
A pedido do nosso colega Amenar Costa, aniversariante do dia, resgato aqui o filme de David Lynch de 2001, Mulholland Drive, que a tradução brasileira colocou esse preguiçoso, quase spoiler título Cidade dos Sonhos.
Falar de Cidade dos Sonhos é complicado, por isso sempre me esquivei de uma crítica. Afinal, como analisá-lo sem expor detalhes da trama que só aparecem em seu clímax? É importante também compreender que quando escreveu o projeto, Lynch tinha em mente um seriado, não por acaso personagens secundários entram e saem sem dizer a que vieram, como o "famoso" livro negro de Ed, que até hoje pode ter gente tentando entender o que seja. Mas, como ele deixou tudo isso na montagem final do longametragem, analisemos o que nos é oferecido em tela.

Cidade dos Sonhos é, no fundo, uma história de amor. Vê-lo por essa perspectiva chega a soar estranho, já que a sua construção é toda através do suspense. Seu roteiro baseia-se nos mistérios e na constante tensão que estes provocam. O passado de Rita, os homens que a procuram, os gangsters que perseguem o diretor Adam, o caubói, o homem nos fundos da lanchonete, o casal de velhinhos que de tão simpáticos se tornam assustadores, o mistério na casa de Diane Selwyn. Mas, no final, é o amor o motor que move tudo aquilo, o desespero para não perder a pessoa amada.

A luz é forte, parecem holofotes, os velhinhos simpáticos a apoiam, até mesmo a mala que ela pensa que perdeu está na mão de um prestativo taxista que pergunta para onde vão. Tudo na vida de Betty nos parece mágico. Ela tem uma estrela em seu destino. Vai para o teste de elenco, e se sobressai. Vai ao outro teste e chama a atenção sem nem abrir a boca. Tudo o que ela quer, consegue. Não parece mesmo algo real. Enquanto todos estão perdidos, Betty está ali como uma tábua de salvação para mundo.

Agora, mais do que uma construção aparentemente confusa que traz interpretações diversas, mas que dão pistas para uma trama até mesmo simples, Cidade dos Sonhos é um filme para apreciação estética. É bonito de ver, é cuidadoso, cada movimento de câmera, cada ponto de luz, cada acorde sonoro é pensado para compor a cena. Há um clima nostálgico em toda a projeção que condiz com o sentimento de sua protagonista. E que traz no seu desfecho uma melancolia profunda.
Um filme para ver, rever e se deixar levar pelos sonhos de Lynch. Ou de Betty, Diane, Rita, Camila ou até mesmo de Adam ...
Cidade dos Sonhos (Mulholland Drive, 2001 / EUA)
Direção: David Lynch
Roteiro: David Lynch
Com: Naomi Watts, Laura Elena Harring, Justin Theroux
Duração: 145min.