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Heleno
É possível um filme sobre um jogador de futebol não ser sobre futebol? Não trazer a alegria das torcidas, o colorido das bandeiras, a vibração dos jogos? É possível um filme que fala sobre um ídolo da história do país do futebol utilizá-lo apenas como pano de fundo da história de um homem singular? Um filme em preto e branco, com um ritmo lento e um tom depressivo? E o mais incrível de tudo, não decepcionar? Heleno, dirigido por José Henrique Fonseca, é um filme forte, que tem na interpretação de Rodrigo Santoro seu maior trunfo.
Heleno de Freitas foi o maior ídolo do Botafogo antes de Garrincha. Mesmo sem nunca ter ganho um título pelo clube, foi artilheiro, carregando muitas vezes o time nas costas. Mas, seu temperamento nunca deixou que a vida do craque fosse fácil. Arrogante, explosivo, bom de briga, Heleno colecionou inimigos tanto quantos gols e fãs. Fora dos campos, sempre foi um boêmio, com muitas mulheres, álcool e vícios em éter e lança-perfume. O roteiro de José Henrique Fonseca e Fernando Castets tenta nos conduzir nessa vida controversa de uma maneira não linear, construindo em paralelo os momentos finais da vida de Heleno, já doente, com seu auge, focando em situações pontuais. A escolha acaba diluindo um pouco o impacto da transformação do jovem atleta no homem doente, mas não deixa de ser forte.
A força do filme está na paixão do personagem, um atleta como poucos, que tinha amor pela camisa que vestia e se importava mais com a vitória do que com o dinheiro que receberia pelo jogo. "Não consigo imaginar um jogador de futebol que não joga para a torcida", afirmou Heleno. As maiores dores de Heleno foram não ter sido campeão pelo Botafogo, nem ter jogado uma Copa do Mundo. A transferência para o Boca Juniors na Argentina, com o maior salário já pago a um jogador de futebol, acabou sendo uma derrocada para sua carreira, "não sou um jogador de futebol, sou um jogador do Botafogo". E toda essa explosão é incrivelmente bem retratada pela interpretação de Rodrigo Santoro. O ator veste a camisa do jogador e investe todo seu talento para reconstruir esse mito nos mínimos detalhes. Na postura arrogante, no amor pelo esporte, na dor da doença.
E é na alma de Heleno que José Henrique Fonseca se concentra para contar sua história. Não por acaso, ele é o narrador, pontuando em voz over a trajetória de sua vida e nos passando um pouco mais de sua forma de pensar. O futebol se torna pano de fundo. Os jogos são apenas ganchos para alguma situação dramática, não são muito desenvolvidos, vide a cena em que Heleno vai cobrar um pênalti e Fonseca corta antes da cobrança para o vestiário onde ele esmurra a parede. É nas atitudes do personagem que está concentrada a ação. Em seus relacionamentos amorosos, nas suas discussões com o treinador, na ridicularização pública de seus companheiros de time, na dor e solidão do fim da vida.
E é interessante perceber a escolha da fotografia, assinada por Walter Carvalho, em preto e branco. A escolha foi do próprio diretor José Henrique Fonseca que declarou ser esta uma forma de retratar a fantasia da década de 40, já que a realidade é hoje colorida. Há uma metáfora interessante do sonho ser preto e branco, não apenas porque na época se fazia filmes assim, e pelo fato de nos remeter a momentos passados. Mas, por um detalhe que parece ter passado despercebido: as cores do Botafogo, alvinegro carioca, e uma das maiores paixões do personagem central. Ele realmente amou aquele clube, daria sua vida por ele, mas acabou mendigando espaço em qualquer outro clube, sendo campeão carioca pelo Vasco inclusive, e tendo sido dispensado em uma preleção do Flamengo, porque era considerado pé-frio. Não ter ganho um título pelo clube, que foi campeão exatamente no ano em que ele foi vendido criou uma espécie de superstição. Ironias da vida.
Heleno, o filme, não poupa o jogador, por mais que construa uma trajetória tendenciosa de culpar o presidente do Botafogo por sua derrocada. Há um retrato duro de sua personalidade egoísta, de seus exageros nas drogas e bebidas alcoólicas, da forma leviana de tratar as mulheres, da irritação exagerada com os colegas de clube, do excesso de cigarro que marcou sua vida. Algumas tomadas nos mostram Heleno com dois cigarros acesos ao mesmo tempo, um na mão, outro no cinzeiro. Isso sem falar nas crises, quando acendia vários cigarros por compulsão. É um retrato de um personagem fadado ao fim trágico.
Porém, mesmo não sendo sobre futebol, ou até mesmo por isso, Heleno consegue ser um filme envolvente, forte e reflexivo. E não deixa de ser uma homenagem a garra de um atleta que queria acima de tudo fazer o seu trabalho com paixão e se sentir vitorioso.
Heleno (Heleno, 2012 / Brasil)
Direção: José Henrique Fonseca
Roteiro: Fernando Castets e José Henrique Fonseca
Com: Rodrigo Santoro, Aline Morais, Erom Cordeiro, Orã Figueiredo, Othon Bastos e Herson Capri
Duração: 106 min.
Heleno de Freitas foi o maior ídolo do Botafogo antes de Garrincha. Mesmo sem nunca ter ganho um título pelo clube, foi artilheiro, carregando muitas vezes o time nas costas. Mas, seu temperamento nunca deixou que a vida do craque fosse fácil. Arrogante, explosivo, bom de briga, Heleno colecionou inimigos tanto quantos gols e fãs. Fora dos campos, sempre foi um boêmio, com muitas mulheres, álcool e vícios em éter e lança-perfume. O roteiro de José Henrique Fonseca e Fernando Castets tenta nos conduzir nessa vida controversa de uma maneira não linear, construindo em paralelo os momentos finais da vida de Heleno, já doente, com seu auge, focando em situações pontuais. A escolha acaba diluindo um pouco o impacto da transformação do jovem atleta no homem doente, mas não deixa de ser forte.
A força do filme está na paixão do personagem, um atleta como poucos, que tinha amor pela camisa que vestia e se importava mais com a vitória do que com o dinheiro que receberia pelo jogo. "Não consigo imaginar um jogador de futebol que não joga para a torcida", afirmou Heleno. As maiores dores de Heleno foram não ter sido campeão pelo Botafogo, nem ter jogado uma Copa do Mundo. A transferência para o Boca Juniors na Argentina, com o maior salário já pago a um jogador de futebol, acabou sendo uma derrocada para sua carreira, "não sou um jogador de futebol, sou um jogador do Botafogo". E toda essa explosão é incrivelmente bem retratada pela interpretação de Rodrigo Santoro. O ator veste a camisa do jogador e investe todo seu talento para reconstruir esse mito nos mínimos detalhes. Na postura arrogante, no amor pelo esporte, na dor da doença.
E é na alma de Heleno que José Henrique Fonseca se concentra para contar sua história. Não por acaso, ele é o narrador, pontuando em voz over a trajetória de sua vida e nos passando um pouco mais de sua forma de pensar. O futebol se torna pano de fundo. Os jogos são apenas ganchos para alguma situação dramática, não são muito desenvolvidos, vide a cena em que Heleno vai cobrar um pênalti e Fonseca corta antes da cobrança para o vestiário onde ele esmurra a parede. É nas atitudes do personagem que está concentrada a ação. Em seus relacionamentos amorosos, nas suas discussões com o treinador, na ridicularização pública de seus companheiros de time, na dor e solidão do fim da vida.
E é interessante perceber a escolha da fotografia, assinada por Walter Carvalho, em preto e branco. A escolha foi do próprio diretor José Henrique Fonseca que declarou ser esta uma forma de retratar a fantasia da década de 40, já que a realidade é hoje colorida. Há uma metáfora interessante do sonho ser preto e branco, não apenas porque na época se fazia filmes assim, e pelo fato de nos remeter a momentos passados. Mas, por um detalhe que parece ter passado despercebido: as cores do Botafogo, alvinegro carioca, e uma das maiores paixões do personagem central. Ele realmente amou aquele clube, daria sua vida por ele, mas acabou mendigando espaço em qualquer outro clube, sendo campeão carioca pelo Vasco inclusive, e tendo sido dispensado em uma preleção do Flamengo, porque era considerado pé-frio. Não ter ganho um título pelo clube, que foi campeão exatamente no ano em que ele foi vendido criou uma espécie de superstição. Ironias da vida.
Heleno, o filme, não poupa o jogador, por mais que construa uma trajetória tendenciosa de culpar o presidente do Botafogo por sua derrocada. Há um retrato duro de sua personalidade egoísta, de seus exageros nas drogas e bebidas alcoólicas, da forma leviana de tratar as mulheres, da irritação exagerada com os colegas de clube, do excesso de cigarro que marcou sua vida. Algumas tomadas nos mostram Heleno com dois cigarros acesos ao mesmo tempo, um na mão, outro no cinzeiro. Isso sem falar nas crises, quando acendia vários cigarros por compulsão. É um retrato de um personagem fadado ao fim trágico.
Porém, mesmo não sendo sobre futebol, ou até mesmo por isso, Heleno consegue ser um filme envolvente, forte e reflexivo. E não deixa de ser uma homenagem a garra de um atleta que queria acima de tudo fazer o seu trabalho com paixão e se sentir vitorioso.
Heleno (Heleno, 2012 / Brasil)
Direção: José Henrique Fonseca
Roteiro: Fernando Castets e José Henrique Fonseca
Com: Rodrigo Santoro, Aline Morais, Erom Cordeiro, Orã Figueiredo, Othon Bastos e Herson Capri
Duração: 106 min.
Amanda Aouad
Crítica afiliada à Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema), é doutora em Comunicação e Cultura Contemporâneas (Poscom / UFBA) e especialista em Cinema pela UCSal. Roteirista profissional desde 2005, é co-criadora do projeto A Guardiã, além da equipe do Núcleo Anima Bahia sendo roteirista de séries como "Turma da Harmonia", "Bill, o Touro" e "Tadinha". É ainda professora dos cursos de Jornalismo e Publicidade e Propaganda da Unifacs e da Uniceusa. Atualmente, faz parte da diretoria da Abraccine como secretária geral.
Heleno
2012-03-29T08:54:00-03:00
Amanda Aouad
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