Ceilândia, Distrito Federal, poços de petróleo particulares se tornaram um costume na favela do Sol Nascente, como a de Chitara que comanda um grupo de mulheres conhecidas como as gasolineiras. Tudo isso é narrado com orgulho por sua irmã, Lea, que apesar de presa por tráfico de drogas, é peça fundamental de um momento político do país que passa por uma onda retrógrada com ascensão da extrema direita.
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Mato Seco em Chamas
Mato Seco em Chamas
Ceilândia, Distrito Federal, poços de petróleo particulares se tornaram um costume na favela do Sol Nascente, como a de Chitara que comanda um grupo de mulheres conhecidas como as gasolineiras. Tudo isso é narrado com orgulho por sua irmã, Lea, que apesar de presa por tráfico de drogas, é peça fundamental de um momento político do país que passa por uma onda retrógrada com ascensão da extrema direita.
Se você não entendeu muito da tentativa de resumo de Mato Seco em Chamas, é isso mesmo. Tal qual as outras obras de Adirley Queirós (Branco Sai, Preto Fica, Era uma Vez Brasília), ficção científica, futurismo e realidade se misturam em uma linguagem ficcional e documental que nos passam sensações diversas, dialogando com uma sensação de pertencimento e segregação ao mesmo tempo em que traduz muito dos sentimentos das cidades-satélite de Brasília.
Co-dirigido e roteirizado pela diretora portuguesa Joana Pimenta, o filme traz uma visão muito mais feminista, não apenas por suas protagonistas Chitara, Lea e Andreia, mas pela maneira como as mulheres dão o tom daquele mundo que flerta com filmes de faroeste e traz referências também de obras como Mad Max, não apenas pela disputa de combustível, mas pela maneira como a sociedade se organiza em torno disso.
Assim como as demais obras de Adirley, há uma utilização de não-atores e uma construção de personagem que se mesclam com suas vidas reais, como Léa Alves. Isso é trabalhado também no tom da obra que segue um ritmo documental, mesmo em momentos mais dinâmicos e ficcionais, como as negociações de petróleo com os motoqueiros ou a festa no ônibus. Há uma imersão nessas personagens que torna o limiar entre a ficção e a realidade ainda mais tênue. E entender esses limites não parece algo realmente importante.
Chitara, Lea e Andreia formam uma tríade curiosa daquele mundo e seus desejos. Chitara construiu seu império a partir do petróleo e refinaria de combustível próprio, representando esse desejo de poder e controle de uma sociedade que sempre marginaliza aquela sociedade. Lea é a mulher-soldado que sofre muitas das consequências de uma comunidade sem oportunidades, sendo presa duas vezes e buscando caminhos de sobreviver. Já Andreia é a outra via, entre a religião e a política, lançando-se como candidata pelo Partido do Povo Preso.
A linguagem mistura cenas de impacto como as vigílias na refinaria, as rondas do estranho grupo policial e a campanha política com outros, documentais que quase quebram a quarta parede como a longa narração de Lea sobre a época em que Chitara dominava o Sol Nascente. A mescla cria sensações diversas no público que vai captando as camadas políticas da obra que mistura, inclusive, uma manifestação verde amarela no planalto central.
Ainda que a progressão narrativa seja bem planejada e construída, há uma sensação de excesso apenas na montagem, que poderia ter um pouco mais de ritmo, parecendo se alongar demais nas cenas, como a de Andreia no culto ou de Lea em uma festa ou mesmo na já citada manifestação no planalto. Ainda que a dilatação temporal seja uma proposta estética em toda obra, nesses e em outros momentos, o excesso passa a contar de maneira negativa para a fruição, perdendo o impacto inicial.
De qualquer maneira, há uma potência na trama que ultrapassa suas quase três horas de projeção. É uma tradução do sentimento comum de um país que está, de fato, em chamas, buscando seu lugar ao sol em meio a esse faroeste de asfalto que se tornou nossa política. Que venham tempos melhores.
Filme visto no XVIII Panorama Internacional Coisa de Cinema.
Mato Seco em Chamas (2022, Brasil)
Direção: Adirley Queirós, Joana Pimenta
Roteiro: Adirley Queirós, Joana Pimenta
Com: Joana Darc, Léa Alves, Andreia Vieira, Débora Alencar, Gleide Firmino
Duração: 153 minutos.
Amanda Aouad
Crítica afiliada à Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema), é doutora em Comunicação e Cultura Contemporâneas (Poscom / UFBA) e especialista em Cinema pela UCSal. Roteirista profissional desde 2005, é co-criadora do projeto A Guardiã, além da equipe do Núcleo Anima Bahia sendo roteirista de séries como "Turma da Harmonia", "Bill, o Touro" e "Tadinha". É ainda professora dos cursos de Jornalismo e Publicidade e Propaganda da Unifacs e da Uniceusa. Atualmente, faz parte da diretoria da Abraccine como secretária geral.
Mato Seco em Chamas
2022-11-07T15:30:00-03:00
Amanda Aouad
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