Jack e a Mecânica do Coração
É uma pena que Jack e a Mecânica do Coração tenha ido direto para home video no Brasil. Essa animação francesa é uma pequena pérola que cria uma metáfora extremamente sensível do amor. Um filme para adolescentes, mas que conquista adultos de todas as idades por sua poesia. E lindo de ver na tela grande graças ao FICI.
Jack é um garoto especial que nasceu naquele que foi considerado o dia mais frio do ano. Sua parteira foi uma feiticeira que vive em uma montanha e, ao perceber que seu coração nasceu congelado, ela o trocou por uma mecânica engenhosa de um relógio cuco. Para sobreviver, Jack só precisava seguir três regras: nunca mexer nos ponteiros, manter-se calmo e jamais se apaixonar.
Através da fantasia de uma feiticeira e essa mecânica capaz de criar um coração relógio, o filme constrói sua metáfora do amor. Madeleine, a feiticeira, acaba tomando Jack para si, pois só ela entende sua mecânica. Sua mãe biológica vê isso e o deixa lá com ela. A feiticeira, então, é a mãe do garoto que teme que ele sofra ou que cresça e a abandone. Nisso, reside a terceira regra.
Segundo Madeleine, o coração de Jack jamais suportaria as dores do amor correspondido, ou, pior, não correspondido. Porque dói mesmo, dói amar e não ser amado. Dói amar e ser amado, mas ter dificuldades de manter esse amor. Dói amar e ter que escolher entre o novo amor e o antigo (a família). É isso que Georges Méliès tenta demonstrar a Jack quando o conhece: ele precisa arriscar viver, em vez de viver com medo de amar.
Aliás, a inserção de Georges Méliès na trama tem pontos positivos e negativos. O negativo é que eles simplesmente ignoram os Lumière, fazendo com que o mágico invente o cinematógrafo. Isso não parece muito justo com os irmãos inventores, ainda que concorde que Méliès foi quem de fato inventou o cinema ao usar o experimento como fábrica de sonhos e não apenas como registro científico.
Já o positivo é ampliar a metáfora de Jack e seu coração mecânico ao trazer a ilusão do cinema e a fábrica de sonhos. Através de sua tela, Jack tem sua jornada amorosa ainda mais bela e intrigante. Com momentos de pura beleza como a encenação de fantoches. Aliás, todo o filme traz momentos de pura arte, já que é um musical e traz também elementos do circo e de um parque de diversões.
Um ponto interessante da metáfora do coração apaixonado está na própria interpretação de Madeleine para isso. Toda mãe vê seu filho como um ser frágil e não espera que ele cresça. Ou, mesmo que ele cresça, sempre o verá com olhos de quando ele era criança frágil precisando de ajuda e proteção. Tudo que ela quer é proteger o garoto e vê-lo se apaixonar é uma dor que ela não consegue lidar, por isso tenta protegê-lo.
A animação em 3D é também bem construída, tendo uma estética gótica que lembra as obras de Tim Burton. Os duelos de Jack com o Joe são bastante sombrios, com um jogo estético intrigante de ampliar o personagem adversário através das sombras. Já as cenas dele com Acácia, mesmo quando com tons mais densos sempre tem cores vivas que dão um aspecto quente.
Jack e a Mecânica do Coração é daquelas animações que mereciam mais destaque. Lembra, em alguns pontos o sucesso Festa no Céu, daquelas obras que nos encanta em diversos aspectos.
Filme visto no 14º Festival Internacional de Cinema Infantil - FICI.
Jack e a Mecânica do Coração (Jack et la mécanique du coeur, 2015 / França)
Direção: Stéphane Berla, Mathias Malzieu
Roteiro: Mathias Malzieu
Duração: 94 min.
Amanda Aouad
Crítica afiliada à Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema), é doutora em Comunicação e Cultura Contemporâneas (Poscom / UFBA) e especialista em Cinema pela UCSal. Roteirista profissional desde 2005, é co-criadora do projeto A Guardiã, além da equipe do Núcleo Anima Bahia sendo roteirista de séries como "Turma da Harmonia", "Bill, o Touro" e "Tadinha". É ainda professora dos cursos de Jornalismo e Publicidade e Propaganda da Unifacs e da Uniceusa. Atualmente, faz parte da diretoria da Abraccine como secretária geral.
Jack e a Mecânica do Coração
2016-10-28T08:30:00-03:00
Amanda Aouad
animacao|critica|fici2016|infantil|Mathias Malzieu|Stéphane Berla|
Assinar:
Postar comentários (Atom)
cadastre-se
Inscreva seu email aqui e acompanhe
os filmes do cinema com a gente:
os filmes do cinema com a gente:
No Cinema podcast
anteriores deste site
mais populares do site
-
Em cartaz nos cinemas com o filme Retrato de um Certo Oriente , Marcelo Gomes trouxe à abertura do 57º Festival do Cinema Brasileiro uma ...
-
O Soterópolis programa cultural da TVE Bahia, fez uma matéria muito interessante sobre blogs baianos. Esta que vos fala deu uma pequena con...
-
O Festival de Brasília do Cinema Brasileiro , em sua 57ª edição, reafirma sua posição como o mais longevo e tradicional evento dedicado ao c...
-
Casamento Grego (2002), dirigido por Joel Zwick e escrito por Nia Vardalos , é um dos filmes mais emblemáticos quando o assunto é risco e...
-
Cinema Sherlock Homes O filme de destaque atualmente é esta releitura do clássico do mistério pelas mãos de Guy Ritchie. O ex de Madonna p...
-
Fui ao cinema sem grandes pretensões. Não esperava um novo Matrix, nem mesmo um grande filme de ação. Difícil definir Gamer, que recebeu du...
-
O CinePipocaCult adverte: se você sofre de claustrofobia, síndrome do pânico ou problemas cardíacos é melhor evitar esse filme. Brincadeiras...
-
Eletrizante é a melhor palavra para definir esse filme de Tony Scott . Que o diretor sabe fazer filmes de ação não é novidade, mas uma tra...
-
Oito anos após Moana conquistar o oceano e nossos corações, a jovem polinésia retorna às telas em uma nova aventura que se passa três ano...