Home
Antônio Pinto
cinema brasileiro
classicos
critica
drama
filme brasileiro
Geraldo Del Rey
Glauber Rocha
João Gama
Lídio Silva
Maurício do Valle
Othon Bastos
Sonia dos Humildes
Yoná Magalhães
Deus e o Diabo na Terra do Sol
Deus e o Diabo na Terra do Sol
Deus e o Diabo na Terra do Sol (1964), dirigido por Glauber Rocha, é uma obra-prima que se mantém relevante e impactante, mesmo após quase 60 anos de seu lançamento. Este filme não é apenas um marco do Cinema Novo, mas também uma análise profunda e crítica da sociedade brasileira, especialmente do sertão nordestino, com suas complexidades e contradições.
Glauber Rocha, um dos mais influentes cineastas brasileiros, cria uma narrativa que permanece atual, explorando temas universais de opressão, fé e resistência. A trama segue Manuel (Geraldo Del Rey), um vaqueiro que, após um desentendimento com um coronel, acaba matando-o e é forçado a fugir com sua esposa Rosa (Yoná Magalhães). A jornada do casal pelo sertão os coloca em contato com figuras icônicas, como Sebastião (Lídio Silva), um pregador messiânico, e Corisco (Othon Bastos), um cangaceiro implacável.
O desempenho de Geraldo Del Rey como Manuel é visceral e autêntico. Ele personifica o homem comum, esmagado pelas forças da injustiça social, mas que ainda busca desesperadamente por uma saída. Yoná Magalhães, como Rosa, traz uma presença poderosa e silenciosa que contrasta com a turbulência ao seu redor. Sua atuação é um pilar de racionalidade e compaixão, fornecendo um contrapeso essencial às ações impulsivas de Manuel.
Othon Bastos, como Corisco, entrega uma atuação memorável que encapsula a brutalidade e a complexidade moral do cangaço. Sua performance é tanto aterrorizante quanto fascinante, destacando-se como uma das representações mais icônicas do cinema brasileiro. Lídio Silva, por sua vez, retrata Sebastião com uma intensidade fervorosa, ilustrando a perigosa mistura de carisma e fanatismo que caracteriza os líderes messiânicos.
A direção de Glauber Rocha é magistral. Ele utiliza a câmera com uma liberdade ímpar, capturando a aridez e a vastidão do sertão com autenticidade. A cinematografia de Waldemar Lima, com seus contrastes fortes e uso inovador da luz natural, reforça a sensação de realismo brutal que permeia o filme. A edição de Rafael Valverde é quase experimental, com cortes abruptos e uma montagem que muitas vezes desafia a linearidade tradicional, criando uma narrativa fragmentada que espelha a desordem e a incerteza da vida no sertão.
Glauber Rocha também faz uso de uma trilha sonora eclética que mescla composições eruditas de Villa-Lobos com músicas populares compostas por ele mesmo. Essa mistura de estilos musicais reforça a dualidade presente em todo o filme, refletindo a tensão entre o sagrado e o profano, o tradicional e o moderno. A música funciona como um coro grego, comentando e reforçando a ação na tela. No entanto, a edição de som, especialmente nas cenas de redublagem, parece deslocada, quebrando a imersão.
Um dos momentos mais marcantes do filme é o confronto entre Antonio das Mortes (Maurício do Valle) e Corisco. Antonio das Mortes, representante das forças repressivas do Estado e da Igreja, é contratado para eliminar os "infiéis". Sua figura imponente e suas ações implacáveis são um lembrete brutal da violência institucionalizada que permeia toda a história do Brasil. O duelo entre Antonio e Corisco é uma cena carregada de tensão e simbolismo, representando a luta eterna entre o poder opressor e a resistência insurgente.
Deus e o Diabo na Terra do Sol é um filme de dualidades. O próprio título já sugere essa dicotomia, que se estende a todos os aspectos da obra. Glauber Rocha explora o conflito entre fé e razão, ordem e caos, esperança e desespero. Manuel oscila entre seguir Sebastião, com suas promessas de redenção divina, e se juntar a Corisco, cuja solução para a injustiça é a violência. Esta dialética é o cerne do filme, questionando a moralidade e a eficácia de ambos os caminhos.
A crítica social é uma constante na obra de Glauber, e Deus e o Diabo na Terra do Sol não é exceção. O filme denuncia as condições de vida desumanas no sertão, a exploração pelos coronéis e a manipulação pela Igreja. É um retrato ferozmente honesto de um Brasil que muitos prefeririam não ver. A abordagem de Glauber, que mistura realismo com elementos de alegoria e simbolismo, torna essa denúncia ainda mais poderosa e universal.
Deus e o Diabo na Terra do Sol é uma peça essencial do Cinema Novo, um movimento que buscou redefinir a identidade cinematográfica brasileira através de uma lente crítica e inovadora. A direção visionária de Glauber Rocha, aliada às performances memoráveis de seu elenco, cria uma experiência cinematográfica que é ao mesmo tempo desafiadora e profundamente recompensadora. Sua capacidade de provocar reflexão e debate até hoje é inquestionável e é um testemunho do talento de Glauber Rocha como cineasta e como pensador.
Deus e o Diabo na Terra do Sol (1964, Brasil)
Direção: Glauber Rocha
Roteiro: Glauber Rocha
Com: Geraldo Del Rey, Yoná Magalhães, Othon Bastos, Maurício do Valle, Lídio Silva, Sonia dos Humildes, João Gama, Antônio Pinto
Duração: 120 min.
Ari Cabral
Bacharel em Publicidade e Propaganda, profissional desde 2000, especialista em tratamento de imagem e direção de arte. Com experiência também em redes sociais, edição de vídeo e animação, fez ainda um curso de crítica cinematográfica ministrado por Pablo Villaça. Cinéfilo, aprendeu a ser notívago assistindo TV de madrugada, o único espaço para filmes legendados na TV aberta.
Deus e o Diabo na Terra do Sol
2024-08-30T08:30:00-03:00
Ari Cabral
Antônio Pinto|cinema brasileiro|classicos|critica|drama|filme brasileiro|Geraldo Del Rey|Glauber Rocha|João Gama|Lídio Silva|Maurício do Valle|Othon Bastos|Sonia dos Humildes|Yoná Magalhães|
Assinar:
Postar comentários (Atom)
cadastre-se
Inscreva seu email aqui e acompanhe
os filmes do cinema com a gente:
os filmes do cinema com a gente:
No Cinema podcast
anteriores deste site
mais populares do site
-
Para prestigiar o Oscar de Natalie Portman vamos falar de outro papel que lhe rendeu um Globo de Ouro e uma indicação ao Oscar em 2004. Clos...
-
Assistir Nosso Sonho foi como uma viagem no tempo, uma volta aos anos 90, quando Claudinho e Buchecha dominaram as rádios e a TV com seu f...
-
E na nossa cobertura do FICI - Festival Internacional de Cinema Infantil , mais uma vez pudemos conferir uma sessão de dublagem ao vivo . Ou...
-
Raquel Pacheco seria apenas mais uma mulher brasileira a exercer a profissão mais antiga do mundo se não tivesse tido uma ideia, na época i...
-
Quando Twister chegou às telas em 1996, trouxe consigo um turbilhão de expectativas e adrenalina. Sob a direção de Jan de Bont , conhecido ...
-
Terra Estrangeira , filme de 1995 dirigido por Walter Salles e Daniela Thomas , é um dos filmes mais emblemáticos da retomada do cinema b...
-
Entre os dias 24 e 28 de julho, Salvador respira cinema com a sétima edição da Mostra Lugar de Mulher é no Cinema. E nessa edição, a propost...
-
Extermínio (2002), dirigido por Danny Boyle , é uma reinterpretação do gênero de filmes de zumbis que revitaliza as convenções estabeleci...
-
Desde o lançamento da aclamada trilogia O Senhor dos Anéis , Hollywood tem buscado incessantemente reproduzir o sucesso do gênero de fantasi...