Contos de fadas são uma forma de fabular a realidade. Não por acaso os contos dos irmãos Grimm são muitas vezes tão densos, tendo seu tom atenuado pela Disney, por exemplo. Com Pinóquio, personagem do escritor Carlo Collodi não é diferente. A história de um garoto de madeira que sonha em ser um menino de verdade discute questões diversas sobre a humanidade. Mas, na versão de Guillermo del Toro, essas questões se maximizaram, trazendo, inclusive, a guerra e suas consequências.
Pinóquio
Contos de fadas são uma forma de fabular a realidade. Não por acaso os contos dos irmãos Grimm são muitas vezes tão densos, tendo seu tom atenuado pela Disney, por exemplo. Com Pinóquio, personagem do escritor Carlo Collodi não é diferente. A história de um garoto de madeira que sonha em ser um menino de verdade discute questões diversas sobre a humanidade. Mas, na versão de Guillermo del Toro, essas questões se maximizaram, trazendo, inclusive, a guerra e suas consequências.
O diretor mexicano já havia fabulado a guerra em sua obra O labirinto do fauno. Em Pinóquio, essa fabulação não é tão extrema, já que o período histórico está narrado de uma maneira mais realista, discutindo inclusive o fascismo, tendo manifestações pró Mussolini e treinamento das crianças como soldados. O detalhe curioso é que esse treinamento seja realizado com armas de tinta, tipo paintball, dando um toque de fantasia a algo tão denso e cruel como uma batalha.
Feito em stop motion, o Pinóquio de Guillermo del Toro ganha em experiência estética por sua composição visual e textura que torna quase palpável esse menino de madeira. A riqueza de detalhes impressiona e nos deixa mais próximos do que seria ver um boneco vivo, andando, falando e tendo sentimentos. Uma ideia que chama a atenção é o fato de um dos vilões ser um dono de circo que tem um macaco como um titereiro, que controla outros bonecos que interagem no palco. Traz ainda mais camadas para essa busca pelo limiar entre o real e a fantasia.
O outro vilão é o fascista, pai de um dos meninos que convive com Pinóquio, trazendo um tema mais denso em relação a humanidade. Não apenas por todas as questões políticas que implica, ou mesmo pela guerra em si. Mas ao comparar as atitudes desses que são considerados seres humanos com o do menino de madeira, vemos que a essência humana vai muito além da carne e do osso, algo que está no conto de Pinóquio desde sua origem.
Curiosamente, a questão da mentira aqui é quase deixada de lado. Temos referências e uma cena com o nariz crescendo, mas não é um plot tão explorado na narrativa. Como se não fosse mais uma questão a ser frisada. Não que seja uma lição que não precise mais ser ensinada. Talvez del Toro acredite que já seja uma mensagem passada, concentrando sua trama em outras questões mais urgentes.
Outra novidade é a dimensão mítica do pós-morte, que nos remete novamente ao Labirinto do Fauno e todas as fábulas que exploram o além da vida. A questão do tempo, as possibilidades, a nova chance, tudo traz uma dimensão onírica curiosa e bela. Em especial, pela composição estética que constrói uma explicação interessante para o fato do menino de madeira ter “alma”.
Ainda que trabalhe com mais de um conflito, o roteiro não se perde, tendo uma boa progressão narrativa com plots que dialogam entre si, mantendo a atenção por toda sua longa projeção. O ritmo das cenas é ágil, envolvente. Há criatividade na construção das sequências. Destaque para as ações no mar e o treinamento das crianças. Mas há uma composição estética especial nas cenas na igreja, tanto no prólogo como quando Pinóquio chega e vê a imagem em madeira do Cristo.
Algumas histórias já foram contadas tantas vezes que a gente pensa que não tem mais nada a explorar. O filme de Guillermo del Toro tem, talvez, como maior mérito, trazer algo de novo ao conto de Pinóquio. Nos faz ver aquela história que achávamos conhecer com outros olhos, ressignificando alguns símbolos e deixando como sentimento final uma reflexão a mais sobre esse menino de madeira e o que é ser um menino de verdade.
Pinóquio (2022, Estados Unidos)
Direção: Guilhermo del Toro
Roteiro: Guilhermo del Toro, Patrick McHale, Matthew Robbins
Duração: 117 min.
Amanda Aouad
Crítica afiliada à Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema), é doutora em Comunicação e Cultura Contemporâneas (Poscom / UFBA) e especialista em Cinema pela UCSal. Roteirista profissional desde 2005, é co-criadora do projeto A Guardiã, além da equipe do Núcleo Anima Bahia sendo roteirista de séries como "Turma da Harmonia", "Bill, o Touro" e "Tadinha". É ainda professora dos cursos de Jornalismo e Publicidade e Propaganda da Unifacs e da Uniceusa. Atualmente, faz parte da diretoria da Abraccine como secretária geral.
Pinóquio
2023-01-08T12:30:00-03:00
Amanda Aouad
animacao|critica|Guillermo Del Toro|netflix|oscar2023|
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