante da Deusa, uma sacerdotisa que precisa cumprir o papel que Viviane lhe deixou. Mas, isso não chega a ser abordado no filme.
A própria Viviane se torna menos dura com Morgana no filme, quase a mimando e sendo menos incisiva na defesa de Avalon e seus mistérios. Assim, Morgana parece muitas vezes uma tola sendo manipulada por todos. Até mesmo por Lancelot que a engana quando visita Avalon já adulto. No livro, é Morgana que, utilizando os treinamentos de sacerdotisa, engana o primo. Isso pode parecer um preciosismo de leitora fã, mas na verdade demonstra a deturpação do caráter da personagem. Ela é a sacerdotisa sendo treinada nos mistérios da magia, ela tem a visão, não poderia nunca ser enganada de uma forma tão boba, achando que Lancelot fosse Artur.
Apesar disso, Julianna Margulies consegue construir uma boa Morgana. Da mesma forma que Anjelica Huston encarna perfeitamente Viviane. E Joan Allen está bem como Morgause. Já Caroline Goodall fica devendo um pouco como Igraine, que na realidade perde muito de sua força no filme. Além de mãe de Morgana e Artur, ela também era uma sacerdotisa de Avalon e teve sua importância na história, que no filme foi reduzida ao amor por Uther. Samantha Mathis, no entanto, faz uma Gwenwyfar tola como deveria ser, apesar de sua importância na transformação de Artur, que trai Avalon para se tornar cristão, ter sido atenuada.
A verdade é que, no filme, Camelot vira um circo mal contado. Fica difícil compreender as sutilezas criadas por Marion Zimmer Bradley, tornando-se apenas uma história que muda a lenda. Ainda assim, há belas cenas como Morgana na barca, seu reencontro com Viviane, o desenlace com Artur e a cena final na igreja. Isso sem falar no cuidado com a direção de arte e reconstituição dos cenários. Apesar da frustração por ver a obra deturpada, foi o mais próximo que se conseguiu chegar da obra da renomada escritora.
As Brumas de Avalon (The Mists of Avalon, 2001 / EUA)
Direção: Uli Edel
Roteiro: Gavin Scott
Com: Anjelica Huston, Julianna Margulies e Joan Allen
Duração: 183 min
Amanda Aouad
Crítica afiliada à Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema), é doutora em Comunicação e Cultura Contemporâneas (Poscom / UFBA) e especialista em Cinema pela UCSal. Roteirista profissional desde 2005, é co-criadora do projeto A Guardiã, além da equipe do Núcleo Anima Bahia sendo roteirista de séries como "Turma da Harmonia", "Bill, o Touro" e "Tadinha". É ainda professora dos cursos de Jornalismo e Publicidade e Propaganda da Unifacs e da Uniceusa. Atualmente, faz parte da diretoria da Abraccine como secretária geral.
Problemas na adaptação: As Brumas de Avalon
2012-09-25T08:30:00-03:00
Amanda Aouad
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