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Hélder Vasconcelos
Hermila Guedes
Irandhir Santos
A Luneta do Tempo
A Luneta do Tempo
Alceu Valença finalmente estreia nos cinemas o projeto que matura há quatorze anos. Mesclando o faroeste com o estilo de cordel, A Luneta do Tempo conta uma história cheia de lirismo a partir de figuras míticas do cangaço, o filho de um tenente e um jovem sanfoneiro.
Talvez esse seja um dos pontos mais interessantes do filme. O lírico. Há uma cadência própria na obra que não nos dá exatamente uma história épica, ainda que fale de gerações, nem foca completamente no drama, com um enredo pré-definido. O sistema se organiza ao ritmo do cordel, até os diálogos são rimados trazendo uma roupagem própria que é preenchida também pela música sempre presente em cena.
O movimento do cangaço já foi registrado em diversas obras com heroísmo. Os justiceiros do sertão, tendo na figura de Lampião, seu maior herói. Aqui, vemos um Irandhir Santos mais uma vez inspirado, dando ao chefe do bando dureza e doçura na mesma proporção. Suas cenas com Maria Bonita, interpretada por Hermila Guedes são delicadas e envolventes, principalmente na segunda parte, onde estão em uma espécie de região indefinida entre a vida e a morte.
O circo, outra manifestação popular de grande impacto também tem função importante na obra. Também em sua cadência cíclica, vai e volta à cidade com novos espetáculos e equipes, sempre comandados pelo mesmo dono e com a mesma música para chamar o público. Há ali um contraponto interessante da guerra do cangaço com a polícia. Não por acaso o destino dos dois grupos se cruza em momentos-chaves, reforçando os pontos em comum e o espírito livre de ambos.
Paralelo a isso, temos a população da cidade, que funciona como uma espécie de testemunha e comentarista ao estilo do "coro" do teatro grego. Destaque para o poeta cordelista, que está sempre bêbado, ou o capacho do filho do tenente, sempre com seu galo de briga na mão que vão um pouco além da observação, participando ativamente de alguns acontecimentos.
E por fim, temos a polícia, o governo, a repressão e todas as outras instâncias que o Antero Tenente passa representar. A saga que se desenrola a partir deste personagem é instigante e acaba dando ainda mais força ao filme em seus momentos finais. Há crítica e ironia bem dosadas em uma sutil tragédia familiar que fica ainda mais curiosa quando paramos para analisar.
Sem uma estrutura linear tradicional, a obra vai desenrolando em nossa frente de uma maneira agradável. É divertida e também envolvente. Emociona e incomoda. E principalmente, nos dá uma sensação de que Alceu Valença, além de ótimo músico, pode também se tornar um ótimo cineasta que, com criatividade, poesia e elementos de nossa cultura, fez um belo filme. Fiquemos de olho.
A Luneta do Tempo (A Luneta do Tempo, 2016 / Brasil)
Dureção: Alceu Valença
Roteiro: Alceu Valença
Com: Hermila Guedes, Irandhir Santos, Hélder Vasconcelos
Duração: 97 min.
Talvez esse seja um dos pontos mais interessantes do filme. O lírico. Há uma cadência própria na obra que não nos dá exatamente uma história épica, ainda que fale de gerações, nem foca completamente no drama, com um enredo pré-definido. O sistema se organiza ao ritmo do cordel, até os diálogos são rimados trazendo uma roupagem própria que é preenchida também pela música sempre presente em cena.
O movimento do cangaço já foi registrado em diversas obras com heroísmo. Os justiceiros do sertão, tendo na figura de Lampião, seu maior herói. Aqui, vemos um Irandhir Santos mais uma vez inspirado, dando ao chefe do bando dureza e doçura na mesma proporção. Suas cenas com Maria Bonita, interpretada por Hermila Guedes são delicadas e envolventes, principalmente na segunda parte, onde estão em uma espécie de região indefinida entre a vida e a morte.
O circo, outra manifestação popular de grande impacto também tem função importante na obra. Também em sua cadência cíclica, vai e volta à cidade com novos espetáculos e equipes, sempre comandados pelo mesmo dono e com a mesma música para chamar o público. Há ali um contraponto interessante da guerra do cangaço com a polícia. Não por acaso o destino dos dois grupos se cruza em momentos-chaves, reforçando os pontos em comum e o espírito livre de ambos.
Paralelo a isso, temos a população da cidade, que funciona como uma espécie de testemunha e comentarista ao estilo do "coro" do teatro grego. Destaque para o poeta cordelista, que está sempre bêbado, ou o capacho do filho do tenente, sempre com seu galo de briga na mão que vão um pouco além da observação, participando ativamente de alguns acontecimentos.
E por fim, temos a polícia, o governo, a repressão e todas as outras instâncias que o Antero Tenente passa representar. A saga que se desenrola a partir deste personagem é instigante e acaba dando ainda mais força ao filme em seus momentos finais. Há crítica e ironia bem dosadas em uma sutil tragédia familiar que fica ainda mais curiosa quando paramos para analisar.
Sem uma estrutura linear tradicional, a obra vai desenrolando em nossa frente de uma maneira agradável. É divertida e também envolvente. Emociona e incomoda. E principalmente, nos dá uma sensação de que Alceu Valença, além de ótimo músico, pode também se tornar um ótimo cineasta que, com criatividade, poesia e elementos de nossa cultura, fez um belo filme. Fiquemos de olho.
A Luneta do Tempo (A Luneta do Tempo, 2016 / Brasil)
Dureção: Alceu Valença
Roteiro: Alceu Valença
Com: Hermila Guedes, Irandhir Santos, Hélder Vasconcelos
Duração: 97 min.
Amanda Aouad
Crítica afiliada à Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema), é doutora em Comunicação e Cultura Contemporâneas (Poscom / UFBA) e especialista em Cinema pela UCSal. Roteirista profissional desde 2005, é co-criadora do projeto A Guardiã, além da equipe do Núcleo Anima Bahia sendo roteirista de séries como "Turma da Harmonia", "Bill, o Touro" e "Tadinha". É ainda professora dos cursos de Jornalismo e Publicidade e Propaganda da Unifacs e da Uniceusa. Atualmente, faz parte da diretoria da Abraccine como secretária geral.
A Luneta do Tempo
2016-03-22T08:30:00-03:00
Amanda Aouad
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