A fé vai ao cinema
Cinema é arte, é expressão de pensamentos, sentimentos, emoções. Então, é justo que as crenças religiosas também possam fazer parte das construções fílmicas. Desde que surgiu, já foram feitos diversos filmes com a temática como a enxurrada de filmes bíblicos. Alguns clássicos como Os Dez Mandamentos, O Manto Sagrado e até a animação O Príncipe do Egito. Jesus, então, já foi retratado de diversas maneiras, seja para reforçar sua mensagem, questioná-la ou até ridicularizá-la como no caso dos filmes A Vida de Brian ou A Última Tentação de Cristo que gerou bastante polêmica. Polêmica também gerou Mel Gibson com sua Paixão de Cristo, considerada anti-semita e desrespeitosa. Mas, não há como negar que ambos os filmes foram bem feitos. Apesar de algumas revoltas, nunca houve uma guerra santa por isso.
O contrário está acontecendo com o filme Innocence of Muslims que ridiculariza Maomé e que levantou o mundo muçulmano em protestos. Mas, nesse caso, o problema é maior porque segundo o Alcorão é proibido representar o profeta de qualquer maneira que seja, mesmo para elogiar ou elevar sua imagem. Imaginem, então, para ridicularizá-la, tornando-o um tolo violento e com sede de poder? A situação é tão séria que até a Fundação Cinema pela Paz, de Berlim, resolveu cancelar a exibição do filme em um painel de debates em que especialistas muçulmanos, judeus e cristãos, além de políticos, participariam do debate sobre liberdade de expressão e filmes blasfemos, de acordo com a organização.
O problema é que cinema não é religião, pelo menos não na definição formal que se constitiu de um doutrina que liga o homem a Deus. Então, por mais válido que seja utilizar meios diversos para falar de Deus, suas crenças e etc, é preciso lembrar que para fazer um filme é preciso ser um cineasta. Estudar a linguagem, construir algo válido esteticamente e dessa maneira atingir todos os públicos. Infelizmente, na ânsia doutrinária, alguns realizadores acabam esquecendo que estão fazendo um filme. Falo, especificadamente de filmes espíritas brasileiros e filmes evangélicos norte-americanos. Ambos têm sido cada vez mais frequentes em construir obras de qualidade duvidosa.
O Brasil é o país com o maior número de adeptos do espiritismo. Isso em muito se deve à figura de Chico Xavier, é verdade. Além de médiuns palestrantes famosos como Divaldo Franco. É natural que tenha um espaço para filmes com essa temática em nosso cenário cinematográfico. Nas telenovelas isso já acontece há um bom tempo, desde que Ivani Ribeiro começou a escrever na Rede Tupi na década de 60. Histórias com mensagens espirituais e histórias que envolvam vidas passadas, mundo espiritual e mediunidade conquistam plateias, vide o sucesso de filmes espiritualistas como Sexto Sentido, Amor Além da Vida, Além da Vida, entre outros.
A questão é que aqui no Brasil, os filmes caminharam por uma vertente doutrinária tão forte, que a técnica foi esquecida. Até mesmo a narrativa foi esquecida, gerando filmes cansativos e pouco palatáveis para os não seguidores da doutrina.
Mesmo com o filme Joelma 23º Andar na década de oitenta, o despertar para esse filão começou com o filme Bezerra de Menezes. Mesmo com uma produção modesta, o filme foi sucesso de bilheteria. Dois anos depois, coincidiu ser o centenário do médium Chico Xavier, essa foi a desculpa para uma enxurrada de filmes com essa temática.
Primeiro, o próprio Chico Xavier, cinebiografia dirigida por Daniel Filho e melhor de toda a safra. Talvez pelo diretor ser ateu e ter se concentrado em fazer um filme e não em doutrinar pessoas. Ou pelo fato de Daniel Filho ser um profissional que, apesar de ter uma formação televisiva, tem experimentado linguagens no cinema, vide o ótimo Tempos de Paz. Ou por se centrar na biografia de Chico que por si só é envolvente e impressionante. Depois veio Nosso Lar, o que teve o maior investimento, com efeitos especiais feitos nos Estados Unidos e uma divulgação ampla. Um filme que apesar de problemas consegue um esforço de qualidade.
Os demais, no entanto, começaram a trazer complicações técnicas que comprometeram a "carreira" desse quase gênero. As Mães de Chico Xavier, As Cartas e E A Vida Continua, que apesar de só lançado agora, foi filmado na mesma época e a princípio iria apenas para DVD. Todos os três tem problemas técnicos sérios, explico melhor nas críticas de cada um, basta clicar nos nomes para lê-las. Teve ainda O Filme dos Espíritos em homenagem aos 155 anos de lançamento do livro base da doutrina. Este teve o atenuante de surgir a partir de um concurso de curta-metragens, sendo uma colagem de vários autores para capítulos específicos da obra. Mas, ainda assim, tem seus problemas.
Contudo, apesar dos visíveis problemas técnicos e perseguição da crítica em geral, todos eles conseguem ótimas bilheterias. O que traz questões boas e outras ruins. Primeiro, é um indício de que a temática tem mesmo espaço no país. Isso abre uma porta para que filmes com mensagens positivas e condutas melhores para a humanidade possam existir. Porém, dá a falsa impressão de que o caminho é esse mesmo. Sem a necessidade de se preocupar um pouco mais com a técnica. O que não é verdade.
É possível fazer um bom filme, com uma preocupação doutrinária, sem precisar ser uma pregação pura e simples. Volto aqui às telenovelas de Ivani Ribeiro. Tramas como A Viagem são bem construídas do ponto de vida dramatúrgico sem esquecer a doutrina. Há um aprendizado de maneira mais fluida. E mesmo pessoas que não sejam religiosas podem assistir encarando como mais uma obra de ficção.
Por mais que a intenção seja mesmo doutrinária. Por mais que as plateias lotem salas ansiando por mensagens consoladoras ou explicativas. Por mais que seja válido propagar suas doutrinas através de meios de comunicação e entretenimento. Não podemos esquecer que é preciso talento para fazer um filme. Afinal, como já disse, estamos falando de cinema, não de religião.
O contrário está acontecendo com o filme Innocence of Muslims que ridiculariza Maomé e que levantou o mundo muçulmano em protestos. Mas, nesse caso, o problema é maior porque segundo o Alcorão é proibido representar o profeta de qualquer maneira que seja, mesmo para elogiar ou elevar sua imagem. Imaginem, então, para ridicularizá-la, tornando-o um tolo violento e com sede de poder? A situação é tão séria que até a Fundação Cinema pela Paz, de Berlim, resolveu cancelar a exibição do filme em um painel de debates em que especialistas muçulmanos, judeus e cristãos, além de políticos, participariam do debate sobre liberdade de expressão e filmes blasfemos, de acordo com a organização.
O problema é que cinema não é religião, pelo menos não na definição formal que se constitiu de um doutrina que liga o homem a Deus. Então, por mais válido que seja utilizar meios diversos para falar de Deus, suas crenças e etc, é preciso lembrar que para fazer um filme é preciso ser um cineasta. Estudar a linguagem, construir algo válido esteticamente e dessa maneira atingir todos os públicos. Infelizmente, na ânsia doutrinária, alguns realizadores acabam esquecendo que estão fazendo um filme. Falo, especificadamente de filmes espíritas brasileiros e filmes evangélicos norte-americanos. Ambos têm sido cada vez mais frequentes em construir obras de qualidade duvidosa.
O Brasil é o país com o maior número de adeptos do espiritismo. Isso em muito se deve à figura de Chico Xavier, é verdade. Além de médiuns palestrantes famosos como Divaldo Franco. É natural que tenha um espaço para filmes com essa temática em nosso cenário cinematográfico. Nas telenovelas isso já acontece há um bom tempo, desde que Ivani Ribeiro começou a escrever na Rede Tupi na década de 60. Histórias com mensagens espirituais e histórias que envolvam vidas passadas, mundo espiritual e mediunidade conquistam plateias, vide o sucesso de filmes espiritualistas como Sexto Sentido, Amor Além da Vida, Além da Vida, entre outros.
A questão é que aqui no Brasil, os filmes caminharam por uma vertente doutrinária tão forte, que a técnica foi esquecida. Até mesmo a narrativa foi esquecida, gerando filmes cansativos e pouco palatáveis para os não seguidores da doutrina.
Mesmo com o filme Joelma 23º Andar na década de oitenta, o despertar para esse filão começou com o filme Bezerra de Menezes. Mesmo com uma produção modesta, o filme foi sucesso de bilheteria. Dois anos depois, coincidiu ser o centenário do médium Chico Xavier, essa foi a desculpa para uma enxurrada de filmes com essa temática.
Primeiro, o próprio Chico Xavier, cinebiografia dirigida por Daniel Filho e melhor de toda a safra. Talvez pelo diretor ser ateu e ter se concentrado em fazer um filme e não em doutrinar pessoas. Ou pelo fato de Daniel Filho ser um profissional que, apesar de ter uma formação televisiva, tem experimentado linguagens no cinema, vide o ótimo Tempos de Paz. Ou por se centrar na biografia de Chico que por si só é envolvente e impressionante. Depois veio Nosso Lar, o que teve o maior investimento, com efeitos especiais feitos nos Estados Unidos e uma divulgação ampla. Um filme que apesar de problemas consegue um esforço de qualidade.
Os demais, no entanto, começaram a trazer complicações técnicas que comprometeram a "carreira" desse quase gênero. As Mães de Chico Xavier, As Cartas e E A Vida Continua, que apesar de só lançado agora, foi filmado na mesma época e a princípio iria apenas para DVD. Todos os três tem problemas técnicos sérios, explico melhor nas críticas de cada um, basta clicar nos nomes para lê-las. Teve ainda O Filme dos Espíritos em homenagem aos 155 anos de lançamento do livro base da doutrina. Este teve o atenuante de surgir a partir de um concurso de curta-metragens, sendo uma colagem de vários autores para capítulos específicos da obra. Mas, ainda assim, tem seus problemas.
Contudo, apesar dos visíveis problemas técnicos e perseguição da crítica em geral, todos eles conseguem ótimas bilheterias. O que traz questões boas e outras ruins. Primeiro, é um indício de que a temática tem mesmo espaço no país. Isso abre uma porta para que filmes com mensagens positivas e condutas melhores para a humanidade possam existir. Porém, dá a falsa impressão de que o caminho é esse mesmo. Sem a necessidade de se preocupar um pouco mais com a técnica. O que não é verdade.
É possível fazer um bom filme, com uma preocupação doutrinária, sem precisar ser uma pregação pura e simples. Volto aqui às telenovelas de Ivani Ribeiro. Tramas como A Viagem são bem construídas do ponto de vida dramatúrgico sem esquecer a doutrina. Há um aprendizado de maneira mais fluida. E mesmo pessoas que não sejam religiosas podem assistir encarando como mais uma obra de ficção.
Por mais que a intenção seja mesmo doutrinária. Por mais que as plateias lotem salas ansiando por mensagens consoladoras ou explicativas. Por mais que seja válido propagar suas doutrinas através de meios de comunicação e entretenimento. Não podemos esquecer que é preciso talento para fazer um filme. Afinal, como já disse, estamos falando de cinema, não de religião.
Amanda Aouad
Crítica afiliada à Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema), é doutora em Comunicação e Cultura Contemporâneas (Poscom / UFBA) e especialista em Cinema pela UCSal. Roteirista profissional desde 2005, é co-criadora do projeto A Guardiã, além da equipe do Núcleo Anima Bahia sendo roteirista de séries como "Turma da Harmonia", "Bill, o Touro" e "Tadinha". É ainda professora dos cursos de Jornalismo e Publicidade e Propaganda da Unifacs e da Uniceusa. Atualmente, faz parte da diretoria da Abraccine como secretária geral.
A fé vai ao cinema
2012-09-23T08:30:00-03:00
Amanda Aouad
cinema brasileiro|espiritismo|materias|
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