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Tropicália

Tropicália"Mas é isso que é a juventude que diz que quer tomar o poder? Vocês têm coragem de aplaudir, este ano, uma música, um tipo de música que vocês não teriam coragem de aplaudir no ano passado! São a mesma juventude que vão sempre, sempre, matar amanhã o velhote inimigo que morreu ontem! Vocês não estão entendendo nada, nada, nada, absolutamente nada."

Para entender o impacto do movimento tropicalista no país a partir de 1967 é preciso entender o seu contexto histórico. O discurso inflamado de Caetano Veloso no Festival de 68 ao tentar cantar É Proibido Proibir debaixo de vaias é mais do que uma manifestação artística ou de gosto musical. É um símbolo, tanto a música, quanto as vaias, quanto o discurso. O Brasil vivia em meio a uma ditadura militar, que em parte foi patrocinada pelos Estados Unidos com medo que houvesse aqui um regime comunista. Por isso, Jango não pode assumir o poder, por isso a voz era calada a maioria das vezes. Então, para os jovens manifestantes qualquer coisa ligada aos Estados Unidos era símbolo de seu imperialismo e da ditadura.

TropicáliaA MPB era o símbolo de resistência com músicas de protesto e ufanismo nacionalista. Não por acaso Jackson do Pandeiro disse que só colocaria "bebop" no seu samba "Quando Tio Sam tocar um tamborim". Então, entre outras coisas, o rock, o jazz, o pop e o símbolo de tudo isso, a guitarra elétrica, eram proibidos entre os radicais. Chegou a existir uma passeata com vários artistas contra a guitarra elétrica em 17 de julho de 1967, na cidade de São Paulo. E nela estava entre outros nomes, Gilberto Gil. O mesmo Gil que pouco depois fundou o movimento tropicalista com Caetano Veloso e se apresentou no Festival de 67 acompanhado do grupo Os Mutantes. Uma banda de rock irreverente até então desconhecida.

O tropicalismo foi uma afronta para os estudantes e o movimento de esquerda. Eles foram perseguidos, renegados, mas depois influenciados por tudo aquilo que não se resumia à música ou à guitarra elétrica. Mas, a um movimento de contracultura envolvendo música, cinema e teatro que sacudiu o país por esses dois anos e continua sendo um marco de influência até hoje. A quebra de padrões, o culto à liberdade de expressão, as misturas sonoras e de cores. As atitudes contra o pré-estabelecido. É difícil explicar toda essa efervescência, mas Marcelo Machado conseguiu com primor, não apenas pelo resgate de materiais raros e históricos, como pela forma didática e ao mesmo tempo inovadora com a qual costura seu filme. Sempre juntando estética e narrativa, contextualizando bem cada detalhe do passado, presente e, quem sabe futuro.

TropicáliaApós a abertura com Gil e Caetano em um programa de televisão em Lisboa e a vinheta que nos dá uma sensação de imersão, Machado que também assina o roteiro junto a Di Moretti nos leva até a posse de Costa e Silva em 66 para começar sua história. E todo o filme vai intercalando questões políticas com arte, seja na música, no teatro ou no cinema. A maior parte do material que vemos em tela é de arquivo. Enquanto a Tropicália existe, os poucos depoimentos recentes, são colocados em preto e branco, no centro da tela como uma televisão 4x3 em um muro rachado. Esse contraste do atual, reprimido ali, e o resto, aberto em tela cheia, já traz uma estética interessante. Que após o AI 5, que leva ao fim do tropicalismo e aos anos de chumbo, se modifica. Nessa parte, depoimentos recentes tomam a tela inteira, com apenas o depoente em um fundo preto e muitos fades para black total.

TropicáliaA montagem é pensada em detalhes. As fotos de arquivo nunca estão estáticas em tela. Há sempre um movimento de câmera para percorrê-la, ou um recorte que divide a tela ao ritmo da música, ou mesmo um recorte de um personagem com cores saltando à tela. Tudo é muito dinâmico, ágil, moderno, como não poderia deixar de ser ao retratar um movimento desse porte. Palmas para Oswaldo Santana pela montagem e Ricardo Fernandes pela direção de arte primorosas. Os detalhes são tantos que até a marcação de época, indicando os anos tem uma vinheta criativa.

Tropicália também tem valor histórico pela reunião de tanto material raro, muitos com imagens deterioradas que uma mão animada com fita crepe ajuda a colocar em cena, em brincadeiras divertidas. Mas, assim, vemos reuniões com Rita Lee, Nara Leão e Gal Costa no mesmo palco. Imagens de uma tentativa de diálogo entre Caetano e Gil em uma universidade. Cenas diversas de festivais da canção. Programas de televisão. Filmes. A mistura de imagens de Terra em Transe com a música de Caetano mesmo traz efeitos incríveis.

Mas, o retrato mais marcante do que foi o impacto daquele movimento transgressor é mesmo Gal Costa cantando Divino Maravilhoso, música que inspirou Glauber Rocha a citar para definir o caminho do cinema mundial em um filme de Godard (Vento do Leste). Gal era uma menina tímida vindo da Bahia, se apresentava em palco quase estática, soltando apenas a voz. Aparecer em um festival vestida daquele jeito, cantando um rock e gritando que "é preciso estar atento e forte, não temos tempo de temer a morte". Era mesmo sinal de que algo tinha mudado.

Os depoimentos atuais ajudam a construir o fio da narrativa, muitas vezes utilizados em voz over. E pela dinâmica que se impõe encaixam de uma forma tão fluida que tudo parece ter sido construído para aquilo. Mas, como não podia deixar de ser, Tom Zé rouba a cena ao tentar explicar o seu gráfico situacional. Parece mesmo que só ele continuou com o espírito daquela época.

Tropicália é mais do que um documentário musical. É um importante registro histórico de nossa cultura. Construído de uma maneira criativa, cuidadosa e encantadora. Então, "Viva a banda-da-da, Carmem Miranda-da-da-da-da".


Tropicália (Tropicália, 2012/ Brasil)
Direção: Marcelo Machado
Roteiro: Marcelo Machado e Di Moretti
Com: Gilberto Gil, Caetano Veloso, Tom Zé, Gal Costa, Arnaldo Baptista, Rita Lee
Duração: 82 min

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