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Flores Raras
Flores Raras
Baseado no livro Flores Raras e Banalíssimas de Carmen L. Oliveira, o novo filme de Bruno Barreto é sobre a história de amor entre Elizabeth Bishop e Lota de Macedo Soares, suas perdas e aprendizados. E é construído de uma maneira sensível, com belos momentos, mas que também traz alguns problemas. Talvez o maior trunfo da obra seja mesmo as suas atrizes. Glória Pires e, principalmente, Miranda Otto, dão o tom que nos encanta.
Elizabeth Bishop está em uma crise criativa, deprimida, envolvida com o álcool. Por isso, resolver fazer uma viagem relaxante ao Brasil, onde mora uma antiga amiga de faculdade. Mary, no entanto, é casada com a arquiteta brasileira Lota de Macedo Soares, e o que antes parecia um estranhamento e irritação mútua, se torna um amor que dura 16 anos.
O roteiro faz um resumo dessa vida, priorizando momentos-chaves como o início da relação, a decisão de fazer o Parque do Flamengo, o Prêmio Pulitzer para Bishop, entre outros. E é feliz ao conduzir a passagem do tempo de forma fluida, sem precisar explicar muito, como quando vemos uma bebezinha e depois uma garotinha, ou nos fios brancos do cabelo de Glória Pires. Porém, a apresentação das personagens e da relação acaba sendo problemática. Tudo é muito apressado, Lota passa como um furacão pela tela, enquanto Bishop se encolhe. Temos o estranhamento, o olhar dela assustado com cada atitude daquela mulher cheia de energia que fala alto, dá beijos no rosto de todos e não tem limites de privacidade. Porém, é tudo muito acelerado, não dá tempo de nos ambientarmos e conhecermos melhor nenhuma das duas antes do primeiro "encontro". Isso prejudica a empatia para com elas e com o relacionamento, principalmente porque Lota já tinha uma companheira, a Mary.
De qualquer maneira, se o roteiro é precipitado, o talento das duas atrizes vai nos conquistando aos poucos. Ambas dominam suas personagens e trazem verdade à tela em cada gesto e palavra. A forma como Glória Pires passeia do inglês para o português, por exemplo, é muito fluido. A postura dura de andar e falar de Lota, sempre prática e senhora de si, também é bem construída, e é interessante como não a torna arrogante. Enquanto que Miranda Otto consegue passar toda a insegurança e traumas da Bishop de uma maneira muito natural. Até as palavras que ela arranha em português soam verossímeis, com aquele sotaque típico, porém, plausível de uma pessoa que já mora no país há algum tempo. Ao contrário da atriz Tracy Middendorf, que faz a Mary, que parece ter sido dublada.
Chama a atenção também a forma como se dá uma espécie de virada na relação das duas, no momento em que Elizabeth Bishop se rende finalmente às investidas de Lota, já na casa. Bruno Barreto faz as atrizes construírem uma virada literal de poder no jogo de corpo, indicando que a partir dali as coisas vão começar, aos poucos, a se inverter, tornando Bishop cada vez mais confiante e Lota, cada vez mais dependente. Bishop afirma em determinado momento do filme que tem um "compromisso com o pessimismo, assim não se decepciona". Essa é a chave para ela estar o tempo todo preparada para um fim, uma perda, uma mudança e com isso, não se abate tanto, mas também não se entrega. Ao contrário de Lota que mergulha de cabeça em tudo, e quando algo dá errado, sente mais as consequências.
E nisso, não falo apenas no relacionamento das duas, mas em tudo na vida. Tanto que uma das coisas que abate Lota são as dificuldades na construção do Parque, na crítica da imprensa que acha que é um local elitista, na "esperança" com o golpe militar e no próprio distanciamento de Bishop. Enquanto que esta parece estar sempre preparada para o que está por vir. E sua relação com Lota acaba lhe trazendo coragem, tanto que um dos melhores momentos é o discurso após o Prêmio Pulitzer.
A trilha sonora do filme tem também a preocupação de trazer as músicas brasileiras da época em que convivem de maneira fluida com a trama. Dois exemplos chamam a atenção, logo no início, quando Lota e Mary pegam Bishop no aeroporto e a levam para a casa em Petrópolis e quando as duas vão para a casa de Copacabana. No primeiro caso, Lota cantarola no carro a música Kalu de Humberto Teixeira. Tem uma questão interessante na letra da música, que fala de um amor perdido que pode ter relação tanto com Mary perdendo Lota, quanto com a relação das outras duas mulheres. E na cena de Copacabana em que a música de Dorival Caymmi é colocada de forma intra-diegética, ou seja, está como BG, mas logo se revela ser a música que está sendo cantada no bar onde elas vão. Trazendo mais naturalidade ao "clipe musical". Tudo isso demonstra um cuidado na direção que vai além da simples decupagem mecânica. Bruno Barreto só erra a mão ao querer aumentar a dose do melodrama no terceiro ato, tornando boa parte do sofrimento cansativo e exagerado.
Ainda assim, Flores Raras é um filme sensível sobre uma história de amor que tocante. O fato de ser entre duas mulheres é um detalhe, mesmo na época em que aconteceu, onde o preconceito era ainda maior que hoje. Ele não entra no mérito, apenas faz algumas citações. Mas, no geral, tudo se desenvolve de uma forma muito natural, com os amigos, os empregados, os que os cercam. Dando ao tema, o tratamento que merece. Não é um filme sobre a homossexualidade, mas sim, sobre o amor, seus ganhos e suas perdas. E só por isso, já traz méritos.
Flores Raras* (Flores Raras, 2013 / Brasil)
Direção: Bruno Barreto
Roteiro: Matthew Chapman, Julie Sayres
Com: Glória Pires, Miranda Otto, Tracy Middendorf, Marcello Airoldi, Tânia Costa e Marcio Ehrlich
Duração: 118 min.
* O filme será lançado nos Estados Unidos com o título Reaching For The Moon. O título inicial do filme era Você Nunca Disse Eu Te Amo, e assim foi lançado em Berlim no início do ano.
Elizabeth Bishop está em uma crise criativa, deprimida, envolvida com o álcool. Por isso, resolver fazer uma viagem relaxante ao Brasil, onde mora uma antiga amiga de faculdade. Mary, no entanto, é casada com a arquiteta brasileira Lota de Macedo Soares, e o que antes parecia um estranhamento e irritação mútua, se torna um amor que dura 16 anos.
O roteiro faz um resumo dessa vida, priorizando momentos-chaves como o início da relação, a decisão de fazer o Parque do Flamengo, o Prêmio Pulitzer para Bishop, entre outros. E é feliz ao conduzir a passagem do tempo de forma fluida, sem precisar explicar muito, como quando vemos uma bebezinha e depois uma garotinha, ou nos fios brancos do cabelo de Glória Pires. Porém, a apresentação das personagens e da relação acaba sendo problemática. Tudo é muito apressado, Lota passa como um furacão pela tela, enquanto Bishop se encolhe. Temos o estranhamento, o olhar dela assustado com cada atitude daquela mulher cheia de energia que fala alto, dá beijos no rosto de todos e não tem limites de privacidade. Porém, é tudo muito acelerado, não dá tempo de nos ambientarmos e conhecermos melhor nenhuma das duas antes do primeiro "encontro". Isso prejudica a empatia para com elas e com o relacionamento, principalmente porque Lota já tinha uma companheira, a Mary.
De qualquer maneira, se o roteiro é precipitado, o talento das duas atrizes vai nos conquistando aos poucos. Ambas dominam suas personagens e trazem verdade à tela em cada gesto e palavra. A forma como Glória Pires passeia do inglês para o português, por exemplo, é muito fluido. A postura dura de andar e falar de Lota, sempre prática e senhora de si, também é bem construída, e é interessante como não a torna arrogante. Enquanto que Miranda Otto consegue passar toda a insegurança e traumas da Bishop de uma maneira muito natural. Até as palavras que ela arranha em português soam verossímeis, com aquele sotaque típico, porém, plausível de uma pessoa que já mora no país há algum tempo. Ao contrário da atriz Tracy Middendorf, que faz a Mary, que parece ter sido dublada.
Chama a atenção também a forma como se dá uma espécie de virada na relação das duas, no momento em que Elizabeth Bishop se rende finalmente às investidas de Lota, já na casa. Bruno Barreto faz as atrizes construírem uma virada literal de poder no jogo de corpo, indicando que a partir dali as coisas vão começar, aos poucos, a se inverter, tornando Bishop cada vez mais confiante e Lota, cada vez mais dependente. Bishop afirma em determinado momento do filme que tem um "compromisso com o pessimismo, assim não se decepciona". Essa é a chave para ela estar o tempo todo preparada para um fim, uma perda, uma mudança e com isso, não se abate tanto, mas também não se entrega. Ao contrário de Lota que mergulha de cabeça em tudo, e quando algo dá errado, sente mais as consequências.
E nisso, não falo apenas no relacionamento das duas, mas em tudo na vida. Tanto que uma das coisas que abate Lota são as dificuldades na construção do Parque, na crítica da imprensa que acha que é um local elitista, na "esperança" com o golpe militar e no próprio distanciamento de Bishop. Enquanto que esta parece estar sempre preparada para o que está por vir. E sua relação com Lota acaba lhe trazendo coragem, tanto que um dos melhores momentos é o discurso após o Prêmio Pulitzer.
A trilha sonora do filme tem também a preocupação de trazer as músicas brasileiras da época em que convivem de maneira fluida com a trama. Dois exemplos chamam a atenção, logo no início, quando Lota e Mary pegam Bishop no aeroporto e a levam para a casa em Petrópolis e quando as duas vão para a casa de Copacabana. No primeiro caso, Lota cantarola no carro a música Kalu de Humberto Teixeira. Tem uma questão interessante na letra da música, que fala de um amor perdido que pode ter relação tanto com Mary perdendo Lota, quanto com a relação das outras duas mulheres. E na cena de Copacabana em que a música de Dorival Caymmi é colocada de forma intra-diegética, ou seja, está como BG, mas logo se revela ser a música que está sendo cantada no bar onde elas vão. Trazendo mais naturalidade ao "clipe musical". Tudo isso demonstra um cuidado na direção que vai além da simples decupagem mecânica. Bruno Barreto só erra a mão ao querer aumentar a dose do melodrama no terceiro ato, tornando boa parte do sofrimento cansativo e exagerado.
Ainda assim, Flores Raras é um filme sensível sobre uma história de amor que tocante. O fato de ser entre duas mulheres é um detalhe, mesmo na época em que aconteceu, onde o preconceito era ainda maior que hoje. Ele não entra no mérito, apenas faz algumas citações. Mas, no geral, tudo se desenvolve de uma forma muito natural, com os amigos, os empregados, os que os cercam. Dando ao tema, o tratamento que merece. Não é um filme sobre a homossexualidade, mas sim, sobre o amor, seus ganhos e suas perdas. E só por isso, já traz méritos.
Flores Raras* (Flores Raras, 2013 / Brasil)
Direção: Bruno Barreto
Roteiro: Matthew Chapman, Julie Sayres
Com: Glória Pires, Miranda Otto, Tracy Middendorf, Marcello Airoldi, Tânia Costa e Marcio Ehrlich
Duração: 118 min.
* O filme será lançado nos Estados Unidos com o título Reaching For The Moon. O título inicial do filme era Você Nunca Disse Eu Te Amo, e assim foi lançado em Berlim no início do ano.
Amanda Aouad
Crítica afiliada à Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema), é doutora em Comunicação e Cultura Contemporâneas (Poscom / UFBA) e especialista em Cinema pela UCSal. Roteirista profissional desde 2005, é co-criadora do projeto A Guardiã, além da equipe do Núcleo Anima Bahia sendo roteirista de séries como "Turma da Harmonia", "Bill, o Touro" e "Tadinha". É ainda professora dos cursos de Jornalismo e Publicidade e Propaganda da Unifacs e da Uniceusa. Atualmente, faz parte da diretoria da Abraccine como secretária geral.
Flores Raras
2013-08-17T08:00:00-03:00
Amanda Aouad
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