Life itself
Life itself é um filme curioso em diversos aspectos. A começar por ser um documentário sobre um crítico de cinema que se tornou referência para muitos. Jornalista, outros críticos, público e cineastas o admiravam. Crítico não foi feito para ser amado pelo senso comum, mas Roger Ebert conseguiu muito mais que isso, modificando o sentido negativo da crítica como um todo.
Ainda que boa parte dele seja construída em uma linguagem tradicional de um documentário com narração em voz over e imagens, essa voz que ouvimos não é qualquer voz, já que emula a voz de Roger, que nos últimos anos de sua vida necessitou de uma voz mecânica para falar, após fazer uma operação no maxilar. E o texto é do seu diário que também leva o nome life itself, onde fala um pouco de sua trajetória. Ou seja, é um filme bastante pessoal.
Apesar de ser finalizado após a morte do crítico, foi combinado com ele ainda em vida, tanto que existem diversas cenas dele no hospital nos últimos momentos de sua existência. Boa parte da estrutura do filme também foi construída por perguntas que o diretor Steve James fez a Roger Ebert, que ele foi respondendo aos poucos por email. Temos, ainda alguns trechos de suas famosas críticas. Além de cenas de seu programa de televisão com o crítico rival Gene Siskel, contando, inclusive com bastidores onde os dois se provocavam o tempo todo.
Há uma estrutura quase linear no roteiro do documentário, interrompida apenas pelas cenas no hospital. Começamos, então, conhecendo melhor Roger Ebert jornalista e sua vocação para a escrita. Não por acaso ganhou um Pulitzer, prêmio máximo do jornalismo e literatura norte-americano. Ele foi editor de jornal quando era ainda muito jovem e todos os depoentes reforçam sua maturidade ali.
Curioso que logo depois esses elogios os filme trate de um dos problemas mais sérios do crítico: o alcoolismo. Até pela condição boêmia da profissão, Roger Ebert começou a beber muito e quando se percebeu, já estava precisando frequentar um grupo de ajuda. E em seguida, fale de outra característica que pode contar pontos contra ele: ser roteirista de filmes B.
Esta sua outra atividade acaba puxando uma questão que será desenvolvida mais a frente no documentário. Críticos amigos de cineastas. Um dos depoentes diz que deu três estrelas a um dos filmes porque Roger era seu amigo, depois consertou dizendo que era três estrelas de dez. Roger Ebert era amigo de cineastas, o que nunca o impediu de ser justo com suas avaliações, mas muito criticavam isso no meio. O que é um bobagem.
O próprio Martin Scorsese que em um depoimento emocionado fala de como Roger Ebert salvou sua carreira após um Festival, comenta sobre uma crítica negativa ao filme A Cor do Dinheiro, onde o crítico reconhece o talento do cineasta, mas afirma que naquele filme ele foi infeliz e não conseguiu ser uma sombra de seus demais trabalhos. Isso levanta uma questão fundamental, cineasta não legitima filme, e vice-versa. É preciso vê-los e analisá-los pelo que são.
É impressionante os depoimentos dos cineastas falando da generosidade e incentivo que o crítico deu às suas carreiras. Principalmente em um mundo em que crítico é visto como pessoa frustrada, mal amada que critica por não saber fazer. Roger Ebert conseguia ser igual a bronca de mãe, apontava os erros, mas com amor pela arte que tanto o empolgava. Isso, por si só, já nos serve de inspiração. E, além do mais, ele era conhecido por dar voz a cineastas iniciantes, como um verdadeiro desbravador de pérolas desconhecidas.
O filme ainda dedica boa parte de sua projeção para falar da parceria e rixa com o crítico Gene Siskel. A rivalidade começou no jornal impresso. Roger era crítico do Chicago Sun Times e Gene do Tribute. A situação piorou quando os dois foram convidados para apresentar um programa de televisão juntos. Era um duelo eterno que, no fundo, escondia uma admiração mútua.
No final, Life itself é um presente para todos que admiravam o trabalho de Roger Ebert e para todos que amam o ofício da crítica. Um exemplo que se reconstrói na tela com uma força impressionante e nos faz pensar.
Life itself (2014 / EUA)
Direção: Steve James
Roteiro: Steve James e Roger Ebert
Duração: 120 min.
Ainda que boa parte dele seja construída em uma linguagem tradicional de um documentário com narração em voz over e imagens, essa voz que ouvimos não é qualquer voz, já que emula a voz de Roger, que nos últimos anos de sua vida necessitou de uma voz mecânica para falar, após fazer uma operação no maxilar. E o texto é do seu diário que também leva o nome life itself, onde fala um pouco de sua trajetória. Ou seja, é um filme bastante pessoal.
Apesar de ser finalizado após a morte do crítico, foi combinado com ele ainda em vida, tanto que existem diversas cenas dele no hospital nos últimos momentos de sua existência. Boa parte da estrutura do filme também foi construída por perguntas que o diretor Steve James fez a Roger Ebert, que ele foi respondendo aos poucos por email. Temos, ainda alguns trechos de suas famosas críticas. Além de cenas de seu programa de televisão com o crítico rival Gene Siskel, contando, inclusive com bastidores onde os dois se provocavam o tempo todo.
Há uma estrutura quase linear no roteiro do documentário, interrompida apenas pelas cenas no hospital. Começamos, então, conhecendo melhor Roger Ebert jornalista e sua vocação para a escrita. Não por acaso ganhou um Pulitzer, prêmio máximo do jornalismo e literatura norte-americano. Ele foi editor de jornal quando era ainda muito jovem e todos os depoentes reforçam sua maturidade ali.
Curioso que logo depois esses elogios os filme trate de um dos problemas mais sérios do crítico: o alcoolismo. Até pela condição boêmia da profissão, Roger Ebert começou a beber muito e quando se percebeu, já estava precisando frequentar um grupo de ajuda. E em seguida, fale de outra característica que pode contar pontos contra ele: ser roteirista de filmes B.
Esta sua outra atividade acaba puxando uma questão que será desenvolvida mais a frente no documentário. Críticos amigos de cineastas. Um dos depoentes diz que deu três estrelas a um dos filmes porque Roger era seu amigo, depois consertou dizendo que era três estrelas de dez. Roger Ebert era amigo de cineastas, o que nunca o impediu de ser justo com suas avaliações, mas muito criticavam isso no meio. O que é um bobagem.
O próprio Martin Scorsese que em um depoimento emocionado fala de como Roger Ebert salvou sua carreira após um Festival, comenta sobre uma crítica negativa ao filme A Cor do Dinheiro, onde o crítico reconhece o talento do cineasta, mas afirma que naquele filme ele foi infeliz e não conseguiu ser uma sombra de seus demais trabalhos. Isso levanta uma questão fundamental, cineasta não legitima filme, e vice-versa. É preciso vê-los e analisá-los pelo que são.
É impressionante os depoimentos dos cineastas falando da generosidade e incentivo que o crítico deu às suas carreiras. Principalmente em um mundo em que crítico é visto como pessoa frustrada, mal amada que critica por não saber fazer. Roger Ebert conseguia ser igual a bronca de mãe, apontava os erros, mas com amor pela arte que tanto o empolgava. Isso, por si só, já nos serve de inspiração. E, além do mais, ele era conhecido por dar voz a cineastas iniciantes, como um verdadeiro desbravador de pérolas desconhecidas.
O filme ainda dedica boa parte de sua projeção para falar da parceria e rixa com o crítico Gene Siskel. A rivalidade começou no jornal impresso. Roger era crítico do Chicago Sun Times e Gene do Tribute. A situação piorou quando os dois foram convidados para apresentar um programa de televisão juntos. Era um duelo eterno que, no fundo, escondia uma admiração mútua.
No final, Life itself é um presente para todos que admiravam o trabalho de Roger Ebert e para todos que amam o ofício da crítica. Um exemplo que se reconstrói na tela com uma força impressionante e nos faz pensar.
Life itself (2014 / EUA)
Direção: Steve James
Roteiro: Steve James e Roger Ebert
Duração: 120 min.
Amanda Aouad
Crítica afiliada à Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema), é doutora em Comunicação e Cultura Contemporâneas (Poscom / UFBA) e especialista em Cinema pela UCSal. Roteirista profissional desde 2005, é co-criadora do projeto A Guardiã, além da equipe do Núcleo Anima Bahia sendo roteirista de séries como "Turma da Harmonia", "Bill, o Touro" e "Tadinha". É ainda professora dos cursos de Jornalismo e Publicidade e Propaganda da Unifacs e da Uniceusa. Atualmente, faz parte da diretoria da Abraccine como secretária geral.
Life itself
2015-04-15T07:58:00-03:00
Amanda Aouad
critica|documentario|Steve James|
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