
Entre fantasia e fatos históricos,
Steven Spielberg sempre buscou a emoção em seus
filmes. É sua forma de se comunicar com as plateias, buscando sempre dispositivos que acessem o íntimo para que se identifiquem, chorem e sorriam junto com os personagens. E com
Amistad não foi diferente.
A trama narra a história verídica do barco
La Amistad que foi encontrado pela marinha norte-americana em pleno oceano após a tripulação de
escravos se libertar e atacar os comandantes espanhóis que os levavam clandestinamente para serem vendidos. Em solo americano, uma batalha judicial é travada, opondo o governo espanhol que reclama os
escravos, a dupla que os havia comprado, o
governo norte-americano na figura do presidente Martin Van Buren, que tenta se reeleger, e um grupo abolicionista que tenta fazer justiça.

O roteiro de
David Franzoni usa a velha e boa estratégia do herói para facilitar a empatia do público, humanizando o drama do grupo de africanos na figura de Cinque, muito bem defendido por
Djimon Hounsou. O personagem se torna uma espécie de líder do grupo, desde a revolta inicial no navio, até o final do julgamento. Ele é a voz daquele povo que encontra-se a um passo da
escravidão de fato, mas continuam sonhando com o retorno à sua terra.
Através do drama de Cinque, nos tornamos próximos do drama daqueles seres, coisificados de uma maneira desumana. As cenas no
navio negreiro, principalmente nas memórias de Cinque, são estarrecedoras. Vide uma cena em que ele observa dois colegas sendo chicoteados até a
morte, e o sangue voa em sua face. Ou quando um grupo é simplesmente lançado ao mar amarrados a um amontoado de pedras.
Steven Spielberg constrói o
filme não apenas com texto, mas com imagens, muitas vezes em construções bastante felizes. Como quando o navio
Amistad passa por um navio de luxo, construindo uma comparação bastante incômoda. Ou quando o personagem de
Morgan Freeman entra no navio e demonstra a visível indisposição diante do que aquilo representa para o seu povo. A fotografia nas cenas em que estão no navio é sempre mais densa, quase na penumbra, com fumaça inclusive.
Outra coisa que chama a atenção, apesar do tom apelativo, é a comparação com a trajetória de Jesus Cristo. Um dos companheiros de Cinque começa a acompanhar e compreender as imagens na
Bíblia que lhe entregam. A cena em que ele explica a história do Cristo para Cinque e logo depois observa o navio negreiro com as "cruzes" dos mastros, possue a
metáfora explícita da comparação das duas circunstâncias.

De qualquer maneira, o tema já é propício para fortes
emoções, cada etapa do julgamento que vai parar até na Suprema Corte tem sua dose de apelo emotivo. Destaque para o discurso do personagem de
Anthony Hopkins carregado de argumentos fortes e inteligentes que nos envolve e faz vibrar com cada acerto. A cena em que Cinque conta a história do leão também possui uma construção de efeitos próprios do choro, inclusive quando o personagem de
Chiwetel Ejiofor ri ao traduzir a pedra para o personagem de
Matthew McConaughey, e basta o tom de voz de
Djimon Hounsou para fazê-lo perceber que não é motivo para risada. O desfecho da família de Cinque também é outro momento de emoção extrema.
Amistad está longe de ser um dos melhores
filmes de
Spielberg, porém tem sua importância histórica e cenas muito bem trabalhadas. A mancha da
escravidão em nossa história recente ainda é uma ferida aberta e é sempre bom reforçar o valor da vida humana. O caso do navio
Amistad foi apenas um em muitos, mas o seu recorte já traz simbolismos suficientes para refletir sobre o todo.
Amistad (Amistad, 1997 / EUA)
Direção: Steven Spielberg
Roteiro: David Franzoni
Com: Djimon Hounsou, Matthew McConaughey, Anthony Hopkins, Morgan Freeman, Nigel Hawthorne
Duração: 155 min.