Maracanã
Os mais supersticiosos podem querer passar longe desse filme. Mas, na realidade, Maracanã, o filme uruguaio que foi destaque na edição deste ano do CineFoot, traz duas curiosidades interessantes. Primeiro, conta em detalhes aquela fatídica Copa do Mundo para os brasileiros, fazendo os mais novos entenderem melhor a dimensão daquela tragédia. Depois, nos mostra que aquele marco acabou sendo muito pior para o futebol uruguaio que para o brasileiro.
O Uruguai era a grande seleção das primeiras décadas do futebol. Foi bi-campeã do torneio organizado pela FIFA junto aos jogos olímpicos. E a primeira seleção campeã do mundo de uma Copa oficial. Porém, passou por uma crise imensa, e no ano que antecedeu a Copa de 50 seus jogadores passaram quase um ano em greve, exigindo melhores condições de trabalho e respeito à profissão. Superou tudo aquilo e contra todas as probabilidades venceu o Brasil no jogo final. Porém, depois disso, o futebol daquele país passou a viver do passado, sem nenhuma outra grande glória.
Já o Brasil era uma nação ascendente no esporte. Nunca tinha ganhado um título internacional e a paixão dos brasileiros pelo esporte começava a crescer. A Copa do Mundo no país, foi um reforço imenso. A construção do Maracanã, maior estádio do mundo, o talento dos jogadores. Tudo era motivo de euforia. O Brasil venceu todos os jogos de uma maneira arrebatadora. Naquela época não existia uma final, mas um quadrangular final, onde as quatro equipes se enfrentavam e a com maior número de pontos, levava. O Brasil ganhou da Espanha por 6 x 1 e da Suécia por 7 x 1. Ninguém esperava uma derrota para o Uruguai que venceu a Suécia com esforço e empatou com a Espanha. Mas, aconteceu, o improvável. E o Brasil aprendeu, se tornando uma potência mundial, já tendo vencido por cinco vezes.
O documentário acaba nos deixando essa conclusão, apesar de também valorizar e muito aqueles heróis de 50, que superaram todas as dificuldades, em um país que começava a entrar em crise. É interessante como, apesar que querer dividir bem as histórias em paralelo dos dois países, ele vai puxando melhor a parte do Uruguai. Todo o filme é narrado com depoimentos e entrevistas dos países. Tanto que quando se fala do Uruguai é em espanhol, e quando se fala do Brasil é em português.
A história do Uruguai é narrada com um certo tom de melancolia. E tudo é mais aprofundado. Sabemos mais detalhes do contexto político, dos problemas entre jogadores e dirigentes. E conhecemos melhor os personagens daquele time. Principalmente o capitão Obdulio Varela, um homem íntegro, líder nato que uniu sua equipe com um propósito maior. Ele que queria ser respeitado e brigou por sua classe. E após a vitória foi de bar em bar carioca se compadecendo com a dor dos brasileiros.
Já a história do Brasil é mais superficial e sempre apresentada com animação, festa. Não conhecemos muito bem o contexto, apenas a ideia de uma nação que tem a chance de recepcionar o mundo. O feito da construção do Maracanã é o que tem maior destaque nessa trajetória. Os jogadores não são apresentados como personagens individuais, mas como um grupo de craques em que estava depositada toda a confiança de um país. Heróis que se tornaram vergonha da noite para o dia.
A construção da final é muito bem feita, nos dando a exata sensação da luta desigual de Davi contra Golias. O Brasil estava no clima do "já ganhou". Um jornal publicou uma foto com o título de campeões. O prefeito da cidade fez um discurso ridículo sobre eles já serem os vencedores. Os dirigentes do Uruguai foram embora, deixando o time sozinho. Tudo parecia certo. Uma multidão lotava o Maracanã para ver o Brasil ser campeão do mundo, e se calou diante de um Uruguai campeão.
Dá uma certa tristeza de ver isso. Aos amantes do futebol do Brasil, sugiro correr para ver Todos os Corações do Mundo na sequência, ou alguma outra vitória brasileira. Mas, o filme acaba nos dando diversas lições. Uma delas, a já citada. O Brasil aprendeu e superou o trauma, vencendo cinco copas, ainda que essa tenha ficado entalada na garganta. Enquanto que o Uruguai parou no tempo. Mas, acima de tudo, mostra o quanto o futebol é imprevisível e pode ser tão emocionante, já que nem mesmo a mais imbatível das seleções está livre de uma zebra. Que o Maracanã de 2014 possa ver histórias melhores nessa Copa que se inicia.
Maracanã (Maracaná, Uruguai / 2014)
Direção: Sebastián Bednarik, Andrés Varela
Roteiro: Sebastián Bednarik, Andrés Varela
Duração: 74 min.
O Uruguai era a grande seleção das primeiras décadas do futebol. Foi bi-campeã do torneio organizado pela FIFA junto aos jogos olímpicos. E a primeira seleção campeã do mundo de uma Copa oficial. Porém, passou por uma crise imensa, e no ano que antecedeu a Copa de 50 seus jogadores passaram quase um ano em greve, exigindo melhores condições de trabalho e respeito à profissão. Superou tudo aquilo e contra todas as probabilidades venceu o Brasil no jogo final. Porém, depois disso, o futebol daquele país passou a viver do passado, sem nenhuma outra grande glória.
Já o Brasil era uma nação ascendente no esporte. Nunca tinha ganhado um título internacional e a paixão dos brasileiros pelo esporte começava a crescer. A Copa do Mundo no país, foi um reforço imenso. A construção do Maracanã, maior estádio do mundo, o talento dos jogadores. Tudo era motivo de euforia. O Brasil venceu todos os jogos de uma maneira arrebatadora. Naquela época não existia uma final, mas um quadrangular final, onde as quatro equipes se enfrentavam e a com maior número de pontos, levava. O Brasil ganhou da Espanha por 6 x 1 e da Suécia por 7 x 1. Ninguém esperava uma derrota para o Uruguai que venceu a Suécia com esforço e empatou com a Espanha. Mas, aconteceu, o improvável. E o Brasil aprendeu, se tornando uma potência mundial, já tendo vencido por cinco vezes.
O documentário acaba nos deixando essa conclusão, apesar de também valorizar e muito aqueles heróis de 50, que superaram todas as dificuldades, em um país que começava a entrar em crise. É interessante como, apesar que querer dividir bem as histórias em paralelo dos dois países, ele vai puxando melhor a parte do Uruguai. Todo o filme é narrado com depoimentos e entrevistas dos países. Tanto que quando se fala do Uruguai é em espanhol, e quando se fala do Brasil é em português.
A história do Uruguai é narrada com um certo tom de melancolia. E tudo é mais aprofundado. Sabemos mais detalhes do contexto político, dos problemas entre jogadores e dirigentes. E conhecemos melhor os personagens daquele time. Principalmente o capitão Obdulio Varela, um homem íntegro, líder nato que uniu sua equipe com um propósito maior. Ele que queria ser respeitado e brigou por sua classe. E após a vitória foi de bar em bar carioca se compadecendo com a dor dos brasileiros.
Já a história do Brasil é mais superficial e sempre apresentada com animação, festa. Não conhecemos muito bem o contexto, apenas a ideia de uma nação que tem a chance de recepcionar o mundo. O feito da construção do Maracanã é o que tem maior destaque nessa trajetória. Os jogadores não são apresentados como personagens individuais, mas como um grupo de craques em que estava depositada toda a confiança de um país. Heróis que se tornaram vergonha da noite para o dia.
A construção da final é muito bem feita, nos dando a exata sensação da luta desigual de Davi contra Golias. O Brasil estava no clima do "já ganhou". Um jornal publicou uma foto com o título de campeões. O prefeito da cidade fez um discurso ridículo sobre eles já serem os vencedores. Os dirigentes do Uruguai foram embora, deixando o time sozinho. Tudo parecia certo. Uma multidão lotava o Maracanã para ver o Brasil ser campeão do mundo, e se calou diante de um Uruguai campeão.
Dá uma certa tristeza de ver isso. Aos amantes do futebol do Brasil, sugiro correr para ver Todos os Corações do Mundo na sequência, ou alguma outra vitória brasileira. Mas, o filme acaba nos dando diversas lições. Uma delas, a já citada. O Brasil aprendeu e superou o trauma, vencendo cinco copas, ainda que essa tenha ficado entalada na garganta. Enquanto que o Uruguai parou no tempo. Mas, acima de tudo, mostra o quanto o futebol é imprevisível e pode ser tão emocionante, já que nem mesmo a mais imbatível das seleções está livre de uma zebra. Que o Maracanã de 2014 possa ver histórias melhores nessa Copa que se inicia.
Maracanã (Maracaná, Uruguai / 2014)
Direção: Sebastián Bednarik, Andrés Varela
Roteiro: Sebastián Bednarik, Andrés Varela
Duração: 74 min.
Amanda Aouad
Crítica afiliada à Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema), é doutora em Comunicação e Cultura Contemporâneas (Poscom / UFBA) e especialista em Cinema pela UCSal. Roteirista profissional desde 2005, é co-criadora do projeto A Guardiã, além da equipe do Núcleo Anima Bahia sendo roteirista de séries como "Turma da Harmonia", "Bill, o Touro" e "Tadinha". É ainda professora dos cursos de Jornalismo e Publicidade e Propaganda da Unifacs e da Uniceusa. Atualmente, faz parte da diretoria da Abraccine como secretária geral.
Maracanã
2014-06-22T08:30:00-03:00
Amanda Aouad
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