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Panorama: Doméstica

DomésticaGabriel Mascaro resolveu construir um documentário diferente. Deu uma missão a sete adolescentes: filmar suas empregadas domésticas por uma semana. Eles precisavam se apresentar, explicar a situação e captar o máximo que pudessem. O resto era com ele e seu montador Eduardo Serrano.

Doméstica é um filme instigante, então, ao trazer uma variedade de emoções e vidas incríveis. Temos diversos tipos de empregadas domésticas. Desde nordestinas em casas do sudeste, passando por moças do interior na capital, até perfis menos comuns como um homem que é empregado doméstico ou uma empregada de outra empregada doméstica que cuida de seus filhos, enquanto esta está trabalhando em outra casa de família.

A escolha de Gabriel Mascaro de acompanhar cada história em bloco, em vez de realizar uma montagem paralela de todos os personagens por tema, é feliz. Não que, com isso, tenhamos vários curtas unidos por um tema. O filme possui algo conciso, como capítulos que não nos deixa dispersar. E vão em uma crescente, começando pelos exemplos mais comuns, até chegar aos mais inusitados.

Doméstica tem, porém, um problema na escolha daqueles que o registram. Nem tanto pela pouca ou nenhuma experiência com cinema dos adolescentes, mas pela possível situação de desconforto que seria o patrãozinho entrevistar a empregada, ainda que todos sempre façam questão de dizer que elas são parte da família. Como falar de suas queixas ou incômodos no trabalho, por exemplo? Como aprofundar suas condições subalternas naquele cenário de família aparente?

DomésticaParece meio confuso dizer que fazem parte da família enquanto dormem em um quartinho dos fundos, só sentam à mesa em um ritual para a encenação do filme ou tem como essência servir. E ao mesmo tempo, porque tem que dizer que elas são da família quase como um bordão para desculpar sua situação? Há alguma vergonha em sua profissão? Tratá-las como profissionais é errado? Um dos pequenos cineastas chega a não conseguir falar o termo "empregada doméstica". É a moça que trabalha lá em casa. Há um limite mesmo tênue em uma pessoa que mora ali e está tão próxima, principalmente dos filhos que ficam na casa por mais tempo, teoricamente.

Esse aprofundamento e destrinchamento, Doméstica não consegue ter, exatamente por ser criado pela visão dessa criança, que, por vezes, ainda entrevista a mãe como suporte para a relação. Mas, o que chama a atenção na experiência são os pequenos flagras de realidade espontâneas. A dificuldade de alguns em começar a falar. Os momentos em que a câmera fica parada registrando o trabalho diário, as pequenas conversas como "é pra fazer o que mesmo?", danças, a empregada Gracinha que dorme ajoelhada com a cabeça no sofá ou a própria tocando o Hino do Bahia.

DomésticaE há também momentos fortes, como os desabafos sobre um filho assassinado no momento em que uma entrevistada cuidava da avó da patroinha com o joelho operado. Ou um ex-marido violento que fez uma outra sofrer aborto espontâneo. Ou ainda, uma outra dizendo que passou mais tempo ali naquela casa do que o tempo que passou com a própria mãe. Momentos assim fazem o filme ganhar outro patamar, do próprio questionamento de papéis e valores. Talvez por isso, nos incomode tanto que a personagem Lena não tenha voz. Em sua parte, ela passa quase como uma sombra em depoimentos da filha que entrevista, da mãe que tem um depoimento emocionante, mas ainda assim é a voz da patroa. E da filhinha da empregada que acaba ganhando mais destaque que a própria entre choros e papinhas.

De qualquer maneira, Doméstica ganha importância como projeto, pela construção a várias mãos, pelos pequenos flagras, por levantar um tema tão caro e incômodo ao mesmo tempo. E por nos fazer pensar, emocionar e relembrar nossas próprias experiências.


Doméstica (Doméstica, 2012 / Brasil)
Direção: Gabriel Mascaro
Roteiro: Gabriel Mascaro
Duração: 76 min.

Filme visto no Oitavo Panorama Internacional Coisa de Cinema. Salvador, 2012.

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