
Alguns dizem que
Hotel Ruanda é a
Lista de Schindler africana. Tem fundamentos. Quando a Alemanha perdeu a primeira guerra, a Bélgica assumiu a região de
Ruanda e resolveu por critérios tolos dividir a população entre
Tutsis e
Hutus. Os
Tutsis eram a minoria com pele mais clara, nariz mais afinado e altos que foram considerados a elite dominante, enquanto a imensa maioria de
Hulus foi segregada. Com o reconhecimento de
Ruanda como república, a Bélgica se retirou do país, ao mesmo tempo em que começava uma revolta
Hulu. Daí para uma guerra civil com perseguição ferrenha a qualquer
Tutsi não demorou muito.
E aí começa o
filme de
Terry George, em plena revolução
Hulu, ainda sem massacres, onde a minoria discriminada toma o poder com o novo presidente. O problema é que esse mesmo presidente
Hulu é assassinado e colocam a culpa nos
Tutsi, que passam a ser perseguidos, torturados e mortos sem piedade. No meio de toda essa confusão está o protagonista Paul Rusesabagina, Hulu, gerente de um
hotel quatro estrelas na cidade, e marido e pai de
Tutsis. E o que a princípio era um desespero para salvar sua própria família, se torna uma jornada desesperadora por humanidade.

O
filme nos mostra sem pressa, sem ser didático e sem ser cansativo apesar da duração, todos os detalhes desse conflito desumano e assustador. Paul vai colocando os
Tutsis escondidos o
hotel, sem saber exatamente onde tudo aquilo vai dar. É esperto, negocia com os donos, engana a polícia, fica próximo dos representantes da ONU e dos repórteres. Mas, quando parece que tudo irá se resolver, o problema piora. Os turistas, os repórteres e até os representantes da ONU são retirados do país, deixando o desespero no
hotel que fica cada vez mais sitiado.
É um jogo constante de luta por sobrevivência e esperança em sabe-se lá o que. E tudo isso feito de uma maneira emotiva, bem construída e chocante. Há diversas cenas fortes, como a cena da retirada dos brancos do
hotel. O desespero dos que ficam, a expressão de decepção de Paul, a vergonha dos que estão indo embora salvar a própria pele. Tudo é muito bem construído. A cena do mar de corpos em uma estrada é outra extremamente marcante.

Mas, o foco é mesmo humano, recortando o exemplo de Paul, ficamos próximos daquele
massacre, sentimos mais forte toda aquela desumanidade, a dor. O desespero do personagem que não fica em nenhum momento restrito à própria família nos comove profundamente. Ainda que a dor familiar seja abordada também de diversas maneiras. O ator
Don Cheadle consegue dosar bem essas emoções, dando vida ainda maior ao
filme e trabalhando todas as nuanças do personagem. Em uma rápida participação, destaco ainda
Joaquin Phoenix como o repórter inquieto, muito melhor que
Nick Nolte como o líder de ONU que parece mais assustado que qualquer outra coisa.

O
desespero e a falta de ajuda exterior marcam toda a jornada de Paul e seus protegidos
Tutsis que parecem mesmo esquecidos pelo mundo. Chamados de baratas por seus inimigos. E uma inimizade criada pelos próprios colonizadores externos que agora se recusam a ajudar. Um jogo tolo de poder, de
ódio reprimido por uma superioridade ou mesmo diferença inexistente, ainda mais naquelas condições. Tão inexistente que era preciso ver os documentos de identidade para realmente distinguir se uma pessoa era
Hulu ou
Tutsi. E ainda assim, milhares foram massacrados.
Paul Rusesabagina foi um herói em meio ao seu povo. Esperto e persistente ele conseguiu salvar vidas, ainda que tenha sofrido com a
morte de tantos outros. É doloroso e emocionante acompanhar sua trajetória nesse mais que necessário registro histórico. Porque mais do que um
filme de
ficção,
Hotel Ruanda é um registro histórico de um daqueles momentos em que dá vergonha de ser um ser humano. Em que percebemos até que ponto ganância e
ódio podem nos levar.
Hotel Ruanda (Hotel Rwanda, 2004 / EUA, Itália, Inglaterra e África do Sul)
Direção: Terry George
Roteiro: Keir Pearson e Terry George
Com: Don Cheadle, Sophie Okonedo, Nick Nolte, Joaquin Phoenix
Duração: 121 min.