Paterson
Um homem com o mesmo nome do local onde mora, Paterson. Uma coincidência que gera algumas brincadeiras, mas também metáforas, já que é motorista de ônibus e passa os seus dias circulando a cidade e observando sua rotina. Isso ganha um significado a mais por ele ter o hábito de escrever poesias em seu caderno secreto.
São essas camadas poéticas que ditam o ritmo de Paterson, filme de Jim Jarmusch que concorreu à Palma de Ouro. O clima melancólico da rotina do seu protagonista é intercalado com as palavras de seus pensamentos no caderno. Versos sobre coisas simples como uma caixa de fósforo, mas que carregam sentimentos profundos, em especial, o amor por sua esposa e pelos simples prazeres da vida.
O roteiro acompanha uma semana do casal, fazendo questão de marcar as passagens do dia com legendas, para construir a sensação ainda mais maçante da rotina. Paterson acorda e vai para o trabalho, dirige seu ônibus o dia todo, volta para casa, janta, sai para passear com o cachorro Marvin, para em um bar, toma uma cerveja, conversa com o barman e volta para casa.
Algumas poucas situações, como um ônibus quebrado, um alerta sobre um possível sequestro do cão ou uma comemoração não parecem o suficiente para tirar a sensação de repetição cíclica. O curioso é que sua esposa Laura, apesar de viver de maneira mais experimental, também tem sua própria rotina, seja treinando em um violão que acaba de ganhar ou fazendo cupcakes para vender na feira. A diferença entre os dois é que Laura busca realizar seus sonhos e aptidões, enquanto que Paterson, preso na rotina do trabalho, tem pouco tempo para se dedicar a seus próprios sonhos.
A poesia é o combustível de esperança que o rege. Todas as noites, se tranca no porão para escrever, mas pensa em versos durante todo o dia. O filme constrói recursos visuais para inserir suas palavras em voz over, mas também com escrita pela tela, o que dá um efeito ainda mais poético para o momento. Como curiosidade, o verdadeiro poeta que escreveu tais palavras é Ron Padgett.
Adam Driver nos passa toda a melancolia do seu personagem em pequenos gestos diários e olhares. Ainda que seja um sentimento apaziguador, sem revoltas, mesmo quando temos o único vislumbre de reviravolta em sua rotina. Golshifteh Farahani e Rizwan Manji cumprem seu papel, mas quem rouba a cena mesmo é a cadelinha Nellie, que "interpreta" Marvin. Jim Jarmusch consegue costurar expressões do animal, que dialogam perfeitamente com o momento. Muito do humor involuntário é através dele também. Marvin acaba sendo o reflexo dos sentimentos de seus donos, o que faz uma determinada cena ter ainda mais força.
Com uma fotografia fria e uma sensação de tempo que se arrasta, Paterson é um drama bem construído.
Paterson (Paterson, 2017 / EUA)
Direção: Jim Jarmusch
Roteiro: Jim Jarmusch
Com: Adam Driver, Golshifteh Farahani, Rizwan Manji
Duração: 118 min.
Amanda Aouad
Crítica afiliada à Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema), é doutora em Comunicação e Cultura Contemporâneas (Poscom / UFBA) e especialista em Cinema pela UCSal. Roteirista profissional desde 2005, é co-criadora do projeto A Guardiã, além da equipe do Núcleo Anima Bahia sendo roteirista de séries como "Turma da Harmonia", "Bill, o Touro" e "Tadinha". É ainda professora dos cursos de Jornalismo e Publicidade e Propaganda da Unifacs e da Uniceusa. Atualmente, faz parte da diretoria da Abraccine como secretária geral.
Paterson
2018-01-16T08:30:00-03:00
Amanda Aouad
Adam Driver|critica|drama|Golshifteh Farahani|Jim Jarmusch|Rizwan Manji|
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