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Um Lugar Silencioso
Um Lugar Silencioso
A não ser que você tenha deficiência auditiva, não existe um silêncio absoluto e ele assusta. Como assusta a impossibilidade de fazer barulho, pois o menor ruído pode atrair o monstro que pode lhe matar. É com essa construção de efeitos que lida o filme Um Lugar Silencioso e não é de se espantar que ele esteja fazendo tanto sucesso, pois consegue utilizar muito bem os recursos fílmicos.
Dirigido e estrelado por John Krasinski, mais conhecido pelo Jim do seriado The Office, o filme acompanha a jornada da família Abbott para sobreviver em um mundo pós-apocalíptico onde estranhos seres surgem ao menor ruído sonoro para matar aqueles que fizeram o barulho. Cegos, os seres só conseguem se guiar pelas ondas sonoras e, até mesmo por isso, tem a audição bastante apurada. Isso cria algumas incongruências no roteiro, é verdade, mas a construção dos efeitos é tão boa que nos envolvemos sem parar para questionar durante a experiência.
Esse é um ponto que faz de Um Lugar Silencioso uma obra competente, independente dos diversos defeitos que possam ser apontados, principalmente no roteiro. O filme consegue nos fazer embarcar em sua atmosfera. Ficamos tensos em cena, antecipando alguns problemas e nos surpreendendo com a capacidade de sentirmos a dor das personagens, como quando um pé toca um prego ou quando um bebê está para vir a esse mundo caótico.
E, nesse ponto, temos as possíveis camadas que o filme acaba trazendo. A começar por esses possíveis questionamentos de trazer ou não mais pessoas para viver em um mundo cada vez mais desigual. Temos também uma construção em camadas de culpa e responsabilidade daqueles membros que ficam o tempo todo se questionando sobre um certo acontecimento. A obrigação da proteção paterna também é outra questão a ser discutida. Assim como os papéis de homens e mulheres.
Há ainda uma ironia sutil nas possibilidades de comunicação, quando o perigo é cego, tal qual nós ficamos muitas vezes diante de problemas. E parte da solução é surda, já que esta família só conseguiu sobreviver por tanto tempo porque a filha é surda e eles conseguem se comunicar pela linguagem de sinais. Quantas mensagens de auto-ajuda nos dizem para ficarmos surdos aos comentários negativos e depreciativos que nos levam a desistir de sonhos ou mesmo de pequenos desafios? Não ouvir, por vezes, é mesmo uma benção.
Independente das possibilidades de interpretação e resignificação, o filme traz méritos estilísticos. Em seu terceiro filme, John Krasinski demonstra um domínio da poética fílmica. A sequência inicial é um ótimo exemplo para análise, com aquele supermercado abandonado, a maneira como cada membro da família é apresentado. E claro, principalmente, pela cena na ponte e a maneira como as regras daquele mundo são passadas ao espectador. Há cenas extremamente bem construídas em planos, fotografia e montagem, como uma cena na banheira. E pistas e recompensas instigantes como um cilindro de oxigênio ou um prego.
Os sons são trabalhados de maneira criativa e envolvente. Um som de vento pode se tornar assustador e uma cachoeira pode ser um alívio. Qualquer menção a ruídos nos deixa suspensos em nossas cadeiras, comprando a ideia proposta, e isso é mérito do filme. Assim como é mérito dos atores a verdade do medo e dor que vemos em tela.
Um Lugar Silencioso é daqueles filmes para viver a experiência sensorial, mais do que qualquer outra coisa. Nossas emoções são acionadas para auxiliar na experiência, porque não nos envolvemos completamente com as personagens. É muito mais uma sucessão de sensações que uma empatia construída. Da mesma forma que raciocinando, perceberemos que muita coisa não faz sentido, há diversas incongruências no próprio universo ficcional criado. Mas nada disso parece fazer diferença diante da sensação ao terminar a projeção. Simplesmente, é fácil adorar a experiência.
Um Lugar Silencioso (A Quiet Place, 2018 / EUA)
Direção: John Krasinski
Roteiro: Bryan Woods, Scott Beck, John Krasinski
Com: Emily Blunt, John Krasinski, Millicent Simmonds
Duração: 90 min.
Amanda Aouad
Crítica afiliada à Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema), é doutora em Comunicação e Cultura Contemporâneas (Poscom / UFBA) e especialista em Cinema pela UCSal. Roteirista profissional desde 2005, é co-criadora do projeto A Guardiã, além da equipe do Núcleo Anima Bahia sendo roteirista de séries como "Turma da Harmonia", "Bill, o Touro" e "Tadinha". É ainda professora dos cursos de Jornalismo e Publicidade e Propaganda da Unifacs e da Uniceusa. Atualmente, faz parte da diretoria da Abraccine como secretária geral.
Um Lugar Silencioso
2018-04-18T08:30:00-03:00
Amanda Aouad
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