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Um Homem de Família
Um Homem de Família
Voltar no tempo, repensar escolhas, experimentar uma vida que poderia ter sido: Um Homem de Família (The Family Man) parte de uma premissa que flerta com o fantástico, mas mergulha mesmo é no mais concreto dos conflitos humanos — aquele entre ambição e afeto, entre o êxito financeiro e os vínculos afetivos. O diretor Brett Ratner, conhecido por blockbusters como A Hora do Rush e Dragão Vermelho, talvez nunca tenha sido lembrado por sua sutileza, mas aqui entrega uma obra que surpreende por sua doçura contida, mesmo com algumas falhas de tom que não escapam ao olhar mais atento.
O filme, lançado em 2000, é estrelado por Nicolas Cage, interpretando Jack Campbell, um executivo de Wall Street, milionário, solteiro convicto, obcecado por trabalho. Em um mundo corporativo onde a emoção é vista como fraqueza, Jack é o rei. Até que, numa véspera de Natal, um encontro aparentemente banal com um desconhecido (Don Cheadle) desencadeia uma espécie de fenda existencial: Jack acorda, na manhã seguinte, vivendo outra vida. Ele não está mais em sua cobertura em Manhattan, mas numa casa suburbana em Nova Jersey, casado com Kate Reynolds (Téa Leoni) e pai de dois filhos.
A beleza do filme não está na originalidade do enredo — que lembra, em muitos momentos, clássicos como A Felicidade Não se Compra (It’s a Wonderful Life, 1946) — mas sim na forma como explora as nuances dessa jornada de transformação. E é aqui que Nicolas Cage entrega uma de suas performances mais humanas da virada do milênio. Sem recorrer aos seus maneirismos mais caricatos, ele constrói um Jack que, no início, parece um alienígena dentro da vida doméstica. A cena em que tenta trocar a fralda da filha pequena, enquanto sua incredulidade se mistura ao pânico, é cômica, mas também comovente — não pelo humor, mas pela tragédia de alguém que percebe o quanto perdeu sem nunca ter tido.
Téa Leoni, por sua vez, é o coração emocional do filme. Sua Kate não é apenas “a esposa perfeita”, mas uma mulher forte, pragmática, com vida e desejos próprios. Há uma cena particularmente delicada, quando Kate questiona se Jack está “bem”, ao notar uma distância emocional inexplicável nele. É um momento simples, quase banal, mas que carrega todo o peso da experiência de quem, numa vida alternativa, sente a ausência emocional do parceiro.
O roteiro, assinado por David Diamond e David Weissman, não é particularmente ousado, e em alguns momentos recorre a atalhos fáceis para nos comover — a criança precoce, o cachorro bagunceiro, o amigo de infância com vida difícil. Mas apesar dos clichês, há uma honestidade nas intenções que impede o filme de se tornar piegas. Ratner conduz a narrativa com ritmo seguro, e mesmo que falte um pouco de sofisticação visual, o diretor é hábil em criar uma atmosfera natalina que evita o sentimentalismo escancarado, o que já é um mérito dentro do subgênero dos “filmes de Natal”.
Visualmente, o contraste entre a vida de luxo em Manhattan e o cotidiano suburbano é bem desenhado — ainda que previsível. Em Nova Jersey, tudo tem tons mais quentes, mais terrosos, enquanto em Nova York o aço e o vidro predominam, reforçando a frieza daquela existência anterior. A trilha sonora ajuda a pontuar essas mudanças de tom, mas nunca rouba a cena. O filme, afinal, é sobre as escolhas de Jack — e sobre o que as escolhas dizem de nós.
Ainda assim, há elementos que poderiam ser melhor desenvolvidos. A figura de Don Cheadle como uma espécie de “anjo urbano” é introduzida de forma instigante, mas depois desaparece da trama sem a profundidade simbólica que prometia. Seu papel é funcional, quase como um dispositivo narrativo, o que é uma pena considerando o potencial do personagem.
A maior força de Um Homem de Família, no entanto, está na forma como nos força a confrontar uma pergunta inquietante: e se a vida que você construiu não for, de fato, a sua melhor versão? O filme não oferece respostas fáceis. Ele também não idealiza a vida suburbana como uma panaceia. Em um diálogo essencial, Kate diz a Jack que a vida deles “não é glamourosa, mas é real”. E talvez esse seja o cerne da obra: a ideia de que há valor no ordinário, no rotineiro, na repetição que estrutura os afetos.
No desfecho, há uma ambiguidade que funciona bem. Jack desperta novamente em sua realidade original, na cobertura chique, com seu terno impecável. Mas ele já não é mais o mesmo. Não é preciso que o roteiro diga isso com palavras — basta olhar para o modo como ele observa Kate, quando a reencontra, para saber que algo mudou. O tempo alternativo vivido não foi sonho nem alucinação, mas uma espécie de epifania emocional.
Brett Ratner, que raramente é lembrado por fazer filmes sensíveis, talvez tenha encontrado aqui um raro equilíbrio entre o entretenimento acessível e uma reflexão genuína sobre escolhas e arrependimentos. Não é um filme revolucionário, mas é um filme necessário — especialmente para quem já se pegou imaginando como seria a vida se tivesse dito “sim” naquela bifurcação do passado. Em um mundo cada vez mais pautado pela performance e pela produtividade, Um Homem de Família propõe uma pausa. Questiona a ilusão do “ter tudo” e convida o espectador a refletir sobre o que está disposto a perder para ganhar — e se o que está ganhando, no fim das contas, vale mesmo o preço.
Um Homem de Família (The Family Man, 2000 / Estados Unidos)
Direção: Brett Ratner
Roteiro: David Diamond, David Weissman
Com: Nicolas Cage, Téa Leoni, Don Cheadle, Jeremy Piven, Saul Rubinek
Duração: 125 min.

Ari Cabral
Bacharel em Publicidade e Propaganda, profissional desde 2000, especialista em tratamento de imagem e direção de arte. Com experiência também em redes sociais, edição de vídeo e animação, fez ainda um curso de crítica cinematográfica ministrado por Pablo Villaça. Cinéfilo, aprendeu a ser notívago assistindo TV de madrugada, o único espaço para filmes legendados na TV aberta.
Um Homem de Família
2025-07-09T08:30:00-03:00
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