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Jean-Claude Bernardet
Marcelo Gomes
Paulo André
Sílvia Lourenço
O Homem das Multidões
O Homem das Multidões
A partir de um conto de Edgar Allan Poe, a dupla Marcelo Gomes e Cao Guimarães faz um tratado sobre a solidão nos grandes centros. Um filme poético e instigante, ainda quem em muitos momentos pareça completamente sem sentido.
Juvenal e Margô são dois solitários. Tão solitários que ela o convida para ser padrinho de seu casamento por não ter mais ninguém a chamar. E ele quase não aceita por não entender o sentido de tudo isso. Ele é condutor de trem do metrô, ela controladora de fluxo dos trens. Se encontram nos intervalos, e, aos poucos, ela vai se aproximando. Mas, nunca se estabelece de fato uma relação entre eles.
A primeira coisa que chama a atenção no filme é a razão de aspecto da tela. No formato de um iPad ou celular, o filme se enclausura em uma janela que acaba refletindo a realidade de ambos os personagens. Margô vive através da internet. Conheceu lá o seu noivo e todos os seus pseudo-amigos são de lá. Já Juvenal vive em função de sua profissão. E a janela pode se assemelhar também à janela do metrô. Até quando limpa a casa ele repete o movimento e sons de um trem.
Ambos estão presos e o espectador se sente preso junto. Tão preso que, à medida que o filme vai se desenvolvendo, vamos nos acostumando com aquele pequeno espaço. E, assim, acabamos entendendo e experimentando um pouco da acomodação dos dois naquela espécie de vida sem cores ou sentido onde até o momento de lazer é regado com copos d´água. O líquido mais básico que apenas supre a necessidade de hidratação, sem gosto, sem tons. Uma vida sem sabor.
A solidão e falta de sentido de ambos que se aproxima em diversos aspectos, se afasta em tantos outros. Principalmente na forma de se relacionar com a multidão. Juvenal parece buscá-la, para se confundir em meio a ela, sem ser notado. Margô a repele. Isso fica claro em uma cena onde ambos, em momentos distintos, entram em um ônibus. Ela prefere esperar e não entrar em um ônibus lotado, enquanto ele entra em um praticamente vazio e senta na cadeira ao lado o único outro passageiro.
Contemplativo de uma rotina sufocante, O Homem das Multidões traz seus percalços. Até porque nos incomoda tanta inércia, seja porque também o somos um pouco, seja porque não acreditamos que alguém possa ser tão acomodado. Basta observar a casa de Juvenal. O fogão abandonado, cheio de caixas em cima. A sala e cozinha sem divisórias e quase sem móveis. O único copo para beber água, que parece ser o único "alimento" que ali entra.
Ao mesmo tempo, ela parece tão carente de atenção, mendigando um amigo real. Seu convite de casamento exposto no mural e o resultado da festa. O noivo que se torna tão insignificante a ponto de não precisar de um ator para interpretá-lo. O pai que se comunica com ela de uma maneira tão simples. E esse novo quase amigo que ela compra como padrinho e se apega como tabua de salvação em um mundo inóspito.
O Homem das Multidões não é um filme simples. É incômodo. Busca nos tirar da zona de conforto, nos remexer na cadeira. Exagera em alguns pontos. Não funciona perfeitamente em outros. Mas, traz um retrato desse novo ser, que parece tão bem e estável nas redes sociais, mas esconde uma solidão profunda.
O Homem das Multidões (O Homem das Multidões, 2014 / Brasil)
Direção: Marcelo Gomes, Cao Guimarães
Roteiro: Marcelo Gomes, Cao Guimarães
Com: Paulo André, Sílvia Lourenço, Jean-Claude Bernardet
Duração: 95 min.
Juvenal e Margô são dois solitários. Tão solitários que ela o convida para ser padrinho de seu casamento por não ter mais ninguém a chamar. E ele quase não aceita por não entender o sentido de tudo isso. Ele é condutor de trem do metrô, ela controladora de fluxo dos trens. Se encontram nos intervalos, e, aos poucos, ela vai se aproximando. Mas, nunca se estabelece de fato uma relação entre eles.
A primeira coisa que chama a atenção no filme é a razão de aspecto da tela. No formato de um iPad ou celular, o filme se enclausura em uma janela que acaba refletindo a realidade de ambos os personagens. Margô vive através da internet. Conheceu lá o seu noivo e todos os seus pseudo-amigos são de lá. Já Juvenal vive em função de sua profissão. E a janela pode se assemelhar também à janela do metrô. Até quando limpa a casa ele repete o movimento e sons de um trem.
Ambos estão presos e o espectador se sente preso junto. Tão preso que, à medida que o filme vai se desenvolvendo, vamos nos acostumando com aquele pequeno espaço. E, assim, acabamos entendendo e experimentando um pouco da acomodação dos dois naquela espécie de vida sem cores ou sentido onde até o momento de lazer é regado com copos d´água. O líquido mais básico que apenas supre a necessidade de hidratação, sem gosto, sem tons. Uma vida sem sabor.
A solidão e falta de sentido de ambos que se aproxima em diversos aspectos, se afasta em tantos outros. Principalmente na forma de se relacionar com a multidão. Juvenal parece buscá-la, para se confundir em meio a ela, sem ser notado. Margô a repele. Isso fica claro em uma cena onde ambos, em momentos distintos, entram em um ônibus. Ela prefere esperar e não entrar em um ônibus lotado, enquanto ele entra em um praticamente vazio e senta na cadeira ao lado o único outro passageiro.
Contemplativo de uma rotina sufocante, O Homem das Multidões traz seus percalços. Até porque nos incomoda tanta inércia, seja porque também o somos um pouco, seja porque não acreditamos que alguém possa ser tão acomodado. Basta observar a casa de Juvenal. O fogão abandonado, cheio de caixas em cima. A sala e cozinha sem divisórias e quase sem móveis. O único copo para beber água, que parece ser o único "alimento" que ali entra.
Ao mesmo tempo, ela parece tão carente de atenção, mendigando um amigo real. Seu convite de casamento exposto no mural e o resultado da festa. O noivo que se torna tão insignificante a ponto de não precisar de um ator para interpretá-lo. O pai que se comunica com ela de uma maneira tão simples. E esse novo quase amigo que ela compra como padrinho e se apega como tabua de salvação em um mundo inóspito.
O Homem das Multidões não é um filme simples. É incômodo. Busca nos tirar da zona de conforto, nos remexer na cadeira. Exagera em alguns pontos. Não funciona perfeitamente em outros. Mas, traz um retrato desse novo ser, que parece tão bem e estável nas redes sociais, mas esconde uma solidão profunda.
O Homem das Multidões (O Homem das Multidões, 2014 / Brasil)
Direção: Marcelo Gomes, Cao Guimarães
Roteiro: Marcelo Gomes, Cao Guimarães
Com: Paulo André, Sílvia Lourenço, Jean-Claude Bernardet
Duração: 95 min.
Amanda Aouad
Crítica afiliada à Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema), é doutora em Comunicação e Cultura Contemporâneas (Poscom / UFBA) e especialista em Cinema pela UCSal. Roteirista profissional desde 2005, é co-criadora do projeto A Guardiã, além da equipe do Núcleo Anima Bahia sendo roteirista de séries como "Turma da Harmonia", "Bill, o Touro" e "Tadinha". É ainda professora dos cursos de Jornalismo e Publicidade e Propaganda da Unifacs e da Uniceusa. Atualmente, faz parte da diretoria da Abraccine como secretária geral.
O Homem das Multidões
2014-08-16T08:30:00-03:00
Amanda Aouad
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