Como você me vê?
O que é atuar? É um produto? É uma profissão como outra qualquer? É arte? É glamour? O que faz uma pessoa decidir seguir pelo caminho das artes cênicas? No documentário "Como você me vê?", vinte e oito atores e atrizes, experientes e iniciantes conversam com Felipe Bond sobre seu ofício, refletindo sobre sobre tudo que o cerca de maneira aberta e franca.
A estrutura do documentário começa flertando com uma espécie de metalinguagem, com parte do ensaio de Julião Adrião para seu espetáculo “A Descoberta das Américas”. A performance vai intercalar todo o roteiro que, em determinado momento, traz também Leticia Sabatella declamando uma parte de "Ilíada". E ainda Gracindo Júnior e seus filhos, Gabriel e Pedro, repetindo "Cântico Negro", do português José Régio, texto que todos já interpretaram e tem como intérprete mais famoso o pai / avô Paulo Gracindo.
Momentos pontuais poderiam ser mais explorados, porque "Como você me vê?" se baseia, essencialmente em depoimentos. Muitos dentro do próprio teatro, seja no palco, na plateia ou no camarim, o que nos lembra um pouco a ideia de Eduardo Coutinho em Jogo de Cena. E alguns na residência do entrevistado, como no caso de Cássia Kiss. Mas não há nos depoimentos um "jogo de cena", sendo apenas entrevistas tradicionais sobre o livre pensar de cada um deles.
A montagem, no entanto, é feliz ao construir esses depoimentos os fazendo dialogar com os temas, afinal temos diversos pontos de vista, com atores e atrizes de todos os tipos e com vivência também diversa. Isso ajuda a ampliar o tema para nos mostrar todas as vertentes de uma profissão que é dura e que dificilmente é estável. Chega a ser irônico em alguns momentos, por pontos de vistas divergentes. Ou doces em outros quando um pensamento complementa o outro. Tem ainda uma troca de elogios entre Cássia Kiss e Matheus Nachtergaele que se torna emocionante por falarem sobre a atuação como ato de oração.
O glamour que aqui no país cerca as personalidades da telenovela é fugaz e apenas uma parte muito pequena dessa rotina. Poucos chegam ali e menos ainda permanecem por muito tempo, como contratados. Mas o que o filme busca nos mostrar em alguns depoimentos é que isso não é a finalidade principal da profissão. A novela é apenas mais uma forma de trabalho, chegar lá não é sinônimo de vencer. Atuar, emprestar o seu corpo para uma personagem ganhar vida, é muito mais do que aparecer na televisão e ficar famoso. Desmistificando essa busca pela fama, eles se expõem em tela de uma maneira tocante em muitos momentos.
Junto com os depoimentos e as performances, o roteiro é costurado com alguns poucos momentos da rotina dos atores, gravados por eles mesmo em celular. Algo que poderia ser mais explorado, pois mostra coisas aparentemente banais como a hora que chegam em casa ou aqueles que atuam em outras profissões para conseguir sobreviver, ampliando a visão sobre o que é falado. Nesse ponto, não vemos apenas os iniciantes, mas também alguns mais experientes como Tonico Pereira em sua loja de roupas, negócio que ele abriu como uma forma de se prevenir de possíveis momentos de crise.
Como você me vê? instiga, ainda que dê a sensação de que poderia ter uma fórmula menos engessada. O material reunido, no entanto, é de extremo valor e ajuda a desmistificar uma profissão tão glamourizada buscando a essência dessa arte, se é que é possível existir isso. Entre reflexões, confissões e projeções, embarcamos em seus mundos de uma maneira intensa, refletindo também sobre o nosso próprio país e a nossa cultura.
Como você me vê? (Como você me vê?, 2018 / Brasil)
Direção: Felipe Bond
Roteiro: Felipe Bond, Henrique Amud
Com: José Celso Martinez Correa, Stenio Garcia, Cássia Kiss, Nanda Costa, Gracindo Júnior, Rodrigo Pandolfo, Sílvio Guindane, Babu Santana, Letícia Sabatella, Matheus Nachtergaele, Tonico Pereira, Marilia Coelho e Luciano Vidigal
Duração: 113 min.
Amanda Aouad
Crítica afiliada à Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema), é doutora em Comunicação e Cultura Contemporâneas (Poscom / UFBA) e especialista em Cinema pela UCSal. Roteirista profissional desde 2005, é co-criadora do projeto A Guardiã, além da equipe do Núcleo Anima Bahia sendo roteirista de séries como "Turma da Harmonia", "Bill, o Touro" e "Tadinha". É ainda professora dos cursos de Jornalismo e Publicidade e Propaganda da Unifacs e da Uniceusa. Atualmente, faz parte da diretoria da Abraccine como secretária geral.
Como você me vê?
2018-01-27T08:30:00-03:00
Amanda Aouad
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