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Helena Albergaria
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Regina Casé
Que Horas Ela Volta?
Que Horas Ela Volta?
"Que Horas Ela Volta?" Que filho nunca fez esta pergunta sobre sua mãe que trabalha fora? A partir da realidade complexa da empregada doméstica, o novo filme de Anna Muylaert trata de uma questão muito em voga no país, a mudança de padrões herdados de um país colonial e escravocrata.
Val é uma empregada doméstica como não se vê mais. Dedicada à família que trabalha em tempo integral, mora no quarto dos fundos na casa dos patrões, cuida de tudo, está sempre submissa se colocando abaixo deles, cuida do filho do casal como se fosse seu, enquanto sua filha foi criada por outros em Pernambuco. Tudo muda quando essa mesma menina, já adolescente, vai à São Paulo para prestar vestibular de arquitetura na FAU. E o contraste de postura submissa da mãe e impositiva da filha, vão desestabilizar todo o sistema imposto.
O que chama a atenção no filme é a maneira natural e realista como Anna Muylaert nos conta essa história, sem exagerar no tom. Há verdade em tela, ainda que possa parecer que os patrões tenham ficado estereotipados demais. Há o chavão de que a empregada é "quase da família", mas na hora de realmente dividir momentos, espaços e até mesmo alimentos, há uma barreira imensa nos pequenos detalhes e que são feitos não porque Bárbara ou Carlos são vilões de melodrama, mas porque para eles e milhares de classes médias alta no país, isso é natural. Vem de nossa formação colonial e escravocrata, da mucama que serve ao senhor como mais uma peça em sua propriedade.
Diversas cenas nos mostram isso de maneira sutil ou explícita. Como quando Carlos está mostrando a piscina para Jéssica e manda Val acender a luz, ou quando eles estão almoçando e a menina vai ajudar a mãe a tirar a mesa e ele não deixa dizendo que Val está ali pra isso. Ou ainda nas cenas em que compõe a questão do conjunto de xícaras e garrafa de café que acaba simbolizando muito da relação e posição das peças ali expostas, tal qual o "sorvete do Fabinho", que os patrões oferecem por educação "só porque tem certeza de que eles não aceitarão", segundo os ensinamentos da própria Val.
Aliás, a construção da personagem é extremamente rica em diversos aspectos, não apenas na interpretação impressionante de Regina Casé, mas pela riqueza de detalhes. A postura submissa, a ingenuidade e simplicidade em aceitar o "seu lugar" na sociedade. A visão de que os patrões são bondosos por cederem alguns pequenos mimos. A incapacidade de questionar o que quer que seja. E principalmente, a relação com Fabinho, o garoto que foi criado por ela, que é como seu verdadeiro filho, visto em sua intimidade com o garoto, ao contrário da distância com a mãe que é quase uma desconhecida. Assim como para Fabinho é Val a quem ele recorre quando está com insônia ou quem deixa se aproximar dele quando está com algum problema.
A inversão dos papéis, a repetição dos padrões tudo vai sendo construído de uma maneira bem interessante. Jéssica é essa nova classe, que, instruída, entende que não precisa se humilhar, nem se considerar um ser humano inferior. Trabalhar em casa de outros é uma profissão como outra qualquer, vide os direitos que são conquistados a cada dia, inclusive hora de serviço. Quebrando essa mistura de família e serviço, a situação fica mais autêntica e fácil de lidar. Sem a hipocrisia do "é como se fosse da família". E Anna Muylaert joga essas questões de uma maneira leve, nos fazendo perceber a postura contrária de mãe e filha, gerações criadas de maneira diferente, com outras perspectivas da vida.
E não apenas no texto ou nas interpretações, o filme se destaca. O ritmo é bom, envolvendo crítica social, melodrama e comédia de uma maneira muito natural. Há uma mescla de planos cursos com outros mais longos de observação, além de montagens paralelas que são bem conduzidas como a cena da piscina intercalada com o que acontece no quarto de Bárbara e Carlos. O filme está repleto ainda de cenas que nos mostram camadas interessantes de discussões, como quando Bárbara faz um suco de lima para Jéssica e Anna Muylaert coloca a personagem de costas para que não vejam sua expressão ao fazer o suco, mas nos faça imaginar o desagrado da situação.
Não é exagero dizer que Que Horas Ela Volta? é um filme de destaque no cenário nacional atual. Temos outras belas obras recentes como Obra ou O Último Cine Drive-in, mas este acaba nos pegando pela quantidade de simbologias e representações do momento de transformação das classe no nosso país. E tudo exposto de uma maneira inteligente, sensível, sem rótulos ou culpas. Apenas um ponto de vista de algo que estamos tão acostumados a ver o outro lado.
Que Horas Ela Volta? (Que Horas Ela Volta?, 2015 / Brasil)
Direção: Anna Muylaert
Roteiro: Anna Muylaert
Com: Regina Casé, Helena Albergaria, Michel Joelsas, Lourenço Mutarelli, Camila Márdila
Duração: 112 min.
Val é uma empregada doméstica como não se vê mais. Dedicada à família que trabalha em tempo integral, mora no quarto dos fundos na casa dos patrões, cuida de tudo, está sempre submissa se colocando abaixo deles, cuida do filho do casal como se fosse seu, enquanto sua filha foi criada por outros em Pernambuco. Tudo muda quando essa mesma menina, já adolescente, vai à São Paulo para prestar vestibular de arquitetura na FAU. E o contraste de postura submissa da mãe e impositiva da filha, vão desestabilizar todo o sistema imposto.
O que chama a atenção no filme é a maneira natural e realista como Anna Muylaert nos conta essa história, sem exagerar no tom. Há verdade em tela, ainda que possa parecer que os patrões tenham ficado estereotipados demais. Há o chavão de que a empregada é "quase da família", mas na hora de realmente dividir momentos, espaços e até mesmo alimentos, há uma barreira imensa nos pequenos detalhes e que são feitos não porque Bárbara ou Carlos são vilões de melodrama, mas porque para eles e milhares de classes médias alta no país, isso é natural. Vem de nossa formação colonial e escravocrata, da mucama que serve ao senhor como mais uma peça em sua propriedade.
Diversas cenas nos mostram isso de maneira sutil ou explícita. Como quando Carlos está mostrando a piscina para Jéssica e manda Val acender a luz, ou quando eles estão almoçando e a menina vai ajudar a mãe a tirar a mesa e ele não deixa dizendo que Val está ali pra isso. Ou ainda nas cenas em que compõe a questão do conjunto de xícaras e garrafa de café que acaba simbolizando muito da relação e posição das peças ali expostas, tal qual o "sorvete do Fabinho", que os patrões oferecem por educação "só porque tem certeza de que eles não aceitarão", segundo os ensinamentos da própria Val.
Aliás, a construção da personagem é extremamente rica em diversos aspectos, não apenas na interpretação impressionante de Regina Casé, mas pela riqueza de detalhes. A postura submissa, a ingenuidade e simplicidade em aceitar o "seu lugar" na sociedade. A visão de que os patrões são bondosos por cederem alguns pequenos mimos. A incapacidade de questionar o que quer que seja. E principalmente, a relação com Fabinho, o garoto que foi criado por ela, que é como seu verdadeiro filho, visto em sua intimidade com o garoto, ao contrário da distância com a mãe que é quase uma desconhecida. Assim como para Fabinho é Val a quem ele recorre quando está com insônia ou quem deixa se aproximar dele quando está com algum problema.
A inversão dos papéis, a repetição dos padrões tudo vai sendo construído de uma maneira bem interessante. Jéssica é essa nova classe, que, instruída, entende que não precisa se humilhar, nem se considerar um ser humano inferior. Trabalhar em casa de outros é uma profissão como outra qualquer, vide os direitos que são conquistados a cada dia, inclusive hora de serviço. Quebrando essa mistura de família e serviço, a situação fica mais autêntica e fácil de lidar. Sem a hipocrisia do "é como se fosse da família". E Anna Muylaert joga essas questões de uma maneira leve, nos fazendo perceber a postura contrária de mãe e filha, gerações criadas de maneira diferente, com outras perspectivas da vida.
E não apenas no texto ou nas interpretações, o filme se destaca. O ritmo é bom, envolvendo crítica social, melodrama e comédia de uma maneira muito natural. Há uma mescla de planos cursos com outros mais longos de observação, além de montagens paralelas que são bem conduzidas como a cena da piscina intercalada com o que acontece no quarto de Bárbara e Carlos. O filme está repleto ainda de cenas que nos mostram camadas interessantes de discussões, como quando Bárbara faz um suco de lima para Jéssica e Anna Muylaert coloca a personagem de costas para que não vejam sua expressão ao fazer o suco, mas nos faça imaginar o desagrado da situação.
Não é exagero dizer que Que Horas Ela Volta? é um filme de destaque no cenário nacional atual. Temos outras belas obras recentes como Obra ou O Último Cine Drive-in, mas este acaba nos pegando pela quantidade de simbologias e representações do momento de transformação das classe no nosso país. E tudo exposto de uma maneira inteligente, sensível, sem rótulos ou culpas. Apenas um ponto de vista de algo que estamos tão acostumados a ver o outro lado.
Que Horas Ela Volta? (Que Horas Ela Volta?, 2015 / Brasil)
Direção: Anna Muylaert
Roteiro: Anna Muylaert
Com: Regina Casé, Helena Albergaria, Michel Joelsas, Lourenço Mutarelli, Camila Márdila
Duração: 112 min.
Amanda Aouad
Crítica afiliada à Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema), é doutora em Comunicação e Cultura Contemporâneas (Poscom / UFBA) e especialista em Cinema pela UCSal. Roteirista profissional desde 2005, é co-criadora do projeto A Guardiã, além da equipe do Núcleo Anima Bahia sendo roteirista de séries como "Turma da Harmonia", "Bill, o Touro" e "Tadinha". É ainda professora dos cursos de Jornalismo e Publicidade e Propaganda da Unifacs e da Uniceusa. Atualmente, faz parte da diretoria da Abraccine como secretária geral.
Que Horas Ela Volta?
2015-09-05T08:30:00-03:00
Amanda Aouad
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