
O filme é inspirado no livro homônimo de Fernando Morais, mas não pode ser considerado exatamente uma cinebiografia de Assis Chateaubriand. Realidade, história e delírio se misturam na mente da personagem que sofre uma trombose na cerimônia de coroação da rainha Elizabeth e, em coma no hospital, rememora sua vida enquanto um estranho julgamento acontece em um programa de auditório televisivo.

De qualquer maneira, a intenção de Guilherme Fontes não é fazer uma cinebiografia, mas partir de uma figura pública para criar ficção, tal qual Jô Soares já tinha feito em O Homem que Matou Getúlio, e tantos outros já fizeram no cinema, no teatro ou na literatura. Mais do que isso, ele se apropria de Chatô para construir uma sátira ao Brasil, não por acaso o julgamento do protagonista acontece em um programa de auditório e sua história se mescla à própria história do país com suas artimanhas e golpes políticos.

Ao colocar o centro do julgamento na tela da televisão em um show de horrores comandado por um animador que tem elementos de Chacrinha e Silvio Santos, temos o bolo da cereja. Mais do que isso, ao interpretar ele mesmo essa figura emblemática, Fontes de certa maneira, mesmo que inconscientemente, reencena o circo que se formou em torno da produção de Chatô, com todos os erros administrativos, e questões mal amparadas pelos editais. Não há culpados ou vítimas, apenas mais um capítulo esdrúxulo de nossa história.

Vi alguns comparando a Cidadão Kane. A comparação é óbvia pela história dos protagonistas e porque ele busca do leito de morte compreender aquela figura e sua importância para a história da comunicação do país. Mas, óbvio também que a comparação acaba por aí, afinal, não há no filme Chatô inovações na linguagem cinematográfica, há apenas uma boa utilização dos recursos que tinha em mãos. Utilizados com inteligência, é verdade, mas que não revolucionam nossa história. Não nos deixemos levar pela empolgação.
O maior feito de Chatô é o filme existir e ser bom depois de tantas intempéries para ser realizado. É ver uma coerência interna que nos leva a uma viagem fílmica agradável e, por que não, surpreendente. Criatividade e um ótimo elenco, ainda que com sérios problemas administrativos. Um filme que já estreia entrando para a história.
Chatô - O Rei do Brasil (2015 / Brasil)
Direção: Guilherme Fontes
Roteiro: Guilherme Fontes, João Emanuel Carneiro
Com: Marco Ricca, Andréa Beltrão, Paulo Betti, Leandra Leal, Letícia Sabatella, Eliane Giardini, Gabriel Braga Nunes, Zezé Polessa, Walmor Chagas, José Lewgoy, Marcos Oliveira
Duração: 102 min.