Um Grito de Liberdade
"A arma mais potente na mão do opressor é a mente do oprimido."
Há exatos 35 anos, no dia 12 de setembro de 1977, era declarado morto o ativista político sul-africano Steve Biko. Sua morte foi explicada pelo governo local como inanição após uma greve de fome, mas, na realidade o líder da consciência negra teria sido espancado até adquirir uma lesão cerebral que nunca pode ser provada. Sua luta contra o Apartheid, no entanto, não foi esquecida.
Dez anos após a sua morte, quando a África do Sul ainda vivia o regime de Apartheid (finalizado apenas em 94), Richard Attenborough lançou o filme Um Grito de Liberdade, baseado no livro do jornalista Donald Woods que conviveu com o ativista e chegou a sofrer perseguições parecidas, sendo também banido e tendo que pedir asilo à Inglaterra. O roteiro de John Briley é bastante didático, tendo inclusive inserções de efeitos de máquina de escrever para pontuar datas e acontecimentos marcantes. Ainda assim, Um Grito de Liberdade é daqueles filmes que são eternos e que nos envolvem em seus longos 157 minutos sem ficar cansativo.
A estética é datada, não há dúvidas. Estamos vendo um filme dos anos 80, com uma fotografia quase de vídeo, cores fortes, um ritmo lento e músicas marcadas para cada cena. Há também uma tendência a privilegiar o diálogo às ações. Tudo é muito exposto, falado, explicado verbalmente. Principalmente na primeira parte do filme, quando Steve Biko ainda está vivo. Podemos passar horas ouvindo-o falar, seja em particular ao jornalista Donald Woods, em discursos clandestinos em campos de futebol ou em um impressionante julgamento, onde consegue deixar advogado e juiz sem fala. E tudo isso, mérito também de Denzel Washington que encarna o ativista de uma maneira espetacular, natural, envolvente.
Isso não significa que o filme não possua um cuidado com a construção de cena. Há momentos extremamente poéticos como a primeira aparição de Biko por entre as árvores do jardim, com uma luz de fundo. Um impacto interessante da construção daquele ser lendário. Há também toda a construção da fuga de Woods e sua família, bastante tensa, destaque para uma cena na chuva. Outro momento de grande impacto é a manifestação de alguns alunos, inspirados no discurso de Biko e toda a consequência de seus atos. E um ataque ao Centro Comunitário à noite, que assusta. Assim como a construção de detalhes, a exemplo das expressões da empregada Evalina, ao perceber algumas mudanças na casa, ou os já citados juiz e advogado a cada contra-argumento de Biko.
Uma das principais acusações do governo Sul-Africano para banir o ativista era racismo reverso. Como se seus discursos inflamassem os negros a serem contra os brancos, defendendo um país apenas deles. Na realidade, o que Biko queria era a igualdade de raças. Seu Centro Comunitário, criado apenas para negros era uma forma de protesto e auto-afirmação. Segundo ele, "O racismo não implica apenas a exclusão de uma raça por outra - ele sempre pressupõe que a exclusão se faz para fins de dominação". Então, sua atitude não era racista, era apenas uma forma de o negro se sentir valorizado vendo exemplos de outros negros bem sucedidos. Afinal, se os negros fossem apenas empregados domésticos e braçais, enquanto brancos eram médicos, advogados, empresários, jornalistas, escritores, artistas, como acreditar que era possível ser algo mais?
A construção do paralelo entre Biko e Woods, a aproximação dos dois e a forma como este assume o papel de voz inconteste após a morte do outro é muito bem feita. O roteirista só peca ao querer manter Biko em tela após a sua morte, com flashbacks muitas vezes desnecessários. Cansa ver o ator Kevin Kline olhar para o lado a cada cena e vir uma lembrança de algo do passado. Em poucos momentos, essa lembrança surte realmente efeito, como no já citado caso da manifestação de estudantes.
De qualquer forma, Um Grito de Liberdade é mais do que um filme. É um ato de denúncia de um acontecimento brutal e recente na história da humanidade. É corajoso também, já que foi lançado ainda durante o governo do Apartheid que durou ainda longos oito anos. Em um mundo onde as Nações Unidas já lutava por direitos humanos é mesmo impactante, um país ainda viver assim. E o pior, é saber que ele não é o único, e que mesmo hoje, em pleno 2012, ainda existam homens escravos de outros homens. Seja de forma física ou psicológica.
Um Grito de Liberdade (Cry Freedom, 1987 / Inglaterra)
Direção: Richard Attenborough
Roteiro: John Briley
Com: Denzel Washington, Kevin Kline, Penelope Wilton e Josette Simon
Duração: 157 min.
Há exatos 35 anos, no dia 12 de setembro de 1977, era declarado morto o ativista político sul-africano Steve Biko. Sua morte foi explicada pelo governo local como inanição após uma greve de fome, mas, na realidade o líder da consciência negra teria sido espancado até adquirir uma lesão cerebral que nunca pode ser provada. Sua luta contra o Apartheid, no entanto, não foi esquecida.
Dez anos após a sua morte, quando a África do Sul ainda vivia o regime de Apartheid (finalizado apenas em 94), Richard Attenborough lançou o filme Um Grito de Liberdade, baseado no livro do jornalista Donald Woods que conviveu com o ativista e chegou a sofrer perseguições parecidas, sendo também banido e tendo que pedir asilo à Inglaterra. O roteiro de John Briley é bastante didático, tendo inclusive inserções de efeitos de máquina de escrever para pontuar datas e acontecimentos marcantes. Ainda assim, Um Grito de Liberdade é daqueles filmes que são eternos e que nos envolvem em seus longos 157 minutos sem ficar cansativo.
A estética é datada, não há dúvidas. Estamos vendo um filme dos anos 80, com uma fotografia quase de vídeo, cores fortes, um ritmo lento e músicas marcadas para cada cena. Há também uma tendência a privilegiar o diálogo às ações. Tudo é muito exposto, falado, explicado verbalmente. Principalmente na primeira parte do filme, quando Steve Biko ainda está vivo. Podemos passar horas ouvindo-o falar, seja em particular ao jornalista Donald Woods, em discursos clandestinos em campos de futebol ou em um impressionante julgamento, onde consegue deixar advogado e juiz sem fala. E tudo isso, mérito também de Denzel Washington que encarna o ativista de uma maneira espetacular, natural, envolvente.
Isso não significa que o filme não possua um cuidado com a construção de cena. Há momentos extremamente poéticos como a primeira aparição de Biko por entre as árvores do jardim, com uma luz de fundo. Um impacto interessante da construção daquele ser lendário. Há também toda a construção da fuga de Woods e sua família, bastante tensa, destaque para uma cena na chuva. Outro momento de grande impacto é a manifestação de alguns alunos, inspirados no discurso de Biko e toda a consequência de seus atos. E um ataque ao Centro Comunitário à noite, que assusta. Assim como a construção de detalhes, a exemplo das expressões da empregada Evalina, ao perceber algumas mudanças na casa, ou os já citados juiz e advogado a cada contra-argumento de Biko.
Uma das principais acusações do governo Sul-Africano para banir o ativista era racismo reverso. Como se seus discursos inflamassem os negros a serem contra os brancos, defendendo um país apenas deles. Na realidade, o que Biko queria era a igualdade de raças. Seu Centro Comunitário, criado apenas para negros era uma forma de protesto e auto-afirmação. Segundo ele, "O racismo não implica apenas a exclusão de uma raça por outra - ele sempre pressupõe que a exclusão se faz para fins de dominação". Então, sua atitude não era racista, era apenas uma forma de o negro se sentir valorizado vendo exemplos de outros negros bem sucedidos. Afinal, se os negros fossem apenas empregados domésticos e braçais, enquanto brancos eram médicos, advogados, empresários, jornalistas, escritores, artistas, como acreditar que era possível ser algo mais?
A construção do paralelo entre Biko e Woods, a aproximação dos dois e a forma como este assume o papel de voz inconteste após a morte do outro é muito bem feita. O roteirista só peca ao querer manter Biko em tela após a sua morte, com flashbacks muitas vezes desnecessários. Cansa ver o ator Kevin Kline olhar para o lado a cada cena e vir uma lembrança de algo do passado. Em poucos momentos, essa lembrança surte realmente efeito, como no já citado caso da manifestação de estudantes.
De qualquer forma, Um Grito de Liberdade é mais do que um filme. É um ato de denúncia de um acontecimento brutal e recente na história da humanidade. É corajoso também, já que foi lançado ainda durante o governo do Apartheid que durou ainda longos oito anos. Em um mundo onde as Nações Unidas já lutava por direitos humanos é mesmo impactante, um país ainda viver assim. E o pior, é saber que ele não é o único, e que mesmo hoje, em pleno 2012, ainda existam homens escravos de outros homens. Seja de forma física ou psicológica.
Um Grito de Liberdade (Cry Freedom, 1987 / Inglaterra)
Direção: Richard Attenborough
Roteiro: John Briley
Com: Denzel Washington, Kevin Kline, Penelope Wilton e Josette Simon
Duração: 157 min.
Amanda Aouad
Crítica afiliada à Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema), é doutora em Comunicação e Cultura Contemporâneas (Poscom / UFBA) e especialista em Cinema pela UCSal. Roteirista profissional desde 2005, é co-criadora do projeto A Guardiã, além da equipe do Núcleo Anima Bahia sendo roteirista de séries como "Turma da Harmonia", "Bill, o Touro" e "Tadinha". É ainda professora dos cursos de Jornalismo e Publicidade e Propaganda da Unifacs e da Uniceusa. Atualmente, faz parte da diretoria da Abraccine como secretária geral.
Um Grito de Liberdade
2012-09-12T08:00:00-03:00
Amanda Aouad
critica|Denzel Washington|drama|Kevin Kline|Richard Attenborough|
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