
Na onda de remakes, esse ano sai a nova versão de
Carrie, A Estranha, baseado no livro de
Stephen King. Não é o primeiro
remake, é verdade, em 2002, uma versão para a televisão foi dirigida por
David Carson, com
Angela Bettis no papel de
Carrie. Mas, aquela que fica em nossa mente é mesmo a versão de 1976 de
Brian De Palma, com
Sissy Spacek no papel principal. E é dela que trazemos a cena ícone da história para uma análise.
Ao contrário do imaginário popular,
Carrie não é um
filme de
terror. É um drama, dos mais fortes que já vimos. Claro, ela tem poderes
paranormais, mas eles pouco se manifestam. Na verdade, aconteceu com
Carrie mais ou menos o que aconteceu com
A Escolha de Sofia, o clímax do
filme se tornou o resumo da trama, aquilo que ficou na mente e é comentado sempre que se fala nele. Talvez por isso, o anúncio de
spoiler nem seja necessário. Afinal, quem não sabe o que acontece no baile de formatura de
Carrie?

A menina
estranha, que é sempre perturbada no colégio, que se assusta com a primeira menstruação, que vive reclusa com uma mãe exageradamente católica, que vê
pecado em tudo. Ela que é convidada pelo garoto mais bonito para ser seu par no
baile de formatura e que lá sofre a maior decepção da vida, explodindo todos os seus poderes e matando todos os presentes. Engraçado que esse
plot de garota "patinho feio" no
baile com o popular do colégio, eleita
rainha do baile e tomando um balde de sujeira na cabeça já foi copiado em diversas outras histórias, inclusive em duas telenovelas brasileiras, Rainha da Sucata e Chocolate com Pimenta. Mas, parece que nunca perde a força.
De qualquer maneira, nada melhor do que a original. E
Brian De Palma construiu com um
suspense tão intenso que nos angustia mesmo já sabendo o final. Tudo começa com o anúncio do rei e rainha do
baile. Quando Carrie White e Tommy Ross (William Katt) são anunciados, uma música composta por Pino Donaggio começa. A trilha é doce, melosa, típica de sonho.
Carrie desliza para o palco quase não acreditando. A imagem tem um sutil
slow, e vários planos são intercalados entre o close nela e uma câmera subjetiva do seu olhar vendo as pessoas abrindo espaço para o palco.
Carrie chora e caminha como se flutuasse, é interessante como a câmera não mostra a reação de Tommy. Aliás, até esse momento, o espectador não sabe se ele e sua namorada Sue Snell (
Amy Irving) estão querendo ajudar
Carrie, ou fazem parte do plano de Chris Hargenson (
Nancy Allen). Toques tensos na trilha começam a nos preparar para o
suspense. Enquanto Tommy e
Carrie sobem no palco, vemos Chris escondida embaixo dele. Uma câmera subjetiva vê os pés dos dois subindo e depois, revela Billy Nolan (
John Travolta) também escondido.
É interessante como o som nos pauta aqui, para
Carrie e Tommy tudo ainda é um conto de fadas, quando os vemos, a música nos conduz nesse glamour. Quando a câmera revela para nós, espectadores, o que está prestes a acontecer, tons de tensão são ouvidos. Esse é o verdadeiro
suspense defendido por
Hitchcock, os espectadores têm informações que os personagens não têm e ficam tensos e ansiosos com isso.
Brian De Palma brinca com isso o tempo todo em cena, pontuando com a música. Temos uma geral do palco,
Carrie feliz, recebendo flores e um
plongée mostra em cima do palco o balde de sangue, nesse instante a trilha muda, pontuando a tensão no ritmo do balanço do balde.

Plano detalhe de Chris segurando a corda e close de Sue, a princípio feliz vendo a cena, mas já com a corda sendo mexida próxima a ela. Isso nos deixa confusos se ela está no plano. Volta para o
plongée e é assim que vemos
Carrie sendo coroada, a música tensa continua, estamos já visualizando a
tragédia. A câmera desce para o plano inteiro de
Carrie e Tommy no palco e a música melosa retorna. Mas, já estamos alarmados, aguardando a qualquer momento o balde ser virada. Então, a música acaba fazendo um outro efeito na gente, dando ainda mais angústia.
E para aumentar nossa angústia,
Brian De Palma vai para a plateia e faz um
travelling mostrando calmamente os rostos aplaudindo o casal. Fecha no rosto da professora e corta para
Carrie no palco, também com uma aproximação de câmera fechando o quadro até um
close na personagem em seu momento de
rainha. Planos detalhes de Chris e novo
close em Sue que agora percebe a
corda e se desespera. Esse movimento também é construído sem pressa, nos deixando ainda mais agoniados. Seu olhar sobe aos poucos, e vai fazendo o caminho da corda até o balde. Agora, podemos ouvir o som do ambiente. As palmas contrastam com a trilha tensa e mesmo cortando para um
close da professora aplaudindo e sorrindo, a trilha não muda.

A professora vê Sue olhando para cima e entende errado a situação. Sue observa o balde, uma fita da decoração cai lá de cima bem lentamente e pousa na cabeça de
Carrie, fazendo-a perceber onde o conteúdo do balde irá cair. Uma figura de linguagem genial.
Close em Sue, close na professora, plano médio do casal se beijando no palco e nosso desespero aumenta. Provavelmente a professora achou que o namorado de Sue beijando Carrie no
palco fosse motivo para ela se vingar, pois não deixa a menina se explicar. Ao vê-la correndo na direção do palco, a segura e tira do local. Mais uma vez, nós espectadores, temos informações privilegiadas, pois antes vimos Sue acompanhar novamente o caminho da
corda e ver o vulto embaixo do palco a segurando.

Planos curtos, ainda que os cortes não sejam tão rápidos vão pontuando a chegada do clímax. Sue tentando convencer a professora. Tommy e
Carrie sorrindo para a plateia. Chris embaixo do palco, detalhes de seu olhar, de sua boca, de sua mão. O
balde balançando lá em cima. E quando a professora finalmente tira Sue dali, ele cai. Tudo orquestrado de uma maneira impressionante. Quando o balde termina de cair, silêncio. Não há mais trilha, as palmas cessam e só ouvimos o som de líquido caindo. Uma das meninas começa a dar risada e não ouvimos essa risada, apenas o som do líquido. Tommy olha para cima, xinga perguntando o que é aquilo e a gente também não ouve, apenas lê seus lábios.
Quando o
balde cai na cabeça de Tommy e ele desmaia, ainda no silêncio completo, sem o som ambiente,
Carrie olha para Tommy no chão e lembra das palavras da mãe dizendo que todos iriam rir dela. Então, começamos a ouvir as risadas, demonstrando que todo aquele som que ouvimos desde que o
balde cai é o som que
Carrie "ouve". Ela entra numa
confusão mental da
vergonha que está passando, já que muita gente que ela vê rindo, com certeza não estava fazendo isso, como a professora. Tudo faz parte de sua fantasia, de seu medo, tanto que
Brian De Palma utiliza um recurso da imagem no centro e a repetição da mesma girando ao redor desta, para mostrar a plateia rindo.

É então que ela tem uma virada, e, do desespero, entra em um
transe. Fecha todas as portas e começa a explodir tudo com o seu
poder mental. A montagem é feita com telas divididas mostrando o olhar de
Carrie e tudo o que ela vai mexendo. É interessante como essa divisão realmente funciona para mostrar o que a personagem vê, tanto que sua imagem é deslocada da direita para a esquerda, quando o objeto observado está do outro lado. A fotografia muda, fica em tom avermelhado, pois a própria
Carrie liga o holofote vermelho e direciona para o salão. E, naquele clima de
terror, todos tentam desesperadamente sair dali.
Carrie faz uma mangueira molhar a todos, inclusive a fiação, que causa curto-circuitos e consequentemente o
fogo que mata a todos. Chris e Billy vêem tudo pelo lado de fora e também se desesperam.

Quando todo o salão está pegando
fogo,
Carrie sai andando calmamente em meio ao caos, deixando sua imagem ainda mais aterrorizadora. Nós, que sentíamos pena e nos solidarizamos com ela, agora temos
medo. Aquela figura
estranha, coberta de
sangue, com um olhar perdido, andando com os braços travados, sempre para frente. Ela ainda tem tempo de encontrar Billy e Chris no caminho, matando-os. Só Sue sobrevive. Não por acaso, esse ficou sendo conhecido como um dos
filmes de
terror mais marcantes da história. Essa
cena fez a fama.
Pena que não encontrei-a na íntegra na internet. Aqui, a
cena com a trilha sonora por cima, sem os efeitos e sons ambientes que estão no original. Apenas para ilustrar.