
"
Até tu, Brutus", talvez seja uma das
frases históricas mais conhecidas. Lembro até de meu professor de
História contando uma piada com ela. Mas, na realidade, ela é uma fala da peça
Júlio César de
William Shakespeare, um dos dramaturgos mais conhecidos e representados em diversas versões para o
teatro e para o
cinema.
Os
irmãos Taniani resolveram ir além nessa reconstrução textual unindo não apenas
teatro e
cinema, como ficção e realidade, no docudrama
César Deve Morrer. Durante seis meses, eles acompanharam os ensaios de prisioneiros da
prisão de segurança máxima
Rebibbia, localizada em
Roma. Os prisioneiros encenariam exatamente a peça
Júlio César como parte de um programa de reabilitação do
presídio. Levar arte aos detentos como forma de sensibilização.

Todo o
filme é construído a partir dessa observação, porém, os diretores escolhem abrir e fechar a trama com a encenação, o que não deixa de ser uma escolha extremamente interessante. Principalmente, porque o foco da peça de
Shakespeare não é o César assassinado por seu conselho, mas o seu fiel amigo
Brutus e sua consciência. Ele que amava
César, mas o trai acreditando em um bem maior para Roma. Quase como um Judas que trai Jesus, acreditando que é o melhor para a causa em que acredita.

E é interessante que essa questão moral e o seu arrependimento pedindo para morrer, abra o
filme. Estamos vendo
prisioneiros que também tiveram erros diversos desde homicídios até envolvimentos com a máfia. O passado de cada um é apresentado antes do início dos ensaios, ao som de uma gaita que é tocada por um dos detentos, que torna tudo poético e acolhedor. Apesar de ser até bastante didática, com direito a
close em cada um com o texto abaixo citando seus crimes e pena.
Discutir política, poder e lealdade entre aquelas pessoas é uma forma de reconstruir a eles próprios naquele processo, tanto que, durante os ensaios, algumas
catarses são presenciadas. O momento mais tenso é a discussão entre Giovanni Arcuri e Juan Dario Bonetti, respectivamente,
César e
Décio, quando este vai chamar o imperador para a reunião do conselho onde será
assassinado. O convite à traição desperta no intérprete de
César a postura do colega de
prisão, que é sempre falsa.

Há também uma questão simbólica da própria representação da
arte. Tanto que Cosimo Rega, que representa Cássio sentencia: "Depois que conheci a arte, esta cela se tornou uma prisão". E a própria
representação disso é utilizada pelos diretores através das cores. Apenas enquanto estão no palco, o
filme é colorido. Os ensaios e a vida dentro da
prisão são com imagens em preto e branco. Como se interpretar trouxesse vida a eles, ao mesmo tempo em que demonstra que, lá dentro, eles não tem vida. O espírito livre que a
arte instiga, recluso pelas paredes que a cerceia. Uma estética que abre espaço para diversas interpretações e questionamentos.
César Deve Morrer consegue construir equilíbrio em seu processo de construção. Em nenhum momento parece um
documentário tradicional. Toda a construção dos ensaios e mistura do texto da
peça com os acontecimentos é bastante fluida. É gostoso de acompanhar. Estamos vendo o processo de construção e, ao mesmo tempo, a peça em si, com outros olhos. Outras possibilidades. E demonstra o quanto o texto de
Shakespeare ainda é vivo e traz significados nos dias de hoje. Uma experiência, de fato, intensa.
César Deve Morrer (Cesare deve morire, 2012 / Itália)
Direção: Paolo Taviani, Vittorio Taviani
Roteiro: Paolo Taviani, Vittorio Taviani
Com: Cosimo Rega, Salvatore Striano, Giovanni Arcuri
Duração: 76 min.