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Guarnieri

Guarnieri  - documentário - filme

Como defendem Francis Vanoye e Anne Goliot-Lété, analisar é dissecar para remontar uma obra. O documentário Guarnieri demonstra que o mesmo pode ser feito com uma pessoa. Pois, o maior objetivo de Francisco Guarnieri ao realizar a obra era compreender o seu avô em todas suas camadas, para aproximar-se dele mesmo que no campo das ideias.

É impressionante como um filme tão intimista, com um objetivo tão pessoal se torna tão universal e impactante. O corte no nome Guarnieri no título já demonstra que há fragmentações na obra projetada. A começar por essa distância entre um neto e um avô que pouco conviveram. Cartas com desculpas pelo excesso de trabalho e áudio cobrando visitas são alguns elementos que reforçam essa ausência presente. Que nos leva à segunda fragmentação: o homem e o mito.

Guarnieri  - documentário - filmeGianfrancesco Guarnieri foi um dos artistas mais importantes que o Brasil já teve, mesmo tendo nascido na Itália, fez de sua obra uma forma de pensar, refletir e contestar o país onde cresceu e morreu. Obras como “Eles Não Usam Black-Tie”, "Arena Conta Zumbi", "Castro Alves Pede Passagem" e "Botequim" marcaram uma geração e muitas ainda funcionam hoje. É difícil ter um mito assim como familiar e Francisco é hábil ao trazer também o homem para a tela, com suas fragilidades e defeitos, sem desmerecer o grande artista que foi.

Há ainda uma curiosa fragmentação entre os dois filhos do primeiro casamento. Ambos atores, como o pai, mas sem o posicionamento político. Paulo, o pai de Francisco, lida com as diferenças de uma maneira tranquila, não se diz influenciado ou que tenha sofrido o peso de ser filho de quem era. Já Flávio, o tio, parece menos resolvido com a situação. Há o incômodo em ser, de certa maneira, cobrado por não seguir a mesma posição política do pai, a ponto de contestar o que vê como uma acusação. E fala abertamente sobre a pressão que sentiu ao começar e ouvir a comparação com o pai.

Guarnieri  - documentário - filmeChama a atenção a maneira hábil com que Francisco lida com imagens de arquivo, entrevistas com pai e tio, além de algumas leituras de peças do avô. Um desses momentos acaba sendo extremamente simbólico, já que ele e o pai, Paulo, lêem um trecho de “Eles Não Usam Black-Tie”, peça que povoa boa parte do documentário. Há um resgate da importância da obra, diversas cenas do filme dirigido por Leon Hirszman e até entrevistas de Gianfrancesco Guarnieri falando sobre.

A utilização massiva de seus trechos demonstra um pouco o incômodo de Francisco com a atuação geral, apática politicamente, onde sindicatos e movimentos estudantis perderam a força. Onde o individualismo tomou conta da sociedade como temia Otávio. O embate entre Otávio e Tião, pai e filho, acaba sendo um pouco do reflexo do que o neto demonstra nos filhos de Guarnieri, a ponto de Flávio reclamar “quer me transformar no Tião de qualquer maneira”. E que pode ser transportado para o macrocosmo, como um reflexo da sociedade como um todo, “filhos e netos” da revolução.

Gianfrancesco Guarnieri pode não ter sido presente e marcante como o vovô Orlando, sua personagem no saudoso seriado Mundo da Lua, mas parece que, mesmo à distância, passou ao neto Francisco muito de sua visão de mundo. Nesta obra, ele demonstra sua atitude contestadora, incomodada com a situação que vivemos. E nos brindando com um belo documentário.


Guarnieri (Guarnieri, 2018 / Brasil)
Direção: Francisco Guarnieri
Roteiro: Francisco Guarnieri
Com: Gianfrancesco Guarnieri, Paulo Guarnieri, Flávio Guarnieri
Duração: 71 min.

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