Tomboy
Em 1999, Kimberly Peirce trouxe aos cinemas o forte Meninos Não Choram. Guardadas as devidas proporções, Tomboy é uma espécie de versão pré-adolescente da obra, onde a descoberta da sexualidade ainda não é um ponto central para a protagonista que apenas se sente um menino em gestos e gostos.
Laure é uma menina delicada e amorosa com seus pais e sua irmãzinha Jeanne. Mas, seus hábitos não parecem condizentes com os de uma menina. Suas roupas largas e masculinas, seu desejo de se identificar com os garotos do novo bairro em que vai morar, inclusive imitando gestuais, e seu corpo ainda em formação fazem com que ela se passe facilmente por um menino tímido. E assim que sua nova vizinha a confunde com um garoto, ela não desmente e passa a viver duas vidas.
A delicadeza com que Céline Sciamma lida com o tema chama a atenção. Nada é exagerado ou nem visa a polêmica pura e simples. Vamos conhecendo Laure e suas atitudes aos poucos, mesmo a revelação de que ela é uma garota é feita com calma na apresentação da personagem. Temos detalhes como a orelha furada, ainda que sem brinco. E ela brincando com a irmã na banheira de maneira extremamente natural. Mas, suas roupas, cabelo e postura corporal nos lembram um menino. Tudo é feito para nos deixar na dúvida e assim, comprar a ideia de que as crianças da vizinhança também se confundiram.
O filme lida o tempo todo com o suspense e a expectativa. Em diversos momentos, temos a sensação eminente da descoberta da verdade. Criamos a empatia com a protagonista e nos preocupamos com ela, logo tememos que seja descoberta de uma maneira vexatória. As cenas, então, se tornam extremamente tensas, cada gesto, cada detalhe é motivo para tensão como uma sunga improvisada que pode cair ou um flagra em meio ao bosque.
A situação com a irmãzinha Jeanne também é bem construída, primeiro nessa tensão também da possível descoberta. Depois na cumplicidade e até mesmo admiração que a garotinha demonstra de "seu irmão mais velho". É delicada e bonita a relação das duas, a compreensão simples e ingênua da criança que vê a situação como algo natural, ao contrário de um adulto que vê o erro. Mas, o que é o erro, o filme pode questionar? A mentira nunca é algo bom, verdade, mas a verdade daquela garota é se sentir um menino, e isso é que sua irmã menor entende de maneira tão fácil, sem maldades, sem noção de consequências.
Da mesma maneira, Laure vai se envolvendo com Lisa, sem tomar consciência dos erros e possíveis consequências dos seus atos. É um amor puro, uma atração que não possui ainda conotações sexuais ou pelo menos noção disso. Uma identificação, vontade de estar junto. O problema é a garotinha não saber que está se relacionando com outra menina. Mas, o como resolver isso de uma maneira ok é que precisaria de psicologia infantil um pouco maior. Na obra não há espaço para isso.
O ritmo de Tomboy é lento, sem ser cansativo, em uma estética realista de acompanhamento da rotina. A construção constante da expectativa também é enriquecida com a observação. A nossa em relação a Laure e a menina em relação a seus coleguinhas. Estamos o tempo todo nessa posição de aprendizado a partir do que vemos. Tudo de maneira muito natural e cuidadosa.
Tomboy é um filme que nos emociona por sua verdade, tratando um tema delicado de uma maneira tão natural e nos mostrando que as coisas sempre tendem a se organizar.
Tomboy (Tomboy, 2011 / França)
Direção: Céline Sciamma
Roteiro: Céline Sciamma
Com: Zoé Héran, Malonn Lévana, Jeanne Disson
Duração: 82 min.
Laure é uma menina delicada e amorosa com seus pais e sua irmãzinha Jeanne. Mas, seus hábitos não parecem condizentes com os de uma menina. Suas roupas largas e masculinas, seu desejo de se identificar com os garotos do novo bairro em que vai morar, inclusive imitando gestuais, e seu corpo ainda em formação fazem com que ela se passe facilmente por um menino tímido. E assim que sua nova vizinha a confunde com um garoto, ela não desmente e passa a viver duas vidas.
A delicadeza com que Céline Sciamma lida com o tema chama a atenção. Nada é exagerado ou nem visa a polêmica pura e simples. Vamos conhecendo Laure e suas atitudes aos poucos, mesmo a revelação de que ela é uma garota é feita com calma na apresentação da personagem. Temos detalhes como a orelha furada, ainda que sem brinco. E ela brincando com a irmã na banheira de maneira extremamente natural. Mas, suas roupas, cabelo e postura corporal nos lembram um menino. Tudo é feito para nos deixar na dúvida e assim, comprar a ideia de que as crianças da vizinhança também se confundiram.
O filme lida o tempo todo com o suspense e a expectativa. Em diversos momentos, temos a sensação eminente da descoberta da verdade. Criamos a empatia com a protagonista e nos preocupamos com ela, logo tememos que seja descoberta de uma maneira vexatória. As cenas, então, se tornam extremamente tensas, cada gesto, cada detalhe é motivo para tensão como uma sunga improvisada que pode cair ou um flagra em meio ao bosque.
A situação com a irmãzinha Jeanne também é bem construída, primeiro nessa tensão também da possível descoberta. Depois na cumplicidade e até mesmo admiração que a garotinha demonstra de "seu irmão mais velho". É delicada e bonita a relação das duas, a compreensão simples e ingênua da criança que vê a situação como algo natural, ao contrário de um adulto que vê o erro. Mas, o que é o erro, o filme pode questionar? A mentira nunca é algo bom, verdade, mas a verdade daquela garota é se sentir um menino, e isso é que sua irmã menor entende de maneira tão fácil, sem maldades, sem noção de consequências.
Da mesma maneira, Laure vai se envolvendo com Lisa, sem tomar consciência dos erros e possíveis consequências dos seus atos. É um amor puro, uma atração que não possui ainda conotações sexuais ou pelo menos noção disso. Uma identificação, vontade de estar junto. O problema é a garotinha não saber que está se relacionando com outra menina. Mas, o como resolver isso de uma maneira ok é que precisaria de psicologia infantil um pouco maior. Na obra não há espaço para isso.
O ritmo de Tomboy é lento, sem ser cansativo, em uma estética realista de acompanhamento da rotina. A construção constante da expectativa também é enriquecida com a observação. A nossa em relação a Laure e a menina em relação a seus coleguinhas. Estamos o tempo todo nessa posição de aprendizado a partir do que vemos. Tudo de maneira muito natural e cuidadosa.
Tomboy é um filme que nos emociona por sua verdade, tratando um tema delicado de uma maneira tão natural e nos mostrando que as coisas sempre tendem a se organizar.
Tomboy (Tomboy, 2011 / França)
Direção: Céline Sciamma
Roteiro: Céline Sciamma
Com: Zoé Héran, Malonn Lévana, Jeanne Disson
Duração: 82 min.
Amanda Aouad
Crítica afiliada à Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema), é doutora em Comunicação e Cultura Contemporâneas (Poscom / UFBA) e especialista em Cinema pela UCSal. Roteirista profissional desde 2005, é co-criadora do projeto A Guardiã, além da equipe do Núcleo Anima Bahia sendo roteirista de séries como "Turma da Harmonia", "Bill, o Touro" e "Tadinha". É ainda professora dos cursos de Jornalismo e Publicidade e Propaganda da Unifacs e da Uniceusa. Atualmente, faz parte da diretoria da Abraccine como secretária geral.
Tomboy
2015-06-13T08:30:00-03:00
Amanda Aouad
Céline Sciamma|cinema europeu|critica|drama|Jeanne Disson|Malonn Lévana|Zoé Héran|
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