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O Mágico Inesquecível

O Mágico Inesquecível - filme

Ao revisitar O Mágico Inesquecível, sinto como se tivesse entrado num sonho moldado pelo jazz, pelo funk e pela urbanidade crua de Nova York nos anos 70. Sidney Lumet, célebre por dramas urbanos densos, assume aqui um papel inusitado: trazer The Wiz, o musical da Broadway, para as ruas grafitadas de Harlem. O resultado é tanto fascinante quanto desconcertante.

A espinha dorsal do filme é a ousada adaptação do clássico Mágico de Oz, agora reimaginado como um labirinto urbano onde Dorothy, uma professora de alma contida, é arrancada do seu mundo doméstico e lançada numa paisagem em colapso, mas ainda pulsante. A versão de Oz que vemos aqui é menos sonho idílico e mais pesadelo noturno, com lixeiras que engolem, subúrbios decadentes e uma malícia concreta estampada nos rostos cavernosos da cidade. É aí que o filme brilha, ao ambientar a fantasia num universo onde o realismo sujo empresta alma e tensão à aventura.

O Mágico Inesquecível - filme
As sequências visuais são um festival de cenários inquietantes, figurinos chocantes, efeitos visuais que arrancam suspiros ou sensações de crueldade encantada. A cena dos lixeiros monstruosos perseguindo Dorothy e seus companheiros é quase perturbadora e memorável; a cidade, nesse contexto, não é cenário, é personagem ameaçador e mágico ao mesmo tempo.

Mas há algo nas entrelinhas: a falta de envolvimento profundo com Dorothy. Diana Ross é vocalmente magnética. Seu solo solitário, num quadro escuro, transpira força emotiva. É o momento mais humano do filme, uma fagulha real no meio da fantasia calculada. Mesmo assim, Diana, com 33 anos, interpretando aquela que deveria carregar um obscuro deslumbramento juvenil, parece deslocada. O filme, então, oscila entre querer ser sofisticado e manter o encanto ingênuo do musical clássico, e isso cobra seu preço.

O Mágico Inesquecível - filme
Os diálogos com o original carecem de peso emocional. As mensagens de “se você acredita, pode vencer” soam açucaradas demais em meio à estética nervosa. Formalmente, Lumet parece inseguro em sua estreia num musical de grande escala, e o ritmo pesado se espalha nos números muito longos: a sensação é de um musical dilatado demais, com coreografias que faltam leveza. Quando os efeitos visuais tentam vestir a grandiloquência, às vezes arrebatam; em outras, diluem o coração da jornada.

Ainda assim, a revalorização que o filme vem ganhando não é só justificável como é inevitável. Hoje, vemos The Wiz como pioneiro em representar o imaginário afro-americano em território fantástico, pintando Oz com soul, funk e jazz. A atmosfera urbana, o trailer de arranha-céus decadentes iluminados de verde, a trilha musical pulsante, tudo cria uma voz própria. Michael Jackson, ainda jovem, tem um magnetismo suave como Espantalho, enquanto Richard Pryor expõe o Mágico como um homem de falhas, escondido atrás de maquinário e aparências, um comentário involuntário sobre o poder em crise.

É impossível desconsiderar o caráter cult que o filme adquiriu. O público que o rejeitou em 1978 talvez não estivesse pronto para esse choque entre blaxploitation e Broadway, entre o sublime visual e o grotesco urbano. Hoje, suas imperfeições viraram magnetismo. É incompreendido que se torna admirável. Há estranheza pulsando ali, um desvio arriscado e valioso na mitologia de Oz.

Em resumo, O Mágico Inesquecível é uma fantasia sombria e grandiosa, cheia de lampejos visuais e camadas culturais, mas fragilizada por ritmo dilatado e certa dissonância emocional. Ainda assim, sua coragem estética e seu olhar contemporâneo para a cultura negra o elevam acima do fracasso original, convertendo-o em obra que provoca e permanece, merecendo ser revisitada.


O Mágico Inesquecível (The Wiz, 1978 / Estados Unidos)
Direção: Sidney Lumet
Roteiro: Joel Schumacher
Com: Diana Ross, Michael Jackson, Nipsey Russell, Ted Ross, Richard Pryor, Lena Horne
Duração: 134 min.

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