
"Bando de homem inútil", sentencia uma personagem. Talvez essa seja uma boa definição de
Baixio das Bestas, segundo
filme de ficção de
Cláudio Assis após
Amarelo Manga, e antes de
A Febre do Rato. Tudo na Zona da Mata Pernambucana, onde ocorre a trama, parece preso em uma espécie de nada, onde o tempo parou. E só a jovem Auxiliadora parece passar as horas trabalhando para à noite ser aliciada pelo avô que ganha uns trocados ao exibi-la nua em um posto.
O velho Heitor, vive disso e das roupas que a neta lava. Passa os dias sentado em sua varanda, confabulando com os vizinhos ou reclamando da vida. Maninho, personagem de
Irandhir Santos, que parece ser o único homem que trabalha, diz sempre que estava fazendo outras coisas, só podendo cavar a fossa à noite. Mas, que outras coisas são essas, ninguém vê. Os boyzinhos liderados pelo personagem de
Matheus Nachtergaele, tendo o de
Caio Blat como braço direito, passam seus dias entre masturbação, sexo no prostíbulo e abusos diversos. E as prostitutas, passam o dia a esperar à noite.

Dito assim, o roteiro de
Hilton Lacerda pode ser interpretado com algo pouco atrativo. Mas, o que ele e
Cláudio Assis constroem é um retrato angustiante da natureza humana a partir da pobreza de espírito e
ócio. Vamos nos surpreendendo a cada cena com as atitudes dos personagens, com a
violência explícita e a irresponsabilidade dos seres. É um viés a ser mostrado, explorado, até mesmo discutido nas obras do diretor que nunca teve a intenção de amenizar sua visão de mundo.

Mas, o que chama a atenção em suas obras, não é exatamente o quê, mas como ele conta suas histórias. Tudo é muito bem pensado, em planos, ritmo e montagem. Desde a instigante cena inicial que nos fisga e deixa curiosos, passando por preocupações detalhistas como repetir o mesmo plano no início e final do
filme, demonstrando a natureza cíclica e ao mesmo tempo imutável daquele local. Todos são apenas peças em um tabuleiro cruel, onde o jogo nos envolve.
E, para isso, era preciso mesmo atores competentes e comprometidos com seus personagens. Desde os protagonistas como
Fernando Teixeira,
Caio Blat e
Matheus Nachtergaele. Até as participações de
Dira Paes, e os na época desconhecidos
Irandhir Santos e
Hermila Guedes, todos demonstram uma intensidade imensa nas cenas. Há uma entrega e confiança ao trabalho que nos impressiona ajudando na construção dramática e envolvimento emocional da trama, que não é fácil.

Em determinado momento, o personagem de
Matheus Nactergaele quebra a quarta parede, olhando diretamente para a tela e dizendo uma frase marcante: "Sabe o que é o melhor no cinema? É que no cinema você pode fazer o que quiser". É um recado direto de seu diretor para o público. Ali ele é o senhor do jogo e faz o que quiser. Mas, é importante ressaltar que esse "o que quiser" precisa ser consciente. É preciso saber o que se faz, senão desanda e o pacto não funciona. Felizmente, não é o caso de
Cláudio Assis, que brinca com suas possibilidades, mas sabe exatamente o que fazer e como fazer.
Baixio das Bestas conquistou a crítica, vencendo diversos prêmios, inclusive o
Tiger Award no ano de 2007, prêmio máximo do Festival Internacional de Cinema de Rotterdam. E não é para menos. Há ali uma verdade autoral, um estilo próprio que merece nosso reconhecimento. Não por acaso
Cláudio Assis é um diretor tão polêmico e admirado ao mesmo tempo. E,até por isso, estava faltando resgatá-lo aqui. Em breve, trago também
Amarelo Manga.
Baixio das Bestas (2006 / Brasil)
Direção: Cláudio Assis
Roteiro: Hilton Lacerda
Com: Fernando Teixeira, Caio Blat, Matheus Nachtergaele, Dira Paes, Irandhir Santos, Hermila Guedes
Duração: 80 min.