Por sugestão de Ângelo Costa, que nos fez um pedido em nossa fanpage, resgataremos aqui um clássico moderno. 3,14. Um número aproximado para representar uma dízima não-periódica famosa apelidada pelo nome Pi. Uma proporção numérica que representa a proporção entre o perímetro de uma circunferência e seu diâmetro. Aparentemente não há um padrão nessa dízima, por isso, ela é não periódica, ou seja, os números não se repetem de uma maneira lógica. E essa questão, ao mesmo tempo simples e complexa serviu como ponto de partida para o primeiro filme longametragem de Darren Aronofsky em 1998.
Maximillian Cohen é um cientista brilhante, porém obcecado por uma ideia: encontrar um padrão no número Pi. Sua obsessão é resumida de uma maneira bem simples por seu mentor, Sol: "quando vc fica obcecado por algo, sua mente acha isso em todos os lugares". Tudo, então, se resume a isso, uma rotina de um homem que só vê aquilo na sua frente, números e ideias de padrões. Questões que o deixam cada vez mais reservado, com atitudes estranhas e até mesmo alucinações.Seguindo o próprio padrão de filmes psicológicos, Darren Aronofsky nos oferece uma trama angustiante e constrói nosso envolvimento através de metáforas. Quem nunca se viu obcecado por algo? Quem nunca tentou compreender como as coisas funcionam? A curiosidade faz parte do ser humano e é comum também a ele se dar desafios. Logo, a loucura de Max pelo Pi pode nos parecer estranho, mas é possível compreendê-lo em outro nível e assim nos envolver com seu drama.
Principalmente porque ele não é mesmo um homem normal. A obsessão se transforma em uma neurose, com várias metáforas do funcionamento do cérebro, remédios para tomar e alucinações visuais e auditivas fortes. Tudo isso, com a escolha de Aronofsky em fazer o filme em preto e branco, nos dão uma experiência única de angústia e desconforto. Seu inegável esgotamento mental nos angustia, ansiando pelos conselhos do mentor Sol, que o manda relaxar, tomar um banho, ouvir as pessoas. Vemos e não percebemos, acompanhamos e não sentimos, nos envolvemos, mas não nos entregamos. Porque estamos a todo o tempo sendo chamados ao racional.Em uma ironia, a construção do roteiro de Pi é esse racional que nos chama. Com a narração em over de Max sempre repetindo o dia e hora das ações, tornando tudo o mais cartesiano possível. Isso sem falar na repetição constante do conselho da mãe para não olhar o sol, quando era criança, e que aparentemente foi o estopim para suas reações incomuns aos números. Porque tudo é número, diria ele.
Essa própria metáfora do sol, de não poder olhar para luz que cega, e da visão interior é outra chave do filme. Uma porta de entrada para tentar compreender o incompreensível. Como um sonho alucinógeno construído em detalhes. Porque a câmera nervosa de Aronofsky está sempre em busca dos detalhes. A construção interna e externa do mundo daquele personagem e sua relação com os demais. E assim é possível misturar visões de Deus, como a interpretação do Alcorão, filosofias diversas, ciência, questões financeiras e existências.Pi é um filme que nos leva em seu ritmo. Interiorizando e racionalizando o irracional, em busca de respostas que não podem ser dadas, em uma construção incrivelmente envolvente. É muito pensamento que transcende a razão e entra na ausência de padrão na loucura. Ou não. Tal qual o Pi que aparentemente tem toda a lógica, dentro de lógica nenhuma.
Pi (Pi, 1998 / EUA)
Direção: Darren Aronofsky
Roteiro: Darren Aronofsky
Com: Sean Gullette, Mark Margolis, Ben Shenkman
Duração: 84 min.

