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Killer Joe - Matador de Aluguel
Killer Joe - Matador de Aluguel
Em um mundo politicamente correto, um filme como Killer Joe chega mesmo para sacudir. Não que precisemos rever valores, mas é bom ser lembrado, às vezes, que a vida também tem esses lados obscuros que todos querem esconder.
Tudo começa com Chris Smith, vivido por Emile Hirsch, um garoto desajustado em uma família desajustada que está com uma enorme dívida com traficantes. Após seu pai negar ajuda, na verdade o velho também não tem dinheiro, ele se convence de que a melhor solução para o seu caso é contratar um matador de aluguel para dar cabo da própria mãe e dividir a polpuda apólice de seguro que está no nome da irmã mais nova. E assim, toda a família vai se envolver em uma trama absurda.
O clima de Killer Joe não é ameno em nenhum momento. Começamos com uma forte chuva e Chris gritando à porta. A madrasta o atende sem roupa, o cachorro late, a irmã chora. O tom azulado deixa as relações ainda mais frias. Pai e filho vão discutir o problema em uma casa de show de strip tease com um tom ainda mais azulado na fotografia. E pensar que estamos lidando com problemas familiares. Uma mãe desnaturada que nunca aparece, mas é pintada como a pior das criaturas. Afinal, tentou matar a filha ainda bebê e roubou a cocaína do filho para consertar o carro. Isso só para citar os fatos que vieram a tona.
Claro, que diante de uma realidade tão insólita, pessoas não poderiam ser normais. E quem parece canalizar boa parte da loucura que impera é Dottie Smith, a irmã de Chris. A garota tem visíveis problemas mentais, além de ser sonâmbula, mas é mais esperta e atenta do que supõe seus familiares. E ela acaba sendo o pólo de todo o plano, já que é a beneficiária do seguro e chama a atenção do matador de aluguel, Joe, interpretado por Matthew McConaughey.
Interessante como a trama se constrói e se fecha de uma maneira tão doentia e perfeita. Cada ponto é pensado, calculado e desenvolvido para culminar em uma das sequências mais fortes e surpreendentes dos últimos tempos. Tanto que muita gente vai preferir dispensar uma boa coxa de frango por algum tempo. Mas, desde o início, aquilo é construído. Principalmente, pela figura de Joe. Chama a atenção, por exemplo, que mesmo sendo a primeira vez que ele vai naquela casa, o cão não late para ele. Apenas o observa com uma mistura de receio e respeito, talvez. Coisa que nunca demonstra por Chris, sempre latindo violentamente quando o rapaz se aproxima da porta.
Aliás, o jogo de construção de imagens que William Friedkin faz nas entrelinhas de toda a projeção é muito instigante. Uma das cenas mais emblemáticas é quando Joe e Chris estão em uma estrada e passam por um cemitério, onde três lápides aparecem em primeiro plano com o carro ao fundo. Juntando as peças, há tantas pistas e recompensas na trama que não chega mesmo a ser surpreendente o final. Apesar de continuar sendo muito bem feito, e sim, nos surpreender.
Outra construção muito bem feita é a relação entre Joe e Dottie. Desde o primeiro encontro casual na casa, passando pela cena em que ele a observa dançar no meio da rua, até o primeiro encontro de fato. O medo dela inicial, a forma como ele vai contornando e envolvendo-a. Os detalhes no diálogo, no simbolismo do vestido, ele tirando as algemas, o revolver, o distintivo, como se também se despisse para ela. Na falta de troca de olhares. A coisificação dela, como garantia, acaba se diluindo em outras emoções diversas. Há sutileza mesmo na violência.
Nem por isso, deixa de ser um filme forte, traumático até para algumas mentes mais sensíveis. Mas, nada chega a ser gratuito e é muito bem feito. Killer Joe, com seu dispensável subtítulo brasileiro, Matador de Aluguel, é daqueles filmes que causam impacto em uma indústria acostumada com a mesmice.
Killer Joe - Matador de Aluguel (Killer Joe, 2013 / EUA)
Direção: William Friedkin
Roteiro: Tracy Letts
Com: Matthew McConaughey, Emile Hirsch, Juno Temple, Thomas Haden Church
Duração: 102 min.
Tudo começa com Chris Smith, vivido por Emile Hirsch, um garoto desajustado em uma família desajustada que está com uma enorme dívida com traficantes. Após seu pai negar ajuda, na verdade o velho também não tem dinheiro, ele se convence de que a melhor solução para o seu caso é contratar um matador de aluguel para dar cabo da própria mãe e dividir a polpuda apólice de seguro que está no nome da irmã mais nova. E assim, toda a família vai se envolver em uma trama absurda.
O clima de Killer Joe não é ameno em nenhum momento. Começamos com uma forte chuva e Chris gritando à porta. A madrasta o atende sem roupa, o cachorro late, a irmã chora. O tom azulado deixa as relações ainda mais frias. Pai e filho vão discutir o problema em uma casa de show de strip tease com um tom ainda mais azulado na fotografia. E pensar que estamos lidando com problemas familiares. Uma mãe desnaturada que nunca aparece, mas é pintada como a pior das criaturas. Afinal, tentou matar a filha ainda bebê e roubou a cocaína do filho para consertar o carro. Isso só para citar os fatos que vieram a tona.
Claro, que diante de uma realidade tão insólita, pessoas não poderiam ser normais. E quem parece canalizar boa parte da loucura que impera é Dottie Smith, a irmã de Chris. A garota tem visíveis problemas mentais, além de ser sonâmbula, mas é mais esperta e atenta do que supõe seus familiares. E ela acaba sendo o pólo de todo o plano, já que é a beneficiária do seguro e chama a atenção do matador de aluguel, Joe, interpretado por Matthew McConaughey.
Interessante como a trama se constrói e se fecha de uma maneira tão doentia e perfeita. Cada ponto é pensado, calculado e desenvolvido para culminar em uma das sequências mais fortes e surpreendentes dos últimos tempos. Tanto que muita gente vai preferir dispensar uma boa coxa de frango por algum tempo. Mas, desde o início, aquilo é construído. Principalmente, pela figura de Joe. Chama a atenção, por exemplo, que mesmo sendo a primeira vez que ele vai naquela casa, o cão não late para ele. Apenas o observa com uma mistura de receio e respeito, talvez. Coisa que nunca demonstra por Chris, sempre latindo violentamente quando o rapaz se aproxima da porta.
Aliás, o jogo de construção de imagens que William Friedkin faz nas entrelinhas de toda a projeção é muito instigante. Uma das cenas mais emblemáticas é quando Joe e Chris estão em uma estrada e passam por um cemitério, onde três lápides aparecem em primeiro plano com o carro ao fundo. Juntando as peças, há tantas pistas e recompensas na trama que não chega mesmo a ser surpreendente o final. Apesar de continuar sendo muito bem feito, e sim, nos surpreender.
Outra construção muito bem feita é a relação entre Joe e Dottie. Desde o primeiro encontro casual na casa, passando pela cena em que ele a observa dançar no meio da rua, até o primeiro encontro de fato. O medo dela inicial, a forma como ele vai contornando e envolvendo-a. Os detalhes no diálogo, no simbolismo do vestido, ele tirando as algemas, o revolver, o distintivo, como se também se despisse para ela. Na falta de troca de olhares. A coisificação dela, como garantia, acaba se diluindo em outras emoções diversas. Há sutileza mesmo na violência.
Nem por isso, deixa de ser um filme forte, traumático até para algumas mentes mais sensíveis. Mas, nada chega a ser gratuito e é muito bem feito. Killer Joe, com seu dispensável subtítulo brasileiro, Matador de Aluguel, é daqueles filmes que causam impacto em uma indústria acostumada com a mesmice.
Killer Joe - Matador de Aluguel (Killer Joe, 2013 / EUA)
Direção: William Friedkin
Roteiro: Tracy Letts
Com: Matthew McConaughey, Emile Hirsch, Juno Temple, Thomas Haden Church
Duração: 102 min.
Amanda Aouad
Crítica afiliada à Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema), é doutora em Comunicação e Cultura Contemporâneas (Poscom / UFBA) e especialista em Cinema pela UCSal. Roteirista profissional desde 2005, é co-criadora do projeto A Guardiã, além da equipe do Núcleo Anima Bahia sendo roteirista de séries como "Turma da Harmonia", "Bill, o Touro" e "Tadinha". É ainda professora dos cursos de Jornalismo e Publicidade e Propaganda da Unifacs e da Uniceusa. Atualmente, faz parte da diretoria da Abraccine como secretária geral.
Killer Joe - Matador de Aluguel
2013-03-19T08:30:00-03:00
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