Flores do Oriente
Dois anos antes da declaração da 2ª Guerra Mundial, o Japão já travava sua própria guerra com a China, na Segunda Guerra Sino-Japonesa. O evento conhecido como Massacre de Nanjing é incomodamente retratado no filme Flores do Oriente, de Zhang Yimou. O diretor que já exaltou a coragem do povo chinês em filmes como Herói e O Clã das Adagas Voadoras, fala agora da bravura do seu silêncio.
O filme é narrado a partir da chegada do ocidental John Miller, um agente funerário que vai a Nanjing para sepultar o padre local em plena invasão japonesa. O personagem, interpretado muito bem por Christian Bale, acaba se envolvendo mais do que esperava com o conflito ao conhecer as alunas do convento protegido pela igreja do padre falecido e um grupo de prostitutas liderados pela bela Yu Mo. Não deixa de ser curioso que, anos depois, ele volte a interpretar um ocidental, vítima do exército japonês na década de 30/40. Mas, Flores do Oriente consegue ser mais impactante que Império do Sol. Entre o horror da postura dos soldados japoneses, da bravura dos últimos soldados chineses e do medo das mulheres e crianças, se constrói uma bela jornada de superação, amadurecimento e auxílio mútuo.
Não há como assistir Flores do Oriente e não ficar chocado com as atitudes do exército japonês. Não há compaixão com os prisioneiros de guerra, não há formas de poupar mulheres que são estupradas e torturadas mesmo quando são apenas crianças de uniformes dentro de uma igreja. Há uma brutalidade irracional que os assemelha mais a animais do que a homens. É uma guerra desigual, cruel demais e ainda mais bruta ao percebermos que foi real. Porque a história não é uma invenção de alguma mente doentia, mas uma página da história dos dois países que o Japão ainda insiste em negar, apesar de provas diversas.
Zhang Yimou é hábil em sua construção de imagens, como sempre lhe é peculiar. Não foge ao horror da guerra, demonstrando cenas de puro terror, mas constrói a plástica poética em diversos momentos do filme que nos fazem permanecer inteiros sentados em nossas confortáveis cadeiras. É o vitral da igreja que compõe cenas fortes, com o sol batendo em seu reflexo, é o contraste das meninas cantando em coral no altar da igreja com as prostitutas ouvindo no porão. É a câmera alta que flagra uniões disformes como a que vem do altar para mostrar os japoneses que ouvem as meninas ou o falso padre que brada por racionalidade e respeito na casa de Deus.
Mesmo as cenas de guerra possuem um cuidado de produção, como a cena em que o soldado japonês ameaça o personagem de Bale no início do filme e um muro começa a se movimentar às suas costas. Ou os detalhes das garotas escondidas no cano. Ou ainda a cena do gato fujão e suas consequências. Isso sem falar de toda a rotina dentro do convento, seja das meninas assustadas ou das prostitutas sorridentes em meio a todo o jogo político de uma tentativa de salvá-las do inevitável fim cruel nas mãos dos inimigos.
Construindo o paralelo entre o grupo de prostitutas e as meninas do convento a partir de duas personagens chaves, Yu Mo e a garotinha Shu, o roteirista Heng Liu e o diretor Zhang Yimou humanizam ambas as vítimas de uma maneira ímpar, sem cair no piegas. Nos emocionam em diversas cenas, como a da entrega dos bibelôs, no canto de um instrumento ou no apelo de uma linda cena, mas tudo com uma sensibilidade desconcertante diante do horror que é toda aquela história.
Flores do Oriente é um filme forte. Narra com sensibilidade e poesia uma mancha em nossa história, uma mancha inclusive pouco conhecida diante de tantos massacres famosos que são cantados e repudiados a cada dia. Porque não é apenas uma guerra, como todas as outras estúpidas, é uma crueldade irracional de subjugação do mais fraco pelo mais forte, sem nem mesmo a piedade por crianças inocentes.
Flores do Oriente (Jin líng shí san chai, 2011 / Japão)
Direção: Zhang Yimou
Roteiro: Heng Liu
Com: Christian Bale, Ni Ni e Xinyi Zhang
Duração: 146 min.
O filme é narrado a partir da chegada do ocidental John Miller, um agente funerário que vai a Nanjing para sepultar o padre local em plena invasão japonesa. O personagem, interpretado muito bem por Christian Bale, acaba se envolvendo mais do que esperava com o conflito ao conhecer as alunas do convento protegido pela igreja do padre falecido e um grupo de prostitutas liderados pela bela Yu Mo. Não deixa de ser curioso que, anos depois, ele volte a interpretar um ocidental, vítima do exército japonês na década de 30/40. Mas, Flores do Oriente consegue ser mais impactante que Império do Sol. Entre o horror da postura dos soldados japoneses, da bravura dos últimos soldados chineses e do medo das mulheres e crianças, se constrói uma bela jornada de superação, amadurecimento e auxílio mútuo.
Não há como assistir Flores do Oriente e não ficar chocado com as atitudes do exército japonês. Não há compaixão com os prisioneiros de guerra, não há formas de poupar mulheres que são estupradas e torturadas mesmo quando são apenas crianças de uniformes dentro de uma igreja. Há uma brutalidade irracional que os assemelha mais a animais do que a homens. É uma guerra desigual, cruel demais e ainda mais bruta ao percebermos que foi real. Porque a história não é uma invenção de alguma mente doentia, mas uma página da história dos dois países que o Japão ainda insiste em negar, apesar de provas diversas.
Zhang Yimou é hábil em sua construção de imagens, como sempre lhe é peculiar. Não foge ao horror da guerra, demonstrando cenas de puro terror, mas constrói a plástica poética em diversos momentos do filme que nos fazem permanecer inteiros sentados em nossas confortáveis cadeiras. É o vitral da igreja que compõe cenas fortes, com o sol batendo em seu reflexo, é o contraste das meninas cantando em coral no altar da igreja com as prostitutas ouvindo no porão. É a câmera alta que flagra uniões disformes como a que vem do altar para mostrar os japoneses que ouvem as meninas ou o falso padre que brada por racionalidade e respeito na casa de Deus.
Mesmo as cenas de guerra possuem um cuidado de produção, como a cena em que o soldado japonês ameaça o personagem de Bale no início do filme e um muro começa a se movimentar às suas costas. Ou os detalhes das garotas escondidas no cano. Ou ainda a cena do gato fujão e suas consequências. Isso sem falar de toda a rotina dentro do convento, seja das meninas assustadas ou das prostitutas sorridentes em meio a todo o jogo político de uma tentativa de salvá-las do inevitável fim cruel nas mãos dos inimigos.
Construindo o paralelo entre o grupo de prostitutas e as meninas do convento a partir de duas personagens chaves, Yu Mo e a garotinha Shu, o roteirista Heng Liu e o diretor Zhang Yimou humanizam ambas as vítimas de uma maneira ímpar, sem cair no piegas. Nos emocionam em diversas cenas, como a da entrega dos bibelôs, no canto de um instrumento ou no apelo de uma linda cena, mas tudo com uma sensibilidade desconcertante diante do horror que é toda aquela história.
Flores do Oriente é um filme forte. Narra com sensibilidade e poesia uma mancha em nossa história, uma mancha inclusive pouco conhecida diante de tantos massacres famosos que são cantados e repudiados a cada dia. Porque não é apenas uma guerra, como todas as outras estúpidas, é uma crueldade irracional de subjugação do mais fraco pelo mais forte, sem nem mesmo a piedade por crianças inocentes.
Flores do Oriente (Jin líng shí san chai, 2011 / Japão)
Direção: Zhang Yimou
Roteiro: Heng Liu
Com: Christian Bale, Ni Ni e Xinyi Zhang
Duração: 146 min.
Amanda Aouad
Crítica afiliada à Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema), é doutora em Comunicação e Cultura Contemporâneas (Poscom / UFBA) e especialista em Cinema pela UCSal. Roteirista profissional desde 2005, é co-criadora do projeto A Guardiã, além da equipe do Núcleo Anima Bahia sendo roteirista de séries como "Turma da Harmonia", "Bill, o Touro" e "Tadinha". É ainda professora dos cursos de Jornalismo e Publicidade e Propaganda da Unifacs e da Uniceusa. Atualmente, faz parte da diretoria da Abraccine como secretária geral.
Flores do Oriente
2012-05-26T08:30:00-03:00
Amanda Aouad
Christian Bale|cinema asiático|critica|drama|guerra|Zhang Yimou|
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