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Piratas do Caribe: A Maldição do Pérola Negra

Piratas do Caribe: A Maldição do Pérola Negra - filme

Lembro exatamente da primeira vez que assisti Piratas do Caribe: A Maldição do Pérola Negra. Eu não esperava nada. Talvez um filme de pirata genérico, com mar bravio, espadas tilintando, mocinha em perigo e um vilão de sobrancelha arqueada. Mas bastaram os primeiros minutos — aquele momento glorioso e cômico em que Jack Sparrow, com sua dignidade flutuando sobre as águas como uma miragem de nobreza naufragada, chega ao porto em cima de um navio literalmente afundando — para eu entender que esse filme sabia exatamente o que estava fazendo. E fazia com um tipo de inteligência debochada que, até então, Hollywood parecia ter esquecido como usar.

O filme, dirigido por Gore Verbinski, parte de uma ideia que, no papel, soava como desastre: uma superprodução da Disney baseada numa atração de parque temático. Mas o que poderia ser só uma colcha de retalhos mercadológica revelou-se, surpreendentemente, uma ode bem construída à aventura clássica, misturando mitologia pirata, comédia, horror gótico e uma pitada de nonsense — tudo embalado por um ritmo afiado e visualmente estonteante.

A história gira em torno da lenda da maldição do Pérola Negra — um navio capitaneado por mortos-vivos condenados a vagar eternamente sob a lua cheia como esqueletos — e de como esse mito afeta os caminhos do imprevisível Jack Sparrow, do honrado Will Turner e da determinada Elizabeth Swann. Mas o enredo, por mais competente que seja em sua estrutura de jornada heroica, nunca foi o principal trunfo do filme. O que o eleva ao status de clássico moderno é a forma como ele trata seus personagens — especialmente aquele que redefine tudo: Jack Sparrow. É impossível falar sobre A Maldição do Pérola Negra sem mergulhar no impacto da atuação de Johnny Depp, que transformou Jack Sparrow num ícone cultural instantâneo. Inspirado em Keith Richards dos Rolling Stones e em um tipo de marinheiro alucinado e astuto, Depp constrói um personagem que desafia todas as convenções do herói tradicional. Ele é desequilibrado, está quase sempre embriagado, e ainda assim — ou justamente por isso — magnético. Cada gesto, cada olhar torto, cada hesitação proposital no andar parece calculado para confundir e seduzir a audiência. É uma performance ousada, comedida na sua extravagância e genial no seu controle do caos.

Piratas do Caribe: A Maldição do Pérola Negra - filme
Ao redor dele, o elenco também entrega com competência. Orlando Bloom, ainda surfando o prestígio de O Senhor dos Anéis, faz um Will Turner correto, heróico no limite da previsibilidade, mas funcional como contraponto à anarquia de Sparrow. Já Keira Knightley, como Elizabeth, transita bem entre a donzela clássica e a mulher em transição de papéis — algo que a franquia desenvolve melhor nos filmes seguintes. E, claro, temos Geoffrey Rush como o capitão Barbossa, talvez o melhor vilão da franquia, com seu sotaque arrastado e teatralidade diabólica que beira o Shakespeariano. Rush equilibra ameaça e comédia com maestria, criando um antagonista que é, ao mesmo tempo, repulsivo e delicioso de assistir.

Na direção, Gore Verbinski assume riscos criativos que não são comuns em blockbusters. Ele filma com elegância — ou melhor, com um senso de espetáculo que entende a linguagem do exagero. A câmera dança nos duelos de espada, explora as cavernas malditas com sombras que evocam o terror clássico, e sabe quando desacelerar para dar espaço a um gesto, um olhar ou uma linha de diálogo cômica. Verbinski entrega um filme com identidade, um feito notável quando se parte de um projeto com cheiro de franquia antes mesmo de seu nascimento.

Visualmente, o filme é primoroso. Os efeitos visuais que revelam os piratas esqueléticos à luz da lua ainda impressionam, especialmente por serem usados com inteligência: não como pirotecnia, mas como parte do clima. Há uma certa reverência ao horror clássico nessas sequências, como se o filme sussurrasse que há fantasmas de verdade no oceano.

Piratas do Caribe: A Maldição do Pérola Negra - filme
A trilha sonora, composta por Klaus Badelt, e moldada por Hans Zimmer, que assumiria as sequências, é outro pilar da narrativa. É impossível ouvir os primeiros acordes do tema principal e não ser transportado para o convés do Pérola Negra. É uma música que resume o espírito do filme: vibrante, épica, com aquele toque de ironia aventureira.

Claro que seu tempo de duração poderia ser mais enxuto e há momentos em que a narrativa gira em círculos, repetindo conflitos. Além disso, nem todo o humor funciona o tempo todo: em algumas passagens, o roteiro força situações cômicas que parecem pensadas para atrair a atenção de crianças, em detrimento da fluidez dramática.

Ainda assim, o saldo é amplamente positivo. Piratas do Caribe: A Maldição do Pérola Negra não apenas revitalizou o gênero de aventura, como redefiniu o que era possível fazer dentro das amarras de uma franquia Disney. O filme, um sucesso tão estrondoso, gerou uma saga com diversas continuações, algumas menos inspiradas, mas todas de certa forma orbitando a genialidade inaugural de Jack Sparrow.

Essa primeira entrada da série é, portanto, mais do que um blockbuster. É um marco. Uma prova de que, quando se arrisca com criatividade — até mesmo partindo de uma atração de parque — pode-se alcançar não apenas bilheteria, mas também relevância cultural. E tudo começou com um capitão trapaceiro, descendo de um mastro quase submerso, com o olhar no horizonte e um plano impossível na cabeça.

Talvez nunca tenhamos visto uma apresentação de personagem tão genial quanto essa. E talvez nunca vejamos de novo.


Piratas do Caribe: A Maldição do Pérola Negra (Pirates of the Caribbean: The Curse of the Black Pearl, 2003 / EUA)
Direção: Gore Verbinski
Roteiro: Ted Elliott, Terry Rossio, Stuart Beattie, Jay Wolpert
Com: Johnny Depp, Geoffrey Rush, Orlando Bloom, Keira Knightley, Jack Davenport, Jonathan Pryce, Lee Arenberg, Mackenzie Crook, Damian O’Hare
Duração: 143 min.

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