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Doce Novembro
Doce Novembro
É curioso como alguns filmes resistem ao tempo, não por sua excelência cinematográfica, mas por uma carga afetiva que, por vezes, desafia a lógica crítica. Doce Novembro, dirigido por Pat O’Connor, é exatamente esse tipo de obra: um romance trágico que encontra eco no coração de muita gente, apesar – ou talvez por causa – de suas escolhas questionáveis. Com Keanu Reeves e Charlize Theron nos papéis principais, o longa de 2001 é um remake do filme homônimo de 1968, protagonizado por Anthony Newley e Sandy Dennis. A nova versão, no entanto, abandona parte da ousadia melancólica do original para se moldar ao sentimentalismo típico do início dos anos 2000. Ainda assim, há algo ali que provoca, incomoda e, por vezes, toca de maneira inesperada.
A premissa é tão simples quanto propensa a escorregar no melodrama: Nelson Moss (Reeves) é um publicitário workaholic, obstinado e emocionalmente desértico. Sara Deever (Theron) é o oposto exato — excêntrica, solar, desorganizada e com um jeito meio mágico de ver o mundo. Eles se conhecem em circunstâncias improváveis e ela propõe um experimento tão romântico quanto esquisito: que ele passe o mês de novembro inteiro vivendo com ela, sem laços futuros, sem compromissos posteriores. Um mês. Nada mais. Nelson reluta, mas acaba por aceitar. E é nesse pacto improvável que o filme desenrola seu arco emocional.
É preciso reconhecer: há química entre Keanu Reeves e Charlize Theron. Uma química tênue, contida, que não se manifesta em grandes arroubos, mas em gestos miúdos e olhares demorados. Reeves, com sua conhecida rigidez expressiva, está surpreendentemente contido, o que casa bem com a natureza conturbada e introspectiva de seu personagem. Seu Nelson não é simpático — e isso é um mérito. Ele é frio, impaciente, impiedosamente pragmático. É graças ao tempo e à convivência com Sara que ele começa a ceder, não com uma epifania súbita, mas com pequenos esgarçamentos de sua couraça emocional. Reeves sustenta isso com uma entrega sincera.
Charlize Theron, por outro lado, carrega o filme nas costas. Sua Sara é uma figura ambígua: ora encantadora, ora forçadamente boêmia, mas sempre com um olhar que denuncia algo mais profundo. É ela quem dá densidade ao filme, principalmente nos momentos em que o roteiro ameaça afundar de vez no sentimentalismo barato. Theron tem o mérito de equilibrar essa personagem idealizada com uma humanidade que transborda em seus silêncios. Ela segura a câmera, mesmo nos diálogos mais banais, com uma presença que reverbera. Há um momento em especial, próximo ao fim, quando ela confronta a realidade de sua condição de saúde, que encapsula tudo que o filme tentou construir até ali. É um momento sutil, sem trilha excessiva, sem lágrimas dramatizadas. E é devastador. Aí sim, o filme se justifica.
Mas Doce Novembro não se livra de suas amarras narrativas. O roteiro, adaptado por Kurt Voelker, é irregular. A estrutura lembra mais um calendário emocional do que uma progressão dramática convincente. O filme divide seu tempo entre momentos adoráveis e outros meramente embaraçosos. As tentativas de humor leve – com vizinhos excêntricos, um cachorro esperto e cenas de pastelão romântico – parecem deslocadas, como se o filme não confiasse em sua própria tristeza. O sentimentalismo, por vezes, assume o controle e embota o impacto emocional. Um exemplo disso é o desfecho: embora inevitável, ele é tratado com tamanha delicadeza e beleza visual que beira a anestesia emocional. Não há um soco no estômago, mas uma carícia. Isso pode agradar a alguns, mas esvazia a contundência do tema que o filme aborda.
A direção de Pat O’Connor — que já havia flertado com o drama romântico em Três Amigas e Uma Traição (1995) — é funcional, mas raramente ousada. Ele aposta em uma estética limpa, com fotografia clara e iluminação suave, como se quisesse embalar a dor dos personagens em algodão. A trilha sonora, previsível, cumpre seu papel de manipular emoções, com canções que parecem feitas sob encomenda para arrancar lágrimas fáceis.
Por ser um remake, Doce Novembro inevitavelmente convida à comparação. E perde. O original de 1968 tinha um sabor amargo que esta nova versão suaviza até o limite. A coragem de abordar o tema da efemeridade do amor e da própria vida de maneira mais crua foi substituída por um tom de comercial de perfume: tudo bonito, perfumado, mas com pouca profundidade. O novo filme quer ser querido, quer ser lembrado como um conto sobre o amor que transforma. E até consegue. Mas ao preço de sua complexidade.
Ainda assim, há mérito em sua permanência. Vinte anos depois, Doce Novembro continua sendo lembrado como um “filme que faz chorar”. Não por acaso: ele fala, afinal, de perda, de amor breve e da urgência de viver o agora. E isso, mesmo embalado num roteiro previsível e numa estética batida, continua sendo algo que o público quer – e talvez precise – ver.
No fim das contas, Doce Novembro não é um grande filme. Mas é um filme de grandes intenções, e em alguns momentos, de grande delicadeza. Como um romance de novembro: curto, imperfeito, mas inesquecível para quem viveu.
Doce Novembro (Sweet November, 2001 / EUA)
Direção: Pat O'Connor
Roteiro: Paul Yurick, Kurt Voelker
Com: Keanu Reeves, Charlize Theron, Jason Isaacs, Greg Germann, Lauren Graham, Michael Rosenbaum, Frank Langella, Robert Joy, Liam Aiken, Jason Kravits, June Carryl, Kelvin Han Yee, David Fine, Diane Amos
Duração: 118 min.
Ari Cabral
Bacharel em Publicidade e Propaganda, profissional desde 2000, especialista em tratamento de imagem e direção de arte. Com experiência também em redes sociais, edição de vídeo e animação, fez ainda um curso de crítica cinematográfica ministrado por Pablo Villaça. Cinéfilo, aprendeu a ser notívago assistindo TV de madrugada, o único espaço para filmes legendados na TV aberta.
Doce Novembro
2025-06-13T08:30:00-03:00
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