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Divines
Realizado no subúrbio da França, com atores imigrantes e tendo duas mulheres como protagonistas, Divines é daqueles filmes que trazem a representatividade para as telas com verdade e emoção, sem precisar se forçar a ser politicamente correto. Não por acaso foi o vencedor do Câmera de Ouro do Festival de Cannes desse ano.
A trama gira em torno da jovem Dounia e sua melhor amiga Maimouna que desejam enriquecer a qualquer custo. Com isso, acabam se envolvendo com uma traficante local e construindo uma trajetória onde precisam aprender a lidar com esse mundo tão masculino e agressivo. Na verdade, as duas nunca foram muito dentro da lei, um dos principais hobbies era assaltar o supermercado local. E nem por isso, deixam de ser meninas sonhadoras.
Esse é um dos pontos mais interessantes da obra. Não há esterótipos. Tanto as duas garotas quanto a traficante local, Rebecca, possuem construções complexas. São femininas, podendo ser frágeis e fortes ao mesmo tempo. Não se submetem aos homens, nem estão em busca deles, e não por isso são homossexuais. Ou seja, são mulheres heterossexuais que não tem a vida girando em torno do homem, mas de seus próprios interesses. E isso, talvez, seja o maior clichê quebrado pela obra. Não que exista problema em ser homossexual, mas isso acaba sendo um dos preconceitos em relação a luta feminista, como se uma mulher independente fosse sinônimo de homossexual. E muitos filmes acabam reforçando esse estereótipo.
O fato de serem de famílias imigrantes no subúrbio francês também trazem questões interessantes, como a própria relação com a religião da família de Maimouna. Ou as dificuldades de vencer na vida e possibilidades que lhes são apresentadas na escola como o treinamento para ser atendente que faz Dounia ter um acesso de raiva. A vida precisa ser mais do que isso.
E esse sonho de vencer na vida é o combustível da obra, representado em uma bela cena em que as duas amigas fingem estar dando um passeio em uma Ferrari. A pureza com que elas vão inventando as situações, a felicidade estampada nos rostos delas e o contraste do cenário ao fundo extremamente pobre cria um clima único que resume bem personagens, realidade e projeções.
Outra construção poética é a relação entre Dounia e o jovem dançarino Djigui. A curiosidade que beira o voyeurismo começa com uma simples brincadeira ingênua, uma implicância, mas que vai crescendo e reforçando a questão do sonho e projeção de um mundo para além daquela realidade. Para ambos, já que ele também não tem uma vida fácil. E é interessante que apesar de existir uma projeção romântica, essa é uma subtrama que nunca chega a ficar em primeiro plano na vida de Dounia.
Divines é um filme realista que vai crescendo em conceito à medida que vamos embarcando naquela história. Os atores trazem uma verdade impressionante para a tela, nos deixando ainda mais envolvidos e mexidos com aquela realidade e suas consequências. Talvez por isso faça tanto sucesso. Não é comum vermos diversidade, representatitividade e realidade de uma maneira tão crua e ao mesmo tempo sensível e poética em cena. Um filme que merece ser conhecido.
Divines (Divines, 2016 / França)
Direção: Houda Benyamina
Roteiro: Houda Benyamina, Romain Compingt, Malik Rumeau
Com: Oulaya Amamra, Déborah Lukumuena, Kevin Mischel, Jisca Kalvanda, Yasin Houicha
Duração: 105 min.
Amanda Aouad
Crítica afiliada à Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema), é doutora em Comunicação e Cultura Contemporâneas (Poscom / UFBA) e especialista em Cinema pela UCSal. Roteirista profissional desde 2005, é co-criadora do projeto A Guardiã, além da equipe do Núcleo Anima Bahia sendo roteirista de séries como "Turma da Harmonia", "Bill, o Touro" e "Tadinha". É ainda professora dos cursos de Jornalismo e Publicidade e Propaganda da Unifacs e da Uniceusa. Atualmente, faz parte da diretoria da Abraccine como secretária geral.
Divines
2016-12-14T08:30:00-03:00
Amanda Aouad
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