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Drácula - A Última Viagem do Deméter
Drácula - A Última Viagem do Deméter
Drácula: A Última Viagem do Deméter (2023) parte de uma premissa intrigante, inspirada por um capítulo específico do clássico romance de Bram Stoker. Esse trecho do livro, embora curto, sempre capturou a imaginação dos fãs de horror: a viagem condenada do navio Deméter, que transporta o caixão do Conde Drácula da Transilvânia até Londres. Adaptar essa passagem é uma ideia interessante, afinal, o vampiro mais famoso do mundo já teve tantas encarnações cinematográficas que focar nesse segmento menos explorado da sua mitologia parecia ser um caminho promissor. O filme, dirigido pelo norueguês André Øvredal, conhecido por seus acertos em A Autópsia (2016) e Histórias Assustadoras para Contar no Escuro (2019), no entanto, acaba sendo uma experiência mista: há momentos de genuíno suspense, mas também tropeços que o impedem de se tornar memorável.
Logo no início, somos introduzidos ao navio Deméter, que parte dos portos búlgaros carregando várias caixas misteriosas. Entre os passageiros, temos Clemens (Corey Hawkins), um médico britânico que se junta à tripulação, o experiente e íntegro capitão Eliot (Liam Cunningham) e seu jovem neto Toby (Woody Norman), além de uma clandestina misteriosa, Anna (Aisling Franciosi). A direção de Øvredal acerta em criar uma atmosfera claustrofóbica no navio, com belos planos abertos do mar e closes que capturam o pavor crescente dos personagens. O diretor de fotografia Tom Stern utiliza a escuridão de maneira hábil, sugerindo o terror iminente a cada pôr do sol.
Drácula, interpretado pelo talentoso Javier Botet, surge aqui de forma grotesca e monstruosa, lembrando mais o icônico Nosferatu do cinema mudo de F.W. Murnau do que o charmoso vampiro de adaptações como o Drácula de Francis Ford Coppola. Botet é conhecido por dar vida a criaturas de terror, e seu trabalho físico é impressionante, mas a decisão de Øvredal de mostrá-lo tanto e tão cedo reduz o impacto que o personagem poderia ter. A aura de mistério que cerca o conde no romance de Stoker é essencial para o terror que ele inspira, e aqui, ao revelá-lo como um monstro de CGI com asas e dentes afiados logo nos primeiros ataques, o filme perde a chance de construir tensão de forma mais gradual e eficaz. Em Alien – O Oitavo Passageiro (1979), uma das claras inspirações de Øvredal, o horror se intensifica porque vemos muito pouco da criatura até o final. Aqui, mostrar demais enfraquece a narrativa.
Um dos pontos positivos, no entanto, está na construção do ambiente. Øvredal sabe realmente criar suspense. Há momentos em que a tripulação, percebendo que algo maligno está à bordo, tenta sobreviver a bordo do navio em mar aberto. As sequências em que o sol se põe são especialmente tensas, com a tripulação consciente de que os ataques de Drácula são iminentes. Essa dinâmica de sobrevivência em um espaço tão restrito faz lembrar o terror de isolamento dos melhores filmes do gênero. O Deméter, no entanto, não é apenas um navio: é um símbolo da impotência dos personagens, condenados a enfrentar um mal implacável sem chance de fuga.
Infelizmente, o roteiro, assinado por Bragi F. Schut Jr. e Zak Olkewicz, apresenta inconsistências que prejudicam a experiência. Os personagens, de início promissores, acabam se tornando vítimas do que parece ser a necessidade dos roteiristas de esticar a história. Em vez de personagens inteligentes e bem desenvolvidos, temos figuras que parecem agir de forma conveniente para a trama avançar, como se precisassem agir de forma ilógica para que o horror continue. Isso diminui a tensão, já que, por vezes, suas mortes se tornam previsíveis ou sem impacto emocional real.
Corey Hawkins, no papel de Clemens, traz profundidade ao que poderia ter sido um protagonista genérico. Seu personagem, um homem negro que enfrenta preconceitos por sua cor e formação médica, tem nuances interessantes que infelizmente não são tão exploradas quanto poderiam ser. A performance de Hawkins, no entanto, é sólida e consegue transmitir bem o dilema moral e o desespero crescente conforme ele tenta salvar a tripulação e Anna. Liam Cunningham, veterano de Game of Thrones, é outro ponto positivo, trazendo uma dignidade e peso emocional ao Capitão Eliot, especialmente nas cenas com seu neto Toby, que traz um dos momentos mais marcantes e tristes do filme. Cunningham se destaca ao expressar a dor e o desespero de um homem que percebe que seu navio está perdido.
O design de produção e a direção de arte também merecem elogios. Os figurinos e cenários remetem ao final do século XIX, criando uma ambientação convincente e imersiva. O Deméter parece um navio real, sujo e envelhecido, o que ajuda a transportar o público para aquela época e intensificar a sensação de isolamento.
No entanto, a maior decepção está no próprio Drácula. Como vilão titular, ele deveria ser o centro do horror, mas aqui ele é apenas uma criatura assassina sem profundidade. Não há motivações exploradas, não há diálogo, não há charme. Embora a aparência grotesca funcione inicialmente, a ausência de qualquer desenvolvimento do personagem reduz sua eficácia como antagonista. O título do filme promete uma jornada épica com Drácula, mas o que recebemos é um monstro genérico que poderia ser substituído por qualquer criatura: fantástica ou não.
Drácula: A Última Viagem do Deméter tem momentos de suspense e tensão, especialmente na primeira metade do filme. A atmosfera, a fotografia e algumas atuações, como as de Hawkins e Cunningham, mantêm o filme envolvente em alguns pontos. No entanto, as falhas do roteiro, a falta de desenvolvimento do vilão e a previsibilidade da narrativa acabam prejudicando o resultado final. Não é um filme que ficará marcado como uma grande adaptação de Drácula, e nem como um dos melhores filmes de terror do ano. Em vez disso, é uma obra que, embora tenha seus méritos, talvez funcione melhor como uma opção de streaming em uma tarde entediante do que como uma experiência merecedora das telonas.
Em resumo, Drácula: A Última Viagem do Deméter (2023) é um filme de horror com boas intenções, mas que tropeça ao longo do caminho. André Øvredal consegue criar uma atmosfera inquietante e claustrofóbica, mas a decisão de mostrar demais seu monstro e a falta de profundidade dos personagens impedem o filme de alcançar todo o seu potencial. O resultado é uma obra que oferece momentos de tensão, mas que, no geral, deixa a sensação de que poderia ter sido muito mais do que é.
Drácula: A Última Viagem do Demeter (The Last Voyage of The Demeter, 2023 / EUA)
Direção: André Øvredal
Roteiro: Olkewiczol, Bragi F. Schut
Com: Corey Hawkins, Aisling Franciosi, Liam Cunningham, David Dastmalchian, Chris Walley
Duração: 118 min.
Ari Cabral
Bacharel em Publicidade e Propaganda, profissional desde 2000, especialista em tratamento de imagem e direção de arte. Com experiência também em redes sociais, edição de vídeo e animação, fez ainda um curso de crítica cinematográfica ministrado por Pablo Villaça. Cinéfilo, aprendeu a ser notívago assistindo TV de madrugada, o único espaço para filmes legendados na TV aberta.
Drácula - A Última Viagem do Deméter
2024-11-13T08:30:00-03:00
Ari Cabral
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