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Cine Pe: Entre olhares, dores e reflexões

Cine Pe 2019

O cineasta pernambucano Marlom Meirelles comentou na coletiva de imprensa do dia 01 de agosto que os tempos atuais estão cada vez mais tensos e os filmes acabam se refletindo em temas fortes. E completou seu raciocínio citando o curta-metragem Cor de Pele como o mais feliz da segunda noite de competitiva do Cine Pe. Edu Fernandes, curador do festival que mediava o debate, apontou a ironia de um filme sobre discriminação e bullying ser o mais feliz da noite. Porque, de fato, foi a obra que arrancou risos da plateia pela alegria e leveza do retratado.

Cor de Pele é sobre Kauan, um garoto albino de uma família pobre que tem ainda duas irmãs albinas e três outros irmãos, criados com muita dificuldade pela mãe. Presente na sessão no Cine São Luiz, Kauan estava feliz e pareceu se divertir por toda a sessão, acenando e rindo a cada reação da plateia. É um olhar curioso sobre sua própria situação, em contraste com suas irmãs que parecem sofrer mais e se incomodar com tudo isso, como uma delas verbalizou na própria obra. Mérito do filme por dosar as dores e alegrias daquela família de maneira delicada e construtiva.

É curioso como essa visão da infância sobre temas sérios e densos foi a costura de quatro dos sete curtas da noite, um ficção, um documentário e duas animações, sendo uma em 2D e outra em stop motion, demonstrando também a diversidade de formatos que o festival tem trazido nessa edição. Isso reforça a riqueza do nosso cinema e a importância do audiovisual para nossa cultura e compreensão enquanto povo.

Dos quatro filmes citados, um é da mostra pernambucana. Quando a chuva vem? impressiona pela riqueza de detalhes dos cenários e efeitos que a técnica de stop motion constrói para uma história relativamente simples, mas também cheia de camadas e significados. Mostra a história de um garotinho que vive com sua família no sertão e nunca viu a chuva devido à seca que assolou o Nordeste entre 1979 e 1985.

O diretor e roteirista Jefferson Batista justificou a escolha pelo stop motion por preferência pessoal pelo manuseio manual. “Nunca me adaptei ao computador e o stop motion foi onde encontrei o espaço para isso. Inclusive esculpindo os objetos”. Impressiona realmente o cuidado com cada detalhe e a maneira como ele experimenta a linguagem cinematográfica no cenário construído, variando planos e movimentos de maneira criativa e envolvente.

Já o curta gaúcho A Pedra, de Luli Gerbase, traz uma espécie de ritual de perda da infância. Uma garotinha que ainda usa bico e é tratada como neném pelos pais a ponto de falarem em Inglês para ela não entender. Isso, porém, acaba se quebrando a partir de um acontecimento que a faz questionar a figura paterna. E o interessante do roteiro é que não mostra isso claramente, construindo uma jornada tensa em um passeio por um rio.

Por fim, a animação Apneia que fala de lembranças, sensações, percepções de maneira poética e intensa, onde a técnica em 2D ajuda o texto a fluir. A roteirista e co-diretora Carol Sakura disse que o “Filme surgiu quando eu aprendi a nadar. Isso foi uma centelha de transformação e a partir daí eu comecei a repensar muitas coisas da minha vida.” Já o co-diretor, Walkir Fernandes disse que havia o “Medo de transformar o poético em piegas. E por ser uma história tão pessoal, tudo tinha que ser muito delicado, sugerido”. Questões que ficam claras em tela. Apesar de tão pessoal, o filme consegue tocar a todos, fazendo refletir sobre nossas próprias vidas, principalmente pela força do feminino e sua relação com a água.

Ainda que não traga o olhar da infância, os outros três curtas da sessão também trazem inquietações, reflexões e questões da relação consigo e com o mundo, reforçando a boa junção da curadoria. Sobre viver é uma produção coletiva que surgiu de uma oficina no festival de Caruaru, coordenada por Marlom Meirelles. Um documentário forte sobre uma prostituta local, suas dores e sonhos perdidos.

Já o curta É difícil te encontrar é um ensaio de Sabrina Menedotti que surgiu a partir de sua inquietação sobre os relacionamentos atuais e a dificuldade de conhecer e encontrar pessoas especiais. “Eu ficava me perguntando onde encontraria uma pessoa?”, explicou. A cineasta fez também uma performance na noite de exibição declamando um poema em defesa do cinema e da livre expressão.

Por fim, o curta Obesidade Mórbita ficcionaliza de alguma maneira a própria situação vivida pelo diretor Diego Bauer ao perder peso, mas acaba refletindo exatamente sobre essa busca por aceitação e por algo que parece estar no externo, mas tem que ser resolvido dentro de nós. “Não me sentia feliz com meu corpo e projetei muita coisa para quando emagrecesse, mas chegando lá, vi que não”, sintetiza o diretor.

Entre reflexões e diversos olhares, a segunda noite de competitiva do Cine Pe foi instigante em seus mais diversos aspectos.

Foto: Felipe Souto Maior

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