
Psicose é um filme de 1960, já era um diretor consagrado, a maioria dos seus clássicos já tinham sido lançados e ele resolveu inovar na narrativa. Psicose tem uma charada final que fez Hitchcock proibir a entrada no meio da sessão. Ainda assim, jogou um ponto de virada inusitado no meio filme. A tal cena do banheiro. O filme pode se dividir em antes e depois da cena. Antes temos a narrativa de Marion, uma mulher que deu um desfalque de 40 mil na firma que trabalhava e fugiu. Depois temos a trama de Norman Bates um rapaz tímido e solitário que tentara encobrir o assassinato de Marion cometido por sua mãe dominadora. Pelo menos é assim que é apresentado a quem está assistindo pela primeira vez.
Marion foge e se esconde no Motel Bates, um decadente hotelzinho de beira de estrada, administrado por um rapaz tímido que tem discussões intensas com sua mãe. Detalhe que nunca vemos a tal mãe, apenas ouvimos sua voz. Marion tenta não se envolver na discussão, mas foi sua presença que a provocou. A mãe de Bates, pelo que ouvimos, não quer o filho interessado em moças. E Norman Bates parece bem interessado em Marion a ponto de observá-la por um bucaco na parede.
A cena do chuveiro teve 70 posições de câmera diferentes e foi minuciosamente planejada. Há nela duas coisas inéditas do cinema: um vaso sanitário sendo dado descarga, algo visto como de mau gosto. E o olho aberto da personagem indicando morte. Antes, o símbolo de morte no cinema era a pessoa fechar os olhos. Nessa cena, Marion jaz inerte no chão do banehiro com os olhos abertos. Olhos vazios que se fundem com o ralo do chuveiro por onde a água e o sangue escorrem. A fusão entre os dois objetos dá ao espectador a sensação de vida se esvaindo e olho vazio.

Interessante analisarmos toda a sequência. Marion faz as contas de seu desfalque, rasga o papel e para não deixar vestígios joga-os no vaso sanitário dando descarga. Ela, então, fecha a porta e tira a roupa para tomar banho. Tudo em plano fechado, pouco vemos do corpo da atriz. Temos o detalhe das pernas e da cortina sendo fechada. Através dela em um plano aberto, podemos vislumbrar o corpo de Marion. Já dentro do boxe, voltando ao plano fechado. Ela abre o chuveiro e começa a se banhar. Nenhum som extra-diegético existe até aqui. Um contra-plongée mostra a água caindo. Temos então, vários planos fechados de Marion feliz tomando banho. Até que Hitchcock enquadra a atriz no canto direito da tela e deixa um enorme espaço para olharmos para porta. Algo de errado está para acontecer.

A velha vai embora e ficamos com a mão de Marion escorada na parede. Ela vai escorregando aos poucos. Encontramos a atriz caindo, esgotada. Ela se vira e vai escorrendo pela mesma parede. Tenta segurar a cortina e cai de bruços. Os planos são construídos de forma lenta, angustiante. O detalhe da mão tentando pegar a cortina. A respiração ofegante. A queda. Novamente vemos a água do chuveiro caindo. Detalhe dos pés da atriz, o sangue escorrendo, acompanhamos esse sangue até o ralo do box. O ralo com a água e sangue escorrendo funde-se com o olho de Marion inerte. O quadro vai abrindo um pouco e vemos o rosto da personagem, estático. A câmera passeia até o jornal onde está escondido o dinheiro e vai para janela onde a casa da família Bates é vista e vemos Norman sair dela correndo berrando "não, mãe, o que você fez". É tudo ainda mais genial se já sabemos a revelação final. De fato, uma cena memorável.