O que é arte? Quais os limites da expressão artística? E quem decide isso? Desde que a pichação invadiu as ruas das cidades, essa discussão se tornou válida. Vista por muitos como ato de vandalismo e por outros como protesto, há dimensões artísticas e de expressão que merecem ser levadas em conta. Principalmente pela luta por território entre grupos de pichadores. Urubus traz a história de um desses grupos, liderados pelo jovem Trinchas que fez história ao invadir a 28ª Bienal de Arte de São Paulo.
Urubus
O que é arte? Quais os limites da expressão artística? E quem decide isso? Desde que a pichação invadiu as ruas das cidades, essa discussão se tornou válida. Vista por muitos como ato de vandalismo e por outros como protesto, há dimensões artísticas e de expressão que merecem ser levadas em conta. Principalmente pela luta por território entre grupos de pichadores. Urubus traz a história de um desses grupos, liderados pelo jovem Trinchas que fez história ao invadir a 28ª Bienal de Arte de São Paulo.
Ainda que traga elementos ficcionais, a obra se inspira na história real, inclusive tendo entre os roteiristas o pichador CRIPTA Djan que esteve na invasão de 2008. A direção de Claudio Borrelli busca uma linguagem realista, mas pautada pelo ritmo ágil, com efeitos na montagem e um trabalho sonoro que parece deslocar cenas em uma construção que causa estranhamento e envolvimento ao mesmo tempo.
Muitos estão comparando com o filme Cidade de Deus, pelas diversas aproximações. Um diretor de publicidade em seu primeiro longa-metragem. A produção do próprio Fernando Meirelles. A utilização de não-atores e a preparação de elenco de Fátima Toledo. A estética plástica para olhar uma realidade periférica. O ritmo ágil e o flerte com gêneros da indústria cinematográfica. A busca por uma construção visualmente impactante. Tudo isso faz sentido, mas o momento do cinema é outro e alguns vícios que funcionaram antes, agora parecem incômodos.
A inserção de Cripta no roteiro e a utilização de não-atores com o trabalho de preparação de Fátima Toledo dão um passo na construção conjunta da obra que ajuda na atmosfera mais próxima do real. Porém, é perceptível ainda um olhar de fora em especial na inserção da personagem fictícia Valéria. Uma garota de classe média, estudante de arte que ao se envolver amorosamente com Trinchas acaba o inspirando a invadir a Bienal.
Isso acaba passando uma mensagem elitista perigosa. Nos dá a sensação de doutrinação da estudante e que aqueles pichadores não seriam capazes de se organizar naquele ato de protesto se não fosse sua interferência. Se é inspirada em uma história real e nela não houve esse elemento de fora, qual a necessidade da mesma? O romance não poderia ser desenvolvido com alguém da comunidade? Uma pichadora até? A própria pichadora que foi presa durante a invasão? São questionamentos que ficam, mas só nos cabe analisar a escolha do que está em tela, e ela causa um incômodo.
De qualquer maneira, a invasão à Bienal parece apenas o despertar da consciência do que aqueles grupos já faziam nas ruas. A maneira como o filme mostra a disputa por território com dois grupos rivais pichando os espaços deixa claro que aquilo não é apenas uma expressão artística, ainda que essa seja também importante de ser reconhecida. É uma demarcação de direitos. Um ato de protesto e ocupação de espaços que lhes são negados enquanto jovens de periferia.
O maior mérito do filme talvez seja esse. Aproximar-se desse universo de maneira hábil, nos fazer sentir estarmos ali nas ruas de São Paulo junto a eles. E refletir sobre sua busca por espaço e a arte que realizam.
Filme visto na 45ª Mostra de São Paulo.
Urubus (Vultures, Brasil/ 2021)
Direção: Cláudio Borrelli
Roteiro: Claudio Borreli, Mercedes Gameiro. Vera Egito, Djan Ivson Silva
Com: Gustavo Garcez, Bella Camero, Julio Martins
Duração: 120 min.

Amanda Aouad
Crítica afiliada à Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema), é doutora em Comunicação e Cultura Contemporâneas (Poscom / UFBA) e especialista em Cinema pela UCSal. Roteirista profissional desde 2005, é co-criadora do projeto A Guardiã, além da equipe do Núcleo Anima Bahia sendo roteirista de séries como "Turma da Harmonia", "Bill, o Touro" e "Tadinha". É ainda professora dos cursos de Jornalismo e Publicidade e Propaganda da Unifacs e da Uniceusa. Atualmente, faz parte da diretoria da Abraccine como secretária geral.
Urubus
2021-10-26T16:30:00-03:00
Amanda Aouad
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