A Criança
Os irmãos Dardenne encantaram Cannes em 2005 com A Criança. Um filme naturalista que trata de questões humanas e suas emoções de uma forma tão sensível que é impossível não se envolver e emocionar. Afinal, sabemos o quanto é difícil amadurecer e as responsabilidades que isso acarreta. Bruno e Sônia são dois representantes desse desespero que tem dentro de cada um de nós.
A história aparentemente é simples. Bruno e Sônia são dois jovens que acabam de ter um filho. Inconsequentes e sem planos para o futuro, sem empregos fixos e vivendo de golpes, eles vagam pelas ruas da Bélgica quase que brincando de casinha. Duas crianças sendo responsáveis por outra que ainda precisa de colo. Um retrato não muito incomum, há vários Brunos e Sônias por aí. Até que há uma quebra no pacto, a maternidade amadurece Sônia, no momento em que Bruno passa dos limites. Para ela, o filho Jimmy não é uma mercadoria, há um vínculo, enquanto que para ele é apenas mais um meio de se conseguir dinheiro. "Nós podemos fazer outro", Bruno chega a dizer.
É interessante reparar a forma como os Dardenne constróem seus protagonistas antes do ponto de virada. Apesar de Sônia já demonstrar um certo instinto materno, e lembrar o tempo inteiro da responsabilidade de registrar a criança, ambos são extremamente infantis. Encaram a vida de uma forma inconsequente. As brincadeiras no lago com o dinheiro que vem de um golpe de Bruno com um grupo de crianças são um exemplo. Aliás, essas crianças sim, possuem uma idade mental condizente, até mais maduras do que Bruno. Em outra cena, no carro, Sônia provoca Bruno com brincadeiras pirracentas mesmo este estando no volante. Detalhe para a música Danúbio Azul tocando no rádio do veículo. Dá mais força à cena. A música no filme entra sempre assim, de forma diegética, não temos trilha sonora extra.
Aliás, A Criança poderia ser facilmente enquadrada no movimento Dogma 95, vide a fotografia sem nenhum tratamento extra. A imagem é crua, real, nos dando a sensação exata de algo verdadeiro. O ritmo do filme é lento, sem nunca se tornar chato. Caminhamos com Bruno pelas ruas, enquanto ele empurra o carrinho de bebê, ou mais tarde quando foge de agressores. A câmera é uma testemunha ocular bastante eficaz, nos envolvendo sempre pelo ponto de vista do protagonista. Isto gera uma ansiedade, não temos o controle de tudo, da mesma forma que ele não tem. Em determinada cena, quando vai destrocar o bebê, a câmera mostra apenas o que Bruno vê, a insegurança de se ele será enganado é imensa. Assim como quando ele e o garoto se escondem da polícia, não temos como ver se alguém se aproxima.
Sem querer teorizar muitos sobre o título, os Dardenne parecem deixar claro quem é a criança do título, já que Bruno é sempre o foco. Mesmo quando está com o bebê, este pouco aparece, está sempre coberto por roupas, lençois e carrinho. Se não fossem as raras cenas em que seu rosto aparece, diria que nem mesmo contrataram um bebezinho para as filmagens. Isto reforça a idéia de que Jimmy não está em questão em momento nenhum, ele é apenas o meio para conhecermos e acompanharmos a trajetória de Bruno. Ele é a verdadeira criança que precisa crescer. Nem mesmo Sônia, que no início demonstra ser parecida com seu parceiro, no momento da quebra entre o casal, ela percebe que a vida não pode ser tão inconsequente. Bruno foi longe demais e Sônia não pode perdoá-lo. Sendo assim, ela cresce, as brincadeiras deixam de ter sentido ou mesmo graça.
Só Bruno parece não perceber e continua vagando, como se pudesse levar a vida sempre assim. Mas, nem tudo tem jeito com pequenos golpes. Um dia ele terá que aprender. A Criança é um filme raro, onde a vida pula em nossa tela sem máscaras, de uma forma envolvente e emocionante. O final deste filme foi um dos fechamentos mais fantásticos que já vi, sem resoluções mirabolantes. Tudo se encaminha de uma forma harmônica. Uma verdadeira obra-prima que merece ser vista.
A Criança (L'Enfant: 2005 /Bélgica, França)
Direção: Jean-Pierre Dardenne, Luc Dardenne
Roteiro: Jean-Pierre Dardenne e Luc Dardenne
Com: Jérémie Renier, Olivier Gourmet, Débora François, Jérémie Segard.
Duração: 95 min
A história aparentemente é simples. Bruno e Sônia são dois jovens que acabam de ter um filho. Inconsequentes e sem planos para o futuro, sem empregos fixos e vivendo de golpes, eles vagam pelas ruas da Bélgica quase que brincando de casinha. Duas crianças sendo responsáveis por outra que ainda precisa de colo. Um retrato não muito incomum, há vários Brunos e Sônias por aí. Até que há uma quebra no pacto, a maternidade amadurece Sônia, no momento em que Bruno passa dos limites. Para ela, o filho Jimmy não é uma mercadoria, há um vínculo, enquanto que para ele é apenas mais um meio de se conseguir dinheiro. "Nós podemos fazer outro", Bruno chega a dizer.
É interessante reparar a forma como os Dardenne constróem seus protagonistas antes do ponto de virada. Apesar de Sônia já demonstrar um certo instinto materno, e lembrar o tempo inteiro da responsabilidade de registrar a criança, ambos são extremamente infantis. Encaram a vida de uma forma inconsequente. As brincadeiras no lago com o dinheiro que vem de um golpe de Bruno com um grupo de crianças são um exemplo. Aliás, essas crianças sim, possuem uma idade mental condizente, até mais maduras do que Bruno. Em outra cena, no carro, Sônia provoca Bruno com brincadeiras pirracentas mesmo este estando no volante. Detalhe para a música Danúbio Azul tocando no rádio do veículo. Dá mais força à cena. A música no filme entra sempre assim, de forma diegética, não temos trilha sonora extra.
Aliás, A Criança poderia ser facilmente enquadrada no movimento Dogma 95, vide a fotografia sem nenhum tratamento extra. A imagem é crua, real, nos dando a sensação exata de algo verdadeiro. O ritmo do filme é lento, sem nunca se tornar chato. Caminhamos com Bruno pelas ruas, enquanto ele empurra o carrinho de bebê, ou mais tarde quando foge de agressores. A câmera é uma testemunha ocular bastante eficaz, nos envolvendo sempre pelo ponto de vista do protagonista. Isto gera uma ansiedade, não temos o controle de tudo, da mesma forma que ele não tem. Em determinada cena, quando vai destrocar o bebê, a câmera mostra apenas o que Bruno vê, a insegurança de se ele será enganado é imensa. Assim como quando ele e o garoto se escondem da polícia, não temos como ver se alguém se aproxima.
Sem querer teorizar muitos sobre o título, os Dardenne parecem deixar claro quem é a criança do título, já que Bruno é sempre o foco. Mesmo quando está com o bebê, este pouco aparece, está sempre coberto por roupas, lençois e carrinho. Se não fossem as raras cenas em que seu rosto aparece, diria que nem mesmo contrataram um bebezinho para as filmagens. Isto reforça a idéia de que Jimmy não está em questão em momento nenhum, ele é apenas o meio para conhecermos e acompanharmos a trajetória de Bruno. Ele é a verdadeira criança que precisa crescer. Nem mesmo Sônia, que no início demonstra ser parecida com seu parceiro, no momento da quebra entre o casal, ela percebe que a vida não pode ser tão inconsequente. Bruno foi longe demais e Sônia não pode perdoá-lo. Sendo assim, ela cresce, as brincadeiras deixam de ter sentido ou mesmo graça.
Só Bruno parece não perceber e continua vagando, como se pudesse levar a vida sempre assim. Mas, nem tudo tem jeito com pequenos golpes. Um dia ele terá que aprender. A Criança é um filme raro, onde a vida pula em nossa tela sem máscaras, de uma forma envolvente e emocionante. O final deste filme foi um dos fechamentos mais fantásticos que já vi, sem resoluções mirabolantes. Tudo se encaminha de uma forma harmônica. Uma verdadeira obra-prima que merece ser vista.
A Criança (L'Enfant: 2005 /Bélgica, França)
Direção: Jean-Pierre Dardenne, Luc Dardenne
Roteiro: Jean-Pierre Dardenne e Luc Dardenne
Com: Jérémie Renier, Olivier Gourmet, Débora François, Jérémie Segard.
Duração: 95 min
Amanda Aouad
Crítica afiliada à Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema), é doutora em Comunicação e Cultura Contemporâneas (Poscom / UFBA) e especialista em Cinema pela UCSal. Roteirista profissional desde 2005, é co-criadora do projeto A Guardiã, além da equipe do Núcleo Anima Bahia sendo roteirista de séries como "Turma da Harmonia", "Bill, o Touro" e "Tadinha". É ainda professora dos cursos de Jornalismo e Publicidade e Propaganda da Unifacs e da Uniceusa. Atualmente, faz parte da diretoria da Abraccine como secretária geral.
A Criança
2011-05-28T09:06:00-03:00
Amanda Aouad
cinema europeu|critica|cult|Irmãos Dardenne|
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